Defensor
de consensos e diálogo
Díli,
19 mai (Lusa) - Mário Carrascalão, que hoje morreu aos 80 anos em Díli, não
suscitava avaliações consensuais entre os timorenses, mas trabalhou grande
parte da vida pelos consensos, abrindo até a porta ao diálogo entre a
resistência e os ocupantes indonésios.
Líderes
timorenses recordaram a voz de denúncia sobre a situação no território, mesmo
enquanto Governador nomeado por Jacarta (1982 a 1992), e o papel interventivo
que permitiu a primeira abertura de Timor-Leste, levando muitos timorenses a
estudar em universidades indonésias.
"Salvou
centenas de vidas, forçou a abertura de Timor-Leste ao mundo, conseguiu que
milhares de jovens timorenses tivessem uma oportunidade única de se formarem.
Mas talvez mais importante, conseguiu convencer o comando militar Indonésio em
Timor-Leste a dialogar com Xanana", escreveu sobre si, em outubro de 2015,
o ex-Presidente José Ramos-Horta.
Vítima
de um ataque cardíaco, Carrascalão morreu hoje em Díli, 24 horas depois de ter
recebido das mãos do Presidente timorense, Taur Matan Ruak, a mais alta condecoração
do Estado, o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste.
As
imagens da entrega da condecoração dominam hoje as redes sociais em
Timor-Leste, onde se sucedem os comentários de pêsames de familiares, amigos,
dirigentes timorenses e cidadãos comuns, que ensombram os festejos do 15.º
aniversário da restauração da independência, no sábado.
Carrascalão,
que nasceu em Venilale em 1937, dedicou, como muitos dos 11 irmãos, grande
parte da vida à política timorense. Já depois da independência fundou o Partido
Social Democrata timorense e chegou a ser vice-primeiro-ministro no IV Governo
constitucional, liderado por Xanana Gusmão.
Terceiro
Governador nomeado pela Indonésia para Timor (de 18 de setembro de 1983 a 18 de
setembro de 1992), recordou em entrevista à Lusa, em 2015, os encontros que
manteve com Xanana Gusmão em Lariguto (1983) e Ariana (1990), abrindo a porta
ao primeiro diálogo com a resistência.
"Encontrei-me
com ele enquanto comandante das Falintil [Forças Armadas de Libertação Nacional
de Timor-Leste]. Se se apresentasse como comandante da Fretilin [Frente
Revolucionária de Timor-Leste Independente] eu não me sentaria à mesma mesa.
Senti que ele, nessa altura, também me representava e outros como eu. Quando
conversava com Xanana Gusmão estava a conversar com alguém que era
representante do braço armado do povo timorense, do qual a UDT [União
Democrática Timorense] já fazia parte", explicou.
Carrascalão
entrou tarde na escola e fez três anos num, sendo depois dos primeiros alunos
do Liceu Dr. Francisco Machado, hoje uma das alas da Universidade Nacional
Timor Lorosa'e. Terminou o 5.º ano e. porque em Timor não havia na altura como
continuar o ensino, foi até Lisboa terminar o secundário, no Liceu Camões.
Foi
dispensado do exame de aptidão e entrou diretamente no Instituto Superior de
Agronomia onde se formou em silvicultura, terminando o curso com 19,5 valores e
uma tese que foi o primeiro estudo de sempre feito sobre o pinheiro manso
português.
Regressado
a Timor-Leste, assumiu o cargo de chefe dos serviços de agricultura, funções
que ocupava quando em 1974, juntamente com Domingos Oliveira, César Mouzinho,
António Nascimento, Francisco Lopes da Cruz e Jacinto dos Reis, fundou a UDT.
Depois
do golpe da UDT, do contragolpe da Fretilin e da curta guerra civil,
Carrascalão refugiou-se em Atambua, seguindo depois para Jacarta. Ingressou na
diplomacia indonésia em 1977.
