Díli,
15 nov (Lusa) - A lei australiana não permite extraditar os portugueses Tiago e
Fong Fong Guerra para Timor-Leste, de onde fugiram, mas a relação bilateral
entre os dois países torna o caso "mais complicado" e potencialmente
"mais demorado" de resolver, segundo especialistas.
"A
Austrália só pode extraditar pessoas para países de extradição, ou seja aqueles
países identificados na Lei de Extradição, com quem exista um acordo de
extradição", disse à Lusa Kevin Boreham, professor de direito internacional
na Australian National University (ANU) em Camberra.
"Não
há acordo de extradição com Timor-Leste e penso que não há sequer acordo de
cooperação em assuntos criminais", acrescentou.
A
Austrália tem acordos de extradição com cerca de 140 países, incluindo
Portugal, mas não com Timor-Leste, sendo que a lei em vigor permite que
Camberra possa lidar com "pedidos de assistência mútua" de qualquer
país com quem não tenha esse acordo, cabendo a decisão final ao
procurador-geral australiano.
O
gabinete do procurador-geral disse que "a Austrália pode receber pedidos
de um terceiro país em que a pessoa alvo do pedido extradição não seja cidadão
desse país".
"No
caso de não haver um acordo bilateral direto, um país pode solicitar a
extradição de pessoas com base em tratados multilaterais em que regulamentos
domésticos estejam em vigor", refere a nota enviada à Lusa.
Com
ligações a Macau, o casal Tiago e Fong Fong Guerra foi condenado no Tribunal de
Díli a penas de oito anos de prisão por peculato, um caso que foi alvo de
recurso para o Tribunal de Recurso.
Tiago
e Fong Fong Guerra fugiram de Timor-Leste viajando de barco para Darwin onde
entraram ilegalmente na quinta-feira passada.
José
Ximenes, procurador-geral timorense, confirmou à Lusa que está a ser preparado
um mandado, mas escusou-se a confirmar se já tinha sido ou não emitido e se era
um mandado nacional ou internacional.
O
casal, que recorreu da sentença, estava, entre outras medidas, impedido de sair
do país.
Kevin
Boreham explica que na prática e mesmo num cenário em que Timor-Leste emita um
mandado de captura ou solicite o apoio australiano na detenção do casal,
continuam a aplicar-se os mesmos critérios da Lei de Extradição.
Boreham
diz que o direito internacional não torna obrigatória a existência de um acordo
de extradição, mas que uma decisão desse tipo na Austrália "seria muito
pouco usual".
Ainda
assim, o professor admite que a natureza "especial" da relação entre
a Austrália e Timor-Leste pode "complicar ou pelo menos demorar" o
assunto que deixa de ser assim "apenas um simples caso de
deportação", neste caso dos portugueses para Portugal.
"A
relação bilateral complica o assunto. Talvez a Austrália tenha um desejo de
esperar para ver o que as autoridades timorenses querem fazer. Isso pode
implicar que o caso demora mais tempo", frisou.
Essa
relação ficou patente num documento da Procuradoria-Geral da República
timorense, a que a Lusa teve acesso, e que dá conta das circunstâncias em que
as autoridades timorenses tomaram conhecimento da fuga do casal.
Central
a toda a legislação australiana na matéria está a Lei de Extradição de 1988 que
define os requisitos que têm que ser cumpridos "antes de a Austrália poder
fazer ou aceitar um pedido de extradição" a que se somam eventuais
critérios adicionais que possam estar definidos em tratados bilaterais ou
multilaterais.
Segundo
a informação divulgada pelo gabinete do PGR australiano, a cooperação que a
Austrália mantém com outros países em termos de extradição visa "combater
crime e evitar que a Austrália se torne um local de refúgio para pessoas
acusadas ou condenadas por crimes sérios noutros países".
"Em
casos urgentes, por exemplo, quando se pense que o fugitivo possa escapar da
jurisdição, um país pode pedir a detenção provisória do fugitivo através dos
canais da Interpol ou diretamente entre as autoridades centrais dos países
relevantes", refere a PGR.
Apenas
os definidos como "países de extradição" - com quem a Austrália tenha
acordos deste tipo - podem "segundo a legislação australiana fazer um
pedido de extradição a Camberra, em casos de pessoas "extraditáveis",
ou condenadas num país estrangeiro ou sob quem penda um mandado de captura.
Em
primeira instância cabe ao PGR avaliar os eventuais pedidos sendo que, se a
decisão for favorável é emitida uma notificação a um magistrado "dando
conta que o pedido foi recebido e emitido".
A
decisão sobre o pedido de extradição tomada pelo procurador-geral ou pelo
ministro da Justiça, em alguns casos, "pode ser alvo de uma avaliação
judicial", refere a legislação, que detalha depois o procedimento a seguir
em situações em que a pessoa em questão aceite voluntariamente a extradição ou
tenha que ser 'obrigada' a cumpri-la.
Qualquer
decisão pode ser passível de recurso, primeiro para o Tribunal Federal da
Austrália, depois para o Tribunal Pleno do Tribunal Federal e finalmente para o
Tribunal Superior.
ASP
// FV.
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