quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Ex-presidente da petrolífera timorense contesta críticas do novo ministro


Díli, 01 set 2020 (Lusa) - O ex-presidente da petrolífera timorense Timor Gap acusou hoje o novo ministro do setor de mostrar "ignorância" sobre o tema pelas críticas que fez, em entrevista à Lusa, relativamente à gestão da estratégia petrolífera do país até aqui.

"Os comentários e críticas do ministro do Petróleo sobre a anterior gestão do setor