domingo, 10 de maio de 2015

BOM DIA OUVINTES DA RÁDIO TIMOR-LESTE!


Timor-Leste, como é sabido, foi a primeira nação a despontar no século XXI, libertando-se de um passado colonial e de ocupações que marcaram profundamente o seu povo. O rádio esteve presente nos momentos decisivos dessa história, quer no relato da violência a que o povo era sujeito quer como veículo de comunicação da resistência ao invasor.

Ainda recentemente Mari Alkatiri, líder da Fretilin, ofereceu ao Arquivo e Museu da Resistência Timorense (AMRT) o equipamento de rádio usado pela Rádio Maubere para comunicar com a Austrália nos primeiros anos da invasão de Timor-Leste, entre 1975 e 1978. Na ocasião Mari Alkatiri, actual Presidente da ZEESM Oecussi, lembrou que era o único meio de comunicação entre Timor-Leste e o exterior depois da invasão indonésia, a 7 de dezembro e até dezembro de 1978, a Rádio Maubere esteve, muitas vezes, em movimento pelas montanhas do país.

Com emissões em português, inglês e tétum, a rádio permitiu à Fretilin enviar mensagens codificadas para o exterior que, nos primeiros anos, permitiram perceber a dimensão de algumas das primeiras grandes operações das forças invasoras da Indonésia. O rádio era então o meio de comunicação mais popular e foi por ele que os timorenses ouviram as notícias do 25 de Abril de 1974. No ano seguinte, o país foi invadido pelos indonésios, que, durante 25 anos, controlaram a mídia oficial e perseguiram os meios que serviam o movimento de resistência em particular a rádio clandestina das Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste (FALINTIL).

De 1999 a 2002, período de transição pós-referendum, quando o país esteve sob o comando da Administração Transitória das Nações Unidas para Timor-Leste (UNTAET), e antes de haver definição das línguas oficiais a Rádio UNTAET FM realizava transmissões em quatro idiomas, a saber: inglês, indonésio, português e tétum.

Ao que julgo saber, hoje, o rádio encontra-se presente em vários pontos do território e tem audiência em localidades distantes e de difícil acesso havendo pelo menos 14 emissoras comunitárias, que emitem em FM cobrindo quase todo o país com as transmissões a serem feitas principalmente, em língua tétum e em dialectos locais mas algumas delas já introduziram o português em parte da programação. Há também rádios em inglês, emissoras de ondas médias, uma emissora evangélica, serviços internacionais da RDP portuguesa, da BBC inglesa e a emissora oficial, a Rádio Timor Leste, da Rede de Rádio e Televisão Timor Leste (RTTL). Pode-se, igualmente, captar emissoras estrangeiras em FM da Austrália, Indonésia e de Portugal.

Em Timor-Leste, ainda subsiste a escuta colectiva e é através do rádio que as informações se divulgam mais rapidamente, sendo a classe popular, privada do acesso a outras mídias, que mais utiliza o rádio como meio de informação.

O novo Governo liderado por Rui Maria Araújo por certo que não ignora esse facto dado que no seu programa pode ler-se no item 1.10.4 Encorajamento da diversidade dos meios de comunicação social que o “Governo promoverá a consolidação do papel da Rádio e Televisão de Timor-Leste, enquanto empresa pública, e providenciará a capacitação e os materiais necessários para a profissionalização da organização. O Governo continuará a apostar no reforço da capacidade das Rádios Comunitárias, enquanto instrumento de informação e coesão junto das comunidades locais. De igual modo, o Governo procurará incentivar o investimento do sector privado nos meios de comunicação social, a fim de fomentar um ambiente competitivo e de conseguir um sector de comunicação social diversificado, responsável e dinâmico.

Portanto, a par da aposta que o actual executivo já realiza nas redes sociais também nesta área percebe da importância deste meio na formação de uma sociedade timorense mais informada, culta, inclusiva e participativa além de se poder constituir também como um veículo de difusão de uma maior alfabetização no domínio das línguas oficiais, Tétum e Português.

A este propósito vem-me à memória que em 2001 o Batalhão Português a solicitação de várias personalidades timorenses, com o apoio de alguns jornalistas portugueses presentes no território em particular Antonio Sampaio da Lusa e António Valadas da RDP, aproveitando do facto de para a cobertura das transmissões do sector à sua responsabilidade ter instalado dois repetidores de rádio, um localizado no Remexio e outro já perto de Manufahi, juntou a estes meios um emissor da RDP. Esse emissor recebia o sinal de Díli e depois retransmitia-o para aumentar a cobertura dessa emissão, para toda a região envolvente. O sinal da RDP era recebido através da emissão de satélite e replicado a partir dos repetidores para toda a região de Díli, Aileu, Liquicá e Same.

