Rilijanto Viana | Diligente
Estudantes vivem com medo de ir às aulas, escondem os uniformes e são agredidos nas microletes. A rivalidade entre escolas e grupos de artes marciais alastra-se pelas ruas, enquanto escolas como a FINANTIL enfrentam condições insalubres e perigosas. Para diretores e especialistas, o problema é mais profundo: o Estado tem falhado na educação e na proteção da juventude.
“Guardo o uniforme na mochila e só o visto quando chego à escola. Quando as aulas acabam, vou à casa de banho e tiro-o antes de voltar para casa. Se me virem com o uniforme, identificam-me e batem-me”, relata. Ajano Viegas (nome fictício), de 20 anos, aluno do 12.º ano da Escola Secundária Geral Fitun Naroman Timor Lorosa’e (FINANTIL), vive com receio constante de ser agredido a caminho das aulas.
O estudante já foi agredido diversas vezes por estudantes da Escola Secundária Geral 10 de Dezembro. “Chegaram a puxar-me para fora da microlete e agrediram-me com tesouras. Quando os vejo na rua, volto para casa. Já estive uma semana sem ir às aulas por medo.”
Apesar de pertencer a um grupo de artes marciais, garante que o seu envolvimento é apenas por motivos de autodefesa. “Não quero arranjar problemas. Mas somos constantemente perseguidos. Não entendo porquê.” O clima de insegurança afeta muitos colegas. “Há alunos que passam um mês inteiro sem ir à escola. Só voltam na época de exames”, explica.
Também Akito Sousa (nome fictício), de 19 anos, aluno da FINANTIL, adota táticas semelhantes. “Todos os dias, visto um casaco para tapar o uniforme. Se me reconhecerem, atacam-me. Há colegas da 10 de Dezembro que fazem revistas nos caminhos e controlam quem passa.” Segundo Akito, quando um grupo é atacado, o outro organiza-se para retaliar. “As raparigas são poupadas, mas nós, os rapazes, apanhamos. Quando entramos no território deles, somos logo ameaçados.”
O estudante refere que a sua escola é rotulada como sendo dominada por membros da organização de artes marciais Persaudaraan Setia Hati Terate (PSHT), enquanto a Escola 10 de Dezembro é associada ao grupo Kera Sakti. “Nem todos pertencem a esses grupos, mas basta usarmos o uniforme da escola errada para sermos agredidos.”
A rivalidade afeta também alunos que não pertencem a nenhuma organização. É o caso de Alito Costa (nome fictício), de 20 anos, aluno da 10 de Dezembro. “Não estou ligado a nenhuma organização, mas isso não me protege. Um dia, ao passar na rua de Ai-Mutin, com o uniforme da escola, puxaram-me para dentro da microlete e agrediram-me. Disseram-me que qualquer aluno da 10 de Dezembro que encontrarem será espancado.”
Alito afirma que os estudantes da FINANTIL costumam esperar os rivais nas principais vias e atiram pedras contra quem passa. “Já partiram os vidros de vários veículos.” Do outro lado, os alunos da 10 de Dezembro rejeitam essas acusações. Joki Soares (nome fictício), de 20 anos, diz que os estudantes da FINANTIL são os que costumam provocar. “Ficam escondidos no caminho à nossa espera, com pedras nas mãos.”
Segundo Joki e o seu colega Rivaldo Ximenes (nome fictício), também de 20 anos, os confrontos são antigos e alimentados pelas rivalidades entre os grupos de artes marciais. “Mesmo que sejamos primos, quando estamos com os nossos colegas, defendemos a nossa organização. A lealdade é maior do que os laços familiares.” Rivaldo admite que saem da escola em grupo, prontos para procurar rivais. “Queremos vingança pelos que já nos atacaram.”
Para Rivaldo, o problema é profundo. “Dizem que a nossa escola pertence ao Kera Sakti e a FINANTIL ao PSHT. Recentemente, um aluno foi espancado dentro da sala de aula, porque disseram que era do grupo rival. Ficou com a cabeça a sangrar. A paz é difícil, porque as artes marciais já se infiltraram nas escolas. Podemos falar de reconciliação, mas ninguém sabe o que cada um sente por dentro.”
Conflitos entre escolas rivais continuam apesar de proibição
Apesar da suspensão da prática de artes marciais e do encerramento de todos os espaços associados até 31 de dezembro de 2025, os confrontos persistem. No passado mês de março, um estudante da FINANTIL ficou ferido na cabeça após um confronto com colegas da 10 de Dezembro. Os agressores foram detidos pela Polícia da Esquadra de Dom Aleixo. Um mês antes, os mesmos grupos protagonizaram outro episódio de violência, com lançamento de pedras na ponte da CPLP, o que afetou o trânsito e causou pânico.
