quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Lei australiana não permite extradição de casal português para Timor-Leste -- especialistas

Díli, 15 nov (Lusa) - A lei australiana não permite extraditar os portugueses Tiago e Fong Fong Guerra para Timor-Leste, de onde fugiram, mas a relação bilateral entre os dois países torna o caso "mais complicado" e potencialmente "mais demorado" de resolver, segundo especialistas.

"A Austrália só pode extraditar pessoas para países de extradição, ou seja aqueles países identificados na Lei de Extradição, com quem exista um acordo de extradição", disse à Lusa Kevin Boreham, professor de direito internacional na Australian National University (ANU) em Camberra.

"Não há acordo de extradição com Timor-Leste e penso que não há sequer acordo de cooperação em assuntos criminais", acrescentou.

A Austrália tem acordos de extradição com cerca de 140 países, incluindo Portugal, mas não com Timor-Leste, sendo que a lei em vigor permite que Camberra possa lidar com "pedidos de assistência mútua" de qualquer país com quem não tenha esse acordo, cabendo a decisão final ao procurador-geral australiano.

O gabinete do procurador-geral disse que "a Austrália pode receber pedidos de um terceiro país em que a pessoa alvo do pedido extradição não seja cidadão desse país".


"No caso de não haver um acordo bilateral direto, um país pode solicitar a extradição de pessoas com base em tratados multilaterais em que regulamentos domésticos estejam em vigor", refere a nota enviada à Lusa.

Com ligações a Macau, o casal Tiago e Fong Fong Guerra foi condenado no Tribunal de Díli a penas de oito anos de prisão por peculato, um caso que foi alvo de recurso para o Tribunal de Recurso.

Tiago e Fong Fong Guerra fugiram de Timor-Leste viajando de barco para Darwin onde entraram ilegalmente na quinta-feira passada.

José Ximenes, procurador-geral timorense, confirmou à Lusa que está a ser preparado um mandado, mas escusou-se a confirmar se já tinha sido ou não emitido e se era um mandado nacional ou internacional.

O casal, que recorreu da sentença, estava, entre outras medidas, impedido de sair do país.

Kevin Boreham explica que na prática e mesmo num cenário em que Timor-Leste emita um mandado de captura ou solicite o apoio australiano na detenção do casal, continuam a aplicar-se os mesmos critérios da Lei de Extradição.

Boreham diz que o direito internacional não torna obrigatória a existência de um acordo de extradição, mas que uma decisão desse tipo na Austrália "seria muito pouco usual".

Ainda assim, o professor admite que a natureza "especial" da relação entre a Austrália e Timor-Leste pode "complicar ou pelo menos demorar" o assunto que deixa de ser assim "apenas um simples caso de deportação", neste caso dos portugueses para Portugal.

"A relação bilateral complica o assunto. Talvez a Austrália tenha um desejo de esperar para ver o que as autoridades timorenses querem fazer. Isso pode implicar que o caso demora mais tempo", frisou.

Essa relação ficou patente num documento da Procuradoria-Geral da República timorense, a que a Lusa teve acesso, e que dá conta das circunstâncias em que as autoridades timorenses tomaram conhecimento da fuga do casal.

Central a toda a legislação australiana na matéria está a Lei de Extradição de 1988 que define os requisitos que têm que ser cumpridos "antes de a Austrália poder fazer ou aceitar um pedido de extradição" a que se somam eventuais critérios adicionais que possam estar definidos em tratados bilaterais ou multilaterais.

Segundo a informação divulgada pelo gabinete do PGR australiano, a cooperação que a Austrália mantém com outros países em termos de extradição visa "combater crime e evitar que a Austrália se torne um local de refúgio para pessoas acusadas ou condenadas por crimes sérios noutros países".

"Em casos urgentes, por exemplo, quando se pense que o fugitivo possa escapar da jurisdição, um país pode pedir a detenção provisória do fugitivo através dos canais da Interpol ou diretamente entre as autoridades centrais dos países relevantes", refere a PGR.

Apenas os definidos como "países de extradição" - com quem a Austrália tenha acordos deste tipo - podem "segundo a legislação australiana fazer um pedido de extradição a Camberra, em casos de pessoas "extraditáveis", ou condenadas num país estrangeiro ou sob quem penda um mandado de captura.

Em primeira instância cabe ao PGR avaliar os eventuais pedidos sendo que, se a decisão for favorável é emitida uma notificação a um magistrado "dando conta que o pedido foi recebido e emitido".

A decisão sobre o pedido de extradição tomada pelo procurador-geral ou pelo ministro da Justiça, em alguns casos, "pode ser alvo de uma avaliação judicial", refere a legislação, que detalha depois o procedimento a seguir em situações em que a pessoa em questão aceite voluntariamente a extradição ou tenha que ser 'obrigada' a cumpri-la.

Qualquer decisão pode ser passível de recurso, primeiro para o Tribunal Federal da Austrália, depois para o Tribunal Pleno do Tribunal Federal e finalmente para o Tribunal Superior.

ASP // FV.

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