Em simultâneo foram distribuídos pelos habitantes dos sucos destes distritos 5000 rádios a pilhas graciosamente fornecidos pela Phillips Portugal numa actividade de cooperação civil-militar com o objectivo de conquistar a confiança dos timorenses e difundir a língua portuguesa. Esta actividade teve um efeito que em tudo ultrapassou as expectativas. A procura junto do Batalhão por um rádio a pilhas obrigou a solicitar mais equipamentos à empresa e foi muito curioso passar a ouvir-se por todo o território abrangido os relatos dos jogos do Benfica, Porto ou Sporting com os gritos de golo e a euforia provocada pelo resultado a quebrar a altas horas da madrugada o silêncio da noite timorense dada a diferença horária a que aconteciam os desafios.

Os timorenses acolheram a rádio falada em português como sua e se por algum motivo de natureza operacional o Batalhão se via forçado a desligar temporariamente o emissor as queixas sucediam-se de imediato. Para ilustrar este interesse do povo neste meio, aquando da distribuição dos rádios num suco junto a Maubara, um dos timorenses a quem já tinha sido distribuído o rádio não querendo esperar pelas indicações de funcionamento do aparelho resolveu ligá-lo com o botão de volume no máximo o que junto com a falta de sintonia prévia originou um tal zumbido que o homem largou o rádio e desatou a fugir. Um dia depois voltou ao Batalhão a reclamar do seu rádio porque o sobrinho já lhe tinha mostrado como funcionava e portanto não dispensava o “brinquedo” bem como queria que lá voltasse para dar um rádio a cada um dos membros da sua família.

Acrescente-se a bem da verdade que na ocasião apenas a boa vontade de alguns portugueses entusiasmados com a ideia, o espirito de missão dos militares do Batalhão (PORBATT/UNTAET) associada à genialidade técnica da equipa de transmissões permitiu tornar realidade este cenário.

Mais recentemente, numa das minhas viagens a Timor-Leste, percebi do desagrado de muitos timorenses e também da comunidade portuguesa sobre as frequentes falhas de serviço da RDP a somar às justificadas queixas sobre a inadequada programação da RTPi. Registei inclusivé o voluntariado de alguns portugueses ali residentes em trabalho que se quotizavam para a compra do combustível necessário a manter o funcionamento do gerador que garante a energia do emissor RDP. Embaixada Portuguesa e Governantes portugueses com responsabilidades na política externa parecem ficar alheados a este facto e ignoram as críticas surgidas nas redes sociais lhe são dirigidas, o que prova que há coisas que raramente mudam. Chegam-me entretanto notícias que através de um protocolo com a RTTL o problema se terá solucionado não obstante a programação continue a ser no entender de muitos dos ouvintes totalmente desadequada. A distância mata é certo mas a vontade política quando existe aproxima com facilidade as nações e as comunidades.

Hoje, numa sociedade em que o analfabeto paradoxalmente já não é apenas aquele que não sabe ler nem escrever mas sim o que não tem um endereço de e-mail ou não sabe usar um computador, o rádio além de continuar a ser um meio de comunicação de massa ele pode também em sociedades com menor acesso a recursos tecnológicos, ser usado para fins educativos e culturais, procurando atingir a pessoa onde ela estiver para desenvolver suas potencialidades. Se a sua programação apostar na divulgação e orientação educacional, pedagógica e profissional, a que junta informação crítica e de qualidade com uma programação cultural de interesse das audiências o rádio não elimina o papel do professor mas antes o ajudam a desenvolver sua tarefa principal que é a de educar para uma visão mais crítica da sociedade e portanto para uma cidadania mais activa.

No caso de Timor-Leste, um país com um grande índice de analfabetismo mas hoje já com grande cobertura da rede de comunicações e energia eléctrica, a rádio continua a poder combater o isolamento da população. A televisão, a internet estão mais reservadas às áreas urbanas e a oralidade, a transmissão verbal de conhecimento assume uma importância capital na passagem de informação e conhecimento de geração em geração. A rádio continuará por mais uns tempos a ser um meio de comunicação alternativo e dinâmico, assumindo um papel preponderante, contribuindo para resgatar o cidadão timorense do anonimato permitindo-lhe ser um interveniente activo na discussão dos problemas locais (saúde, educação, agricultura, gestão ambiental e dos recursos naturais, posse da terra, etc), dando-lhe mais liberdade de acção e de pensamento na sua afirmação enquanto actor com propriedade do seu espaço e cultura afirmando-a no seio de uma comunidade que tem no português a sua língua comum.

Porta 351 - Foto Sapo TL

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