Segundo testemunhos de estudantes, estas agressões ocorrem frequentemente à saída das aulas.
A decisão do Governo em prorrogar a suspensão das artes marciais foi formalizada numa resolução aprovada no passado dia 2 de abril, apresentada pelo Primeiro-Ministro Xanana Gusmão. Esta medida prolonga o que já tinha sido estabelecido pela Resolução do Governo n.º 45/2023, posteriormente reforçada pelas resoluções n.º 17/2024 e n.º 60/2024.
De acordo com o documento a que o Diligente teve acesso, “a medida continua a ser considerada necessária para consolidar a paz social alcançada desde novembro de 2023 e assegurar que, no futuro, a prática de artes marciais decorra exclusivamente no âmbito desportivo, promovendo valores de disciplina, civismo e formação humanista entre os jovens”.
Diretores pedem ação: “A escola não é do PSHT nem do Kera Sakti, é da RDTL”
O diretor da FINANTIL, Aniceto Berlelo, classifica os confrontos entre estudantes como atos de “delinquência juvenil”, mas responsabiliza o Estado pela falta de políticas eficazes. “Os ema boots gostam de politizar os grupos de artes marciais para ganhar votos, mas nada fazem para melhorar a vida dos cidadãos. Depois dizem que os jovens são criminosos?”, critica.
Berlelo defende que os confrontos são consequência de problemas estruturais profundos. “Os professores não incentivam os alunos à violência. O nosso papel é formar cidadãos educados. Mas muitos estudantes faltam às aulas e mesmo assim fazem exames e passam. Isso não pode acontecer.”
O diretor alerta também para as más condições da escola, que segundo o mesmo, agravam ainda mais o medo e dificultam o processo de aprendizagem dos estudantes.
Ao entrar na Escola Secundária Geral FINANTIL, sente-se de imediato um cheiro intenso vindo das casas de banho, que se encontram em estado deplorável. O edifício, construído no tempo da ocupação indonésia, está rodeado por habitações e cozinhas da comunidade, cujos fumos invadem as salas de aula.
As paredes estão antigas e rachadas, com buracos e desníveis visíveis. O teto de algumas salas ameaça ruir, o cimento do chão está estalado e levanta pó durante as aulas. Há falta de cadeiras e algumas janelas estão apenas cobertas com redes.
Existem apenas duas casas de banho partilhadas por rapazes e raparigas. Os sanitários estão sujos, o cheiro é insuportável e, durante a estação das chuvas, as salas ficam frequentemente inundadas com água misturada com resíduos das casas de banho, tornando o ambiente insalubre.
Das 15 salas de aula existentes, apenas três estão em boas condições. As mais antigas situam-se junto ao muro da escola, que apresenta rachaduras e risco de desabamento. “Se houver um sismo, esse muro pode cair sobre os alunos e professores”, alerta o diretor, Aniceto Berlelo.
Com mais de mil estudantes
registados em
O diretor admite recear uma tragédia. “Tenho medo de que um dia, durante uma aula, uma parede desabe. Vamos salvar o dinheiro ou a vida? Os governantes deviam refletir sobre isso.” Outro problema grave é a falta de água. “Como é que uma escola com tantos alunos pode funcionar sem água? E se alguém precisar urgentemente de ir à casa de banho?”
Estas questões, aliadas aos conflitos entre estudantes, preocupam-no.
Prevenção de conflitos: horários desencontrados e vigilância policial
Em 2024, as direções da Escola Secundária Geral FINANTIL e da Escola Secundária Geral 10 de Dezembro decidiram adotar horários de saída diferentes para os alunos do turno da tarde, como forma de reduzir os confrontos recorrentes entre estudantes.
Com esta medida, os alunos da FINANTIL passam a sair às 17h00, enquanto os da 10 de Dezembro saem às 17h30. Antes, ambos os grupos deixavam as escolas ao mesmo tempo, o que favorecia encontros nas ruas e o início de confrontos, que frequentemente envolviam o lançamento de pedras.
Além disso, foi designado um agente da polícia, em conjunto com a equipa de segurança escolar, para vigiar os estudantes à saída das aulas. “Antes de os meus alunos saírem, telefono ao diretor da FINANTIL para que envie a sua equipa de segurança para vigiar os acessos. Essa coordenação tem ajudado a reduzir os confrontos”, explicou Silvério da Costa.
Embora reconheça que os conflitos não desapareceram totalmente, afirma que a situação melhorou. “Às vezes ainda se confrontam noutros locais, mas dentro do ambiente escolar os episódios diminuíram. Quando acontecem nas escolas, é responsabilidade dos professores; fora do horário escolar, compete à polícia agir.”
