Jacarta, 20 abr 2019 (Lusa) -- A
ex-conselheira presidencial indonésia Dewi Fortuna Anwar afirmou que os
militares apoiaram o referendo timorense de 1999 com a condição de que os
veteranos e soldados não seriam acusados judicialmente pelas suas ações.
Essa posição, explicou à Lusa
Dewi Fortuna Anwar, foi vincada na reunião histórica de 27 de janeiro de 1999
pelo então ministro da Defesa, general Wiranto, antes de formalmente o Governo
indonésio decidir permitir o referendo em Timor-Leste.
Anwar, que este ano completa 61
anos, é investigadora e professora no Instituto Indonésio de Ciências (LIPI) e
foi conselheira de Bacharuddin Jusuf Habibie, que assumiu a Presidência
indonésia depois da queda de Suharto em 1998.
Numa entrevista em Jacarta, Anwar
recorda os momentos históricos, há 20 anos quando, de forma algo surpreendente
a 27 de janeiro, e depois dessa reunião do Conselho de Ministros indonésio, o
então chefe da diplomacia, Ali Alatas, fala aos jornalistas.
Principal rosto da defesa da
posição indonésia sobre Timor-Leste, Ali Alatas diz que a Indonésia admite a
possibilidade de ser concedida a independência a Timor-Leste, se o povo
timorense rejeitar um estatuto de autonomia.
Anwar participou nessa e noutras
reuniões em que o futuro de Timor-Leste foi ditado e em conversa com a Lusa deu
conta do ambiente que se vivia em Jacarta e da postura adotada por Habibie que,
apesar de ter sido vice-presidente de Suharto, é hoje reconhecido como
"pai da democracia" indonésia.
Habibie, recorda, estava
"amplamente consciente da insustentável situação da ocupação indonésia de
Timor-Leste e da integração forçada", reconhecendo que apesar da Indonésia
considerar o território a sua 27ª província, "a comunidade internacional,
Portugal e os timorenses no exílio não tinham essa opinião".
"Sempre que recebia
visitantes estrangeiros, líderes ou embaixadores, jornalistas, a primeira coisa
que lhe perguntavam era: 'Presidente Habibie, o que vai fazer sobre
Timor?'", recordou.
"E isso levou-o a perceber
que se a questão de Timor-Leste não fosse resolvida pacificamente, a Indonésia
continuaria a ser afetada por este problema", disse.
Enquanto vice-presidente de
Suharto, explica Anwar, Habibie "era sempre ignorado" quando levava o
assunto ao ditador que "simplesmente lhe dizia: tu, toma conta da
tecnologia e deixa a política para mim".
"Por isso quando se tornou
Presidente estava muito preocupado em garantir que a Indonésia se tornava mais
democrática, mais empenhada nos compromissos de direitos humanos e Timor-Leste
fazia claramente parte dessa questão", frisou.
O assunto, explica, pode ter
ficado decidido nesse encontro, mas já tinha sido alvo de amplos debates,
nomeadamente no contexto da possibilidade de concessão de maior autonomia não
só a Timor-Leste, mas a Aceh e à Papua.
"Aceh e Papua que estavam a
rebelar-se contra o Governo central, eram ricas em recursos e precisavam de um
tratamento especial. Descentralização a nível distrital, como o resto da
indonésia, não era suficiente para responder às preocupações dos habitantes
locais", disse.
No que se refere a Timor-Leste em
particular, disse, a Indonésia mantinha a sua posição no diálogo com Portugal
de que "a autonomia especial era a solução final", enquanto líderes
timorenses e Lisboa a viam "apenas como uma solução de transição".
Uma postura, explicou,
preocupante para a Indonésia que temia que dar autonomia como passo para a
independência seria "um mau exemplo" para as outras províncias.
É nesse contexto, recordou, que
surge a carta do então primeiro-ministro australiano John Howard em que este
defendia que um referendo em Timor-Leste deveria realizar-se.
Anwar explicou que o seu papel
foi mostrar a Habibie que o conteúdo da carta "marcava uma grande mudança
na política australiana, já que até então a Austrália era dos pouco países que
reconhecia a anexação".
A carta foi
"essencial". Habibie distribuiu cópias aos ministros políticos e das
áreas de segurança que, sob coordenação de Feisal Tanjung se reuniram e
debateram a situação.
Na margem das cópias esta uma
nota do próprio Presidente, recordou Anwar: "ele escreveu que depois de 24
anos de ser parte da Indonésia, se os timorenses não sentem que querem
continuar a ser, devíamos separarmos pacificamente".
É com base nessa nota que o
núcleo duro do Governo, os responsáveis militares e outros líderes se sentaram
e concordaram em permitir o referendo, posição que foi apresentada depois, por
cada um deles, na reunião alargada de Conselho de Ministros.
Wiranto, então ministro da
Defesa, chegou atrasado à reunião, mas ainda a tempo de dizer ao que vinha:
"a decisão dos militares entrarem em Timor não foi dos militares, mas do
Governo e, por isso, fosse qual fosse a solução, [os soldados] não deveriam ser
criminalizados", recordou Anwar.
"Deveria garantir-se que a
honra, os direitos, o respeito dados aos veteranos, aos mártires continuaria.
De que não seriam esquecidos ou abandonados. Mas depois todos concordaram que a
Indonésia e Timor deveriam resolver as coisas pacificamente e isso foi
transmitido pelo ministro [dos Negócios Estrangeiros] Alatas", explicou.
O referendo veio a dar uma
vitória inequívoca aos independentistas, mas num contexto de violência civil, acentuada
pela ação de milícias pró-indonésias.
ASP // PJA
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