Díli, 01 set 2020 (Lusa) - O
ex-presidente da petrolífera timorense Timor Gap acusou hoje o novo ministro do
setor de mostrar "ignorância" sobre o tema pelas críticas que fez, em
entrevista à Lusa, relativamente à gestão da estratégia petrolífera do país até
aqui.
"Os comentários e críticas
do ministro do Petróleo sobre a anterior gestão do setor petrolífero apenas
expõem a sua total ignorância sobre as questões do setor petrolífero e sobre
como é crucial assegurar o gasoduto para o desenvolvimento económico e social
do país", disse à Lusa Francisco Monteiro, ex-presidente da Timor Gap.
"Esse facto mostra a
importância de ter a pessoa certa no lugar certo", sublinhou.
Monteiro reagia a uma entrevista
do novo ministro do Petróleo e Minerais, Victor Soares, divulgada no domingo,
em que este considera que até aqui Timor-Leste meteu "a carroça à frente
dos bois" na estratégia para o setor petrolífero, com a política à frente
das questões técnicas e de viabilidade económica, algo que tem agora de ser revertido.
"Temos primeiro de ouvir dos
técnicos, ver o resultado da análise de viabilidade económica. Vamos aguardar
por esse parecer. O Estado timorense comprometeu-se com o povo com a ideia de
que o gasoduto tem de vir para Timor-Leste. Se não for no Tasi Mane [costa sul]
pode ser no Tasi Feto [costa norte]", afirmou Victor Soares à Lusa.
"Mas, se não for viável não
vamos perder dinheiro. Esse é o princípio do negócio. Isso é que vamos
defender. O que ocorreu até aqui, foi colocar a carroça à frente dos bois: os
políticos decidiram e os técnicos foram atrás dos políticos. Temos de reverter
isso", acrescentou.
Francisco Monteiro foi afastado
do cargo cerca de 15 dias depois de Victor Soares tomar posse, no que o
governante explicou na altura representar a tentativa de alinhar a petrolífera
com a "nova estratégia do Governo".
A decisão levou o ex-Presidente
Xanana Gusmão a resignar-se como representante do Governo para as fronteiras
marítimas com a Austrália e para o desenvolvimento do projeto dos poços de
Greater Sunrise, no mar de Timor.
O projeto é atualmente o de maior
importância da Timor Gap, já que a petrolífera comprou, em nome de Timor-Leste,
uma participação maioritária, a um custo de 650 milhões de dólares (542,2
milhões de euros ao câmbio atual), no consórcio do projeto.
Victor Soares alterou depois a
liderança da Autoridade Nacional de Petróleo e Minerais e do Instituto de
Petróleo e Geologia, marcando o fim dos mandatos dos principais envolvidos nas
negociações do regime que atualmente vigora no mar de Timor.
Victor Soares é um dos elementos
no Governo da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), o
maior partido do país, que se juntou ao atual executivo para o viabilizar no
que resta de mandato, que termina em 2023.
O partido votou contra o tratado
de fronteiras marítimas e o projeto do Greater Sunrise e contestou a compra da
participação maioritária pela Timor Gap.
À Lusa, Francisco Monteiro
questionou as capacidades académicas de Victor Soares para liderar o setor,
explicando que "não pode de um dia para o outro compreender as discussões
e compromissos muito técnicos e comerciais que têm acontecido ao longo dos
últimos 12 anos pela equipa com empresas altamente profissionais e sofisticadas
de petróleo e gás".
"Mesmo um profissional mais
capaz no setor, não faria quaisquer comentários sobre o assunto até que tivesse
tido a oportunidade de rever plenamente todos os estudos, desenhos técnicos e
estudos comerciais e cálculos neles realizados", afirmou Monteiro.
Acusando o governante de
"falta de visão estratégica para o setor", Monteiro insistiu que o
setor faz parte integrante da "estratégia nacional e das direções
políticas", tendo sido "vital no desenvolvimento social e
económico" do país.
"O petróleo e o gás não
podem nem devem ser afastados da política ou das políticas e direções do
Estado. Uma parte do desenvolvimento do setor deve ser impulsionada por
orientações políticas do Estado ou do Governo", explicou.
Monteiro referiu que os
anteriores governos fizeram estudos detalhados que comprovaram a viabilidade
tanto técnica como económica do projeto, levando à decisão política de que
"o gasoduto do Greater Sunrise deve vir para Timor-Leste".
"Não se meteu a carroça à
frente dos bois. Foi um processo normal e natural de definição da importância e
natureza estratégica do Greater Sunrise, e de usar todos os estudos técnicos e
comerciais necessários para apoiar essa política", frisou.
Referindo-se à decisão do
ministro de pedir mais estudos, Monteiro advogou que há estudos que comprovam a
viabilidade, contidos no Plano de Negócios do Greater Sunrise que ele próprio
entregou ao governante.
"Talvez não tenha lido o
documento ou, a pior parte, é que, se o leu, talvez não o tenha
entendido", acusou, afirmando que "qualquer partido ou pessoa que vá
contra o plano deve ser considerado o burro a puxar a carroça".
No que toca ao modelo económico,
explicou que as previsões de receitas de Timor-Leste oscilam entre os "28
e os 54 mil milhões de dólares, dependendo do preço do petróleo", com uma
receita estimada de 32 mil milhões a um preço de 70 dólares por barril.
"A Taxa Interna de Retorno
está entre 12 e 15 % para 'upstream' e cerca de 10% para 'downstream',
dependendo da tarifa acordada. Valores razoáveis dentro de projetos comercial e
economicamente viáveis para investimentos", disse.
"Se o senhor ministro não
quer acreditar neste relatório, mas sim acreditar mais nas informações da
[petrolífera australiana] Woodside, a decisão é sua. No entanto, tem de mostrar
o número e não apenas falar no ar", concluiu Monteiro.
ASP // LFS
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