domingo, 21 de abril de 2019

Militares indonésios pediram para não ser 'criminalizados'-- ex-conselheira


Jacarta, 20 abr 2019 (Lusa) -- A ex-conselheira presidencial indonésia Dewi Fortuna Anwar afirmou que os militares apoiaram o referendo timorense de 1999 com a condição de que os veteranos e soldados não seriam acusados judicialmente pelas suas ações.

Essa posição, explicou à Lusa Dewi Fortuna Anwar, foi vincada na reunião histórica de 27 de janeiro de 1999 pelo então ministro da Defesa, general Wiranto, antes de formalmente o Governo indonésio decidir permitir o referendo em Timor-Leste.

Anwar, que este ano completa 61 anos, é investigadora e professora no Instituto Indonésio de Ciências (LIPI) e foi conselheira de Bacharuddin Jusuf Habibie, que assumiu a Presidência indonésia depois da queda de Suharto em 1998.

Numa entrevista em Jacarta, Anwar recorda os momentos históricos, há 20 anos quando, de forma algo surpreendente a 27 de janeiro, e depois dessa reunião do Conselho de Ministros indonésio, o então chefe da diplomacia, Ali Alatas, fala aos jornalistas.

Principal rosto da defesa da posição indonésia sobre Timor-Leste, Ali Alatas diz que a Indonésia admite a possibilidade de ser concedida a independência a Timor-Leste, se o povo timorense rejeitar um estatuto de autonomia.

Anwar participou nessa e noutras reuniões em que o futuro de Timor-Leste foi ditado e em conversa com a Lusa deu conta do ambiente que se vivia em Jacarta e da postura adotada por Habibie que, apesar de ter sido vice-presidente de Suharto, é hoje reconhecido como "pai da democracia" indonésia.

Habibie, recorda, estava "amplamente consciente da insustentável situação da ocupação indonésia de Timor-Leste e da integração forçada", reconhecendo que apesar da Indonésia considerar o território a sua 27ª província, "a comunidade internacional, Portugal e os timorenses no exílio não tinham essa opinião".

"Sempre que recebia visitantes estrangeiros, líderes ou embaixadores, jornalistas, a primeira coisa que lhe perguntavam era: 'Presidente Habibie, o que vai fazer sobre Timor?'", recordou.

"E isso levou-o a perceber que se a questão de Timor-Leste não fosse resolvida pacificamente, a Indonésia continuaria a ser afetada por este problema", disse.

Enquanto vice-presidente de Suharto, explica Anwar, Habibie "era sempre ignorado" quando levava o assunto ao ditador que "simplesmente lhe dizia: tu, toma conta da tecnologia e deixa a política para mim".

"Por isso quando se tornou Presidente estava muito preocupado em garantir que a Indonésia se tornava mais democrática, mais empenhada nos compromissos de direitos humanos e Timor-Leste fazia claramente parte dessa questão", frisou.

O assunto, explica, pode ter ficado decidido nesse encontro, mas já tinha sido alvo de amplos debates, nomeadamente no contexto da possibilidade de concessão de maior autonomia não só a Timor-Leste, mas a Aceh e à Papua.

"Aceh e Papua que estavam a rebelar-se contra o Governo central, eram ricas em recursos e precisavam de um tratamento especial. Descentralização a nível distrital, como o resto da indonésia, não era suficiente para responder às preocupações dos habitantes locais", disse.

No que se refere a Timor-Leste em particular, disse, a Indonésia mantinha a sua posição no diálogo com Portugal de que "a autonomia especial era a solução final", enquanto líderes timorenses e Lisboa a viam "apenas como uma solução de transição".

Uma postura, explicou, preocupante para a Indonésia que temia que dar autonomia como passo para a independência seria "um mau exemplo" para as outras províncias.

É nesse contexto, recordou, que surge a carta do então primeiro-ministro australiano John Howard em que este defendia que um referendo em Timor-Leste deveria realizar-se.

Anwar explicou que o seu papel foi mostrar a Habibie que o conteúdo da carta "marcava uma grande mudança na política australiana, já que até então a Austrália era dos pouco países que reconhecia a anexação".

A carta foi "essencial". Habibie distribuiu cópias aos ministros políticos e das áreas de segurança que, sob coordenação de Feisal Tanjung se reuniram e debateram a situação.

Na margem das cópias esta uma nota do próprio Presidente, recordou Anwar: "ele escreveu que depois de 24 anos de ser parte da Indonésia, se os timorenses não sentem que querem continuar a ser, devíamos separarmos pacificamente".

É com base nessa nota que o núcleo duro do Governo, os responsáveis militares e outros líderes se sentaram e concordaram em permitir o referendo, posição que foi apresentada depois, por cada um deles, na reunião alargada de Conselho de Ministros.

Wiranto, então ministro da Defesa, chegou atrasado à reunião, mas ainda a tempo de dizer ao que vinha: "a decisão dos militares entrarem em Timor não foi dos militares, mas do Governo e, por isso, fosse qual fosse a solução, [os soldados] não deveriam ser criminalizados", recordou Anwar.

"Deveria garantir-se que a honra, os direitos, o respeito dados aos veteranos, aos mártires continuaria. De que não seriam esquecidos ou abandonados. Mas depois todos concordaram que a Indonésia e Timor deveriam resolver as coisas pacificamente e isso foi transmitido pelo ministro [dos Negócios Estrangeiros] Alatas", explicou.

O referendo veio a dar uma vitória inequívoca aos independentistas, mas num contexto de violência civil, acentuada pela ação de milícias pró-indonésias.

ASP // PJA

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