Numa
longa entrevista com a Lusa, em novembro de 2015, Mário Carrascalão lembrou
esse período, e cconsiderou que a pressão sobre Suharto [Presidente da
Indonésia entre 1967 e 1998] para abrir Timor-Leste e a postura neutra que
manteve enquanto governador, permitindo manter o cargo e ajudar
"muitos" timorenses, contribuíram para a independência do país.
"Enquanto
estive aqui como governador não se pode dizer que estive do lado dos
independentes ou dos integracionistas. Tive que me manter sempre neutro porque
se fosse nitidamente pró-independência já sabia de antemão que os indonésios me
sacavam do lugar porque não permitiram que atuasse contra eles", afirmou.
"Pensei
mais no futuro. O mundo não podia continuar a ignorar o que se passava em
Timor. Pedi a Suharto para abrir Timor. Max Stahl nunca teria entrado em Timor
se eu não tivesse pedido ao Suharto para abrir" o território, disse.
Um
jogo de cintura que foi possível porque conseguiu a confiança dos indonésios,
que precisavam do governador para limpar a imagem dos antecessores, ferranhos
apoiantes da integração.
"Criei
uma imagem que favoreceu a Indonésia e o que eu pedia era aceite", disse.
Esta
sua postura e o cargo que ocupava, não lhe mereceram louvores de todos e para
muitos timorenses, como o próprio admitiu, era visto como traidor, colaborador
do regime ocupante.
"A
minha ação aqui em Timor é interpretada de uma forma. Lá fora fui sempre visto como
um traidor, um colaborador de Suharto. Para alguns convinha criar o inimigo
fictício. Mas aqui em Timor era um dos daqui e tudo fazia para poder salvar
este ou aquele e para ajudar", disse Carrascalão sobre esse período.
Mário
Carrascalão afirmou que só mesmo na sua família sabiam o que estava a fazer e
que os timorenses que estavam em Timor na altura reconheceram esse papel, ainda
que nem todos "os lá de fora" pensem assim.
"Inclusive
na minha família havia pessoas que estavam reticentes, que pensaram duas vezes
em utilizar o meu apelido para não ser confundidos com o Mário Carrascalão.
Também houve disso", admitiu.
O
velório de Mário Carrascalão realiza-se durante o dia, em Díli, não sendo ainda
conhecidos pormenores sobre o funeral.
ASP
// EJ
Presidente
do Parlamento timorense lamenta perda inesperada
Díli,
19 mai (Lusa) - O presidente do Parlamento Nacional timorense lamentou hoje a
"triste e inesperada" morte do dirigente histórico Mário Carrascalão,
recordando o seu trabalho em prol da independência de Timor-Leste.
"Infelizmente,
Timor-Leste perdeu um dos seus mais ilustres filhos, mais um filho querido que
tudo fez para que fôssemos independentes", disse Adérito Hugo da Costa
numa mensagem enviada à Lusa.
"Mário
Viegas Carrascalão foi um homem reconhecidamente íntegro e honesto, que desde
cedo se comprometeu com a luta pela independência de Timor-Leste", afirmou
no texto.
Hugo
da Costa recordou que foi no período em que Mário Carrascalão exerceu as
funções de governador "que se verificou uma grande abertura do território
a jornalistas estrangeiros e à possibilidade de estudantes timorenses
frequentarem universidades fora de Timor-Leste".
Isso
permitiu, recorda o presidente do Parlamento, "alargar o raio de ação da
luta e, paralelamente, permitiu melhor qualidade de formação dos estudantes
timorenses".
"Foi
um destacado membro da Assembleia Constituinte e mostrou-se sempre disponível
para colaborar em tudo o que fosse necessário para a consolidação de
Timor-Leste, tendo chegado a desempenhar funções de
vice-primeiro-ministro", disse.
Mário
Viegas Carrascalão morreu hoje em Díli, aos 80 anos, ao que tudo indica vítima
de um ataque cardíaco que sofreu quando conduzia o seu carro pessoal no centro
da capital timorense.
