quarta-feira, 23 de abril de 2025

HOJE A INDEPENDÊNCIA DE TIMOR-LESTE NÃO TERIA SIDO POSSÍVEL -- Mário Robalo

Independência de Timor-Leste seria "muito difícil" atualmente, considera jornalista que entrevistou Xanana Gusmão na clandestinidade

"Com o contexto internacional e com o posicionamento que a ONU já não tem hoje no panorama da política internacional, ia ser muito difícil" conseguir a independência, diz Mário Robalo em entrevista.

O antigo jornalista Mário Robalo, que em 1991 conseguiu entrevistar Xanana Gusmão na clandestinidade, considera que a independência de Timor-Leste seria atualmente muito difícil ou mesmo impossível.

“A libertação de Timor-Leste, com o contexto internacional e com o posicionamento que a ONU já não tem hoje no panorama da política internacional, ia ser muito difícil”, disse Mário Robalo em entrevista à agência Lusa.

No verão de 1991, quando a antiga colónia de Portugal estava ainda ocupada pela Indonésia, o ex-repórter do semanário Expresso, através do então embaixador Francisco Lopes da Cruz, conselheiro do ditador Suharto, obteve autorização de Jacarta para visitar o território.

“Hoje, a independência não teria sido possível, com os panoramas que infelizmente vamos vendo”, declarou.

Mário Robalo, residente na zona de Viana do Castelo, recordou que o referendo de 1999, pelo qual a população se mostrou favorável à criação de um Estado soberano na parte oriental da ilha de Timor, foi realizado quando o presidente dos Estados Unidos era Bill Clinton, numa época em que a questão dos direitos humanos marcava a agenda da Organização das Nações Unidas (ONU).

Em Portugal, nessa altura, o primeiro-ministro era o socialista António Guterres, atual secretário-geral das Nações Unidas, enquanto Jaime Gama desempenhava as funções de ministro dos Negócios Estrangeiros.

Da parte timorense, o agora Presidente da República do país, José Ramos-Horta, assumia responsabilidades diplomáticas a nível global, enquanto representante da FRETILIN e do líder da resistência, Xanana Gusmão, no exterior, incluindo na ONU.

“Eles tiveram essa capacidade de trabalhar com a Administração Clinton, por esse interesse democrático”, salientou Mário Robalo, referindo-se ao Governo português e ao Conselho Nacional da Resistência Timorense.

Nos anos derradeiros do século XX, havia nas Nações Unidas e no mundo “um novo entendimento dos direitos humanos” e a sua violação constante na antiga colónia “aborrecia um bocado” o democrata Bill Clinton, considerou.

“O regime de Suharto sobrevivia com o apoio do armamento americano. Isso repercutiu-se naquilo que era a relação cruzada dos Estados Unidos e Jacarta e dos Estados Unidos com Lisboa”, enfatizou o antigo jornalista, que tinha cerca de 40 anos quando entrevistou Xanana, em 1991.

Em termos constitucionais, Portugal estava vinculado ao dever de concluir a descolonização do território e continuava a ser reconhecido pela ONU como sua potência administrante.

Tanto a resistência de Timor-Leste como o Governo de António Guterres “souberam muito bem manusear isso politicamente”, afirmou Mário Robalo, que em 1991 foi preso pelos militares indonésios e interrogado durante vários dias, em Díli, após o seu encontro com Xanana.

“Portugal soube aproveitar muito bem aquela fase Clinton e isso foi fundamental”, sublinhou.

A constituição da INTERFET, “uma força da ONU para intervir em Timor”, em 1999, em caso de violência após a consulta popular, “foi discutida, decidida e votada numa noite”, o que “hoje seria impossível”.

O antigo jornalista reconheceu que nos primeiros anos da ocupação militar pela Indonésia, iniciada em 07 de dezembro de 1975 e que causou milhares de mortos, também a presença da FRETILIN em Portugal “não era bem acolhida” a nível institucional.

Por exemplo, os exilados da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente, que tinha declarado unilateralmente a independência em 28 de novembro de 1975, dispunham de um espaço modesto cedido pela União Democrática Popular (UDP), na sede nacional deste partido, em Lisboa, onde realizavam as suas atividades.

“Eles tiveram muita dificuldade, inicialmente, sim”, confirmou.

Mário Robalo falou à Lusa a propósito do texto “Timor Leste: uma árdua luta pela liberdade”, que escreveu para a última edição da revista “Ipsis Verbis”, comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, com coordenação de Luís Filipe Torgal e Basílio Torres, lançada pelo Agrupamento de Escolas de Oliveira do Hospital, na semana passada.

João Paulo II recusou beijar solo em Díli por entender Timor-Leste como sua casa

O ex-jornalista Mário Robalo realçou este domingo que o papa João Paulo II, quando visitou Timor-Leste, em 1989, recusou beijar o solo por entender a diocese do Vaticano como sua casa.

Na sua opinião, incluindo com este gesto do papa, a Igreja Católica “teve um peso muito grande ao nível da discussão e solução internacional” para a autodeterminação da antiga colónia portuguesa.

Em entrevista à Lusa, Mário Robalo comentou a visita de João Paulo II a Timor-Leste, quando o líder político e religioso optou por não beijar o solo à chegada a Díli.

“Era uma diocese do Vaticano, sua casa”, da qual ele próprio era bispo, sendo representado localmente pelo administrador apostólico Ximenes Belo.

“Foi interpretado como ter admitido que Timor-Leste já era parte integrante da Indonésia, mas foi absolutamente ao contrário. João Paulo II não ia beijar solo do Vaticano”, explicou.

O papa “foi muito explícito”, querendo deixar claro que, no caso, não iria “reverenciar a casa dos outros”, como fizera antes em Jacarta, disse, alegando que “esta leitura ainda hoje está por fazer”.

“O primeiro telefone satélite móvel que Xanana Gusmão teve foi levado por D. Ximenes Belo através da mala diplomática do Vaticano”, que as autoridades indonésias “não podiam abrir”, salientou.

Há 34 anos, durante uma visita ao território, articulada com o futuro bispo e com a resistência, e sempre vigiada de perto pelas forças indonésias, Mário Robalo deslocou-se sobretudo em táxis que pertenciam a membros da rede clandestina que combatia a ocupação.

“A grande sabedoria do Xanana foi integrar a resistência entre as massas e não apenas através das armas”, enalteceu.

A detenção do antigo jornalista do Expresso na capital timorense, durante alguns dias, aconteceu porque um membro da organização independentista se prestou ao papel de “agente duplo” e avisou os militares indonésios sobre a entrevista a Xanana efetuada pelo jornalista português.

O homem foi executado.

Mário Robalo esteve depois mais três vezes na antiga colónia. Na primeira oportunidade, “por uma questão de ética”, visitou a família do timorense condenado por traição.

Observador | Lusa

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