O diretor da FINANTIL, Aniceto Berlelo, reforça que a implementação de horários desencontrados não significa que as escolas estejam em guerra. “É apenas uma medida de prevenção. Não devemos esperar que alguém morra para depois procurar soluções. É preciso antecipar.”
Berlelo considera que a medida já teve impacto positivo nas ruas. “As escolas não são inimigas. Estamos a trabalhar juntos para o bem do país e para servir apenas a bandeira da RDTL.”
Apesar disso, alguns estudantes consideram a medida insuficiente. Ajano Viegas relata que os encontros ainda acontecem no regresso a casa. “Continuamos a sair quase ao mesmo tempo e acabamos por nos cruzar nas estradas. Isso não resolve totalmente o problema.”
O aluno sugere uma reestruturação mais profunda: “Peço ao Ministério da Educação que reabilite a escola FINANTIL e crie mais salas, para que todos possamos estudar de manhã. Os alunos da 10 de Dezembro ficariam com o turno da tarde. Assim, evitaríamos cruzar-nos à saída e os confrontos diminuiriam.”
PDHJ aponta falhas graves do Estado
O Provedor dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), Virgílio da Silva Guterres, considera que os confrontos entre estudantes em espaços públicos não são um problema entre instituições, mas sim um reflexo de falhas estruturais profundas. Desde o início da restauração da independência, afirma, o Governo tem falhado em investir de forma séria e prioritária no setor da educação.
“Estes conflitos entre estudantes são consequência da negligência do Governo no investimento neste setor. As escolas funcionam em condições miseráveis, por isso os estudantes acabam por descarregar as suas frustrações na rua e em locais públicos”, lamentou.
O Provedor frisou ainda que Timor-Leste é um país com uma população muito jovem, e o Governo precisa de estar preparado para dar apoio e assistência eficaz. “A delinquência juvenil faz parte do desenvolvimento de uma sociedade, mas cabe ao Estado criar mecanismos de prevenção.”
Segundo Virgílio, o Estado não está a investir com seriedade na educação e começa também a perder a capacidade de garantir a segurança pública. “A capacidade policial está esgotada. Há mais de uma década que não há recrutamento na polícia, o que compromete a resposta rápida às situações de conflito.” Reforçou ainda o apelo para que o Governo invista com urgência na educação e aposte na prevenção. “Se não atuarmos agora, caminhamos para uma tragédia”, alertou.
O Provedor recorda que os grupos de artes marciais e rituais são uma realidade enraizada desde a resistência. “Noutros países também existem artes marciais. Os conflitos que aqui vemos não se devem às artes marciais em si, mas à falta de investimento na educação e ao desemprego. Essas são as raízes do problema.”
Virgílio Guterres também defende uma revisão profunda no modelo de desenvolvimento escolar e no currículo, para tornar os alunos mais ativos e envolvidos em atividades escolares que previnam comportamentos violentos.
Pais e sociedade pedem respostas
José Monteiro, diretor da Coligação de Timor-Leste para a Educação (TLCE), partilha das mesmas preocupações. Aponta a falta de coordenação entre instituições como a Polícia Nacional de Timor-Leste e a Comissão Reguladora das Artes Marciais como uma das causas dos confrontos.
“Os jovens estão numa fase da vida em que o ‘sangue quente’ os leva facilmente a provocações. O problema agravou-se com a presença de práticas de artes marciais e rituais difíceis de controlar. A culpa não é dos estudantes nem das escolas, mas do Governo, que não tem capacidade para organizar e orientar esses grupos com potencial para causar conflitos.”
Segundo Monteiro, os membros destes grupos conhecem bem os seus rivais, o que leva a confrontos constantes nos bairros e nas escolas. “O Governo suspendeu a prática das artes marciais e dos rituais, mas os conflitos não cessaram. Houve tentativas de reconciliação entre grupos, mas foram ineficazes e pouco sustentáveis.”
Perante esta realidade, Monteiro apelou ao Ministério da Educação e às autoridades de segurança para reforçarem a prevenção e o controlo dos conflitos entre estudantes. Defende também a criminalização de indivíduos ou grupos que agridem em espaços públicos. “Esses atos causam distúrbios e afetam o bem-estar de toda a comunidade.”
Já Olindo dos Santos, pai de dois alunos da 10 de Dezembro, afirma que os filhos pedem para mudar para uma escola privada. “Mas não aceito, porque é preciso muito dinheiro, e não temos. A polícia devia patrulhar as ruas todos os dias para garantir a segurança dos alunos.”
O Diligente tentou contactar o Serviço de Educação do Município de Díli, a Comissão Reguladora das Artes Marciais e o Comando da Esquadra de Dom Aleixo, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.
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