O
dirigente histórico timorense, que foi governador nomeado pela indonésia e
vice-primeiro-ministro no IV Governo constitucional, liderado por Xanana
Gusmão, foi condecorado na quinta-feira com o Grande Colar da Ordem de
Timor-Leste pelo chefe de Estado Taur Matan Ruak, que termina hoje o seu
mandato.
A
morte de Carrascalão está a ensombrar os festejos do 15º aniversário da
restauração da independência de Timor-Leste que se cumpre no sábado, dia em que
toma posse o Presidente eleito Francisco Guterres Lu-Olo.
ASP
// FPA
Capoulas
Santos destaca figura marcante
Díli,
19 mai (Lusa) - O ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural
português considerou que Mário Carrascalão foi uma "figura marcante"
da história recente de Timor-Leste, cujo percurso político é revelador do
espírito de reconciliação da sociedade timorense.
"Ele
é uma figura marcante da história recente de timor não só pelo percurso
político, controverso com certeza, mas que por ironia do destino acabou
condecorado pelo atual PR praticamente um dia antes da sua morte", disse
Capoulas Santos à Lusa em Díli.
"É
um sinal revelador do espirito de reconciliação da sociedade timorense",
disse, recordando que Mário Carrascalão, que morreu hoje aos 80 anos, foi
"governador indonésio e depois membro do Governo de Timor
independente".
"Foi
também um técnico ligado á área que tutelo em Portugal e por cuja memória tenho
pessoalmente respeito. Em nome do Governo português quero transmitir um
sentimento de pesar à sua família", disse.
Capoulas
Santos falou à Lusa em Díli onde se encontra em representação de Portugal para
a tomada de posse do Presidente eleito, Francisco Guterres Lu-Olo, que ocorre
às 00:00 de sábado, hora local.
Mário
Viegas Carrascalão morreu hoje em Díli, aos 80 anos, ao que tudo indica vítima
de um ataque cardíaco que sofreu quando conduzia o seu carro pessoal no centro
da capital timorense.
O
ex-vice-primeiro-ministro estudou no Instituto Superior de Agronomia em
Portugal, onde se formou em silvicultura, terminando o curso com 19,5 valores e
uma tese que foi o primeiro estudo de sempre feito sobre o pinheiro manso
português.
Regressado
a Timor-Leste, assumiu o cargo de chefe dos serviços de agricultura, funções
que ocupava quando, em 1974, juntamente com Domingos Oliveira, César Mouzinho,
António Nascimento, Francisco Lopes da Cruz e Jacinto dos Reis, fundou a União
Democrática timorense (UDT), o primeiro partido timorense.
ASP
// VM
Padre
Vítor Melícias destaca "generosidade e transversalidade"
Lisboa,
19 mai (Lusa) -- O padre Vítor Melícias lamentou hoje a morte do
ex-vice-primeiro-ministro Mário Carrascalão, que morreu hoje aos 80 anos em
Timor-Leste, destacando a sua "generosidade, transversalidade e a sua
importância na história" do país.
"É
com profunda emoção que acabo de saber da morte desse grande homem de Timor, de
Portugal e do mundo. Mário Carrascalão (...) serviu o seu povo com grande amor
e sentido de responsabilidade nas circunstâncias mais difíceis, que serviu sob
o domínio indonésio, em que inclusivamente assumiu funções oficiosas num
momento de luta pela independência", disse à Lusa o padre Vítor Melícias,
que foi comissário nacional para o Apoio à Transição em Timor-Leste em 1999.
Mário
Viegas Carrascalão morreu hoje em Díli, aos 80 anos, ao que tudo indica vítima
de um ataque cardíaco que sofreu quando conduzia o seu carro pessoal no centro
da capital timorense.
Em
declarações hoje à Lusa, o padre Vítor Melícias, que privou e trabalhou com
Mário Carrascalão enquanto comissário nacional, salientou também que o
ex-vice-primeiro-ministro timorense "serviu o seu país com grande sentido
de responsabilidade, já depois da independência".
"É
um homem quase transversal na luta da história exemplar e extraordinária deste
povo pela independência e um nome que até me emociona evocar", disse.
DD
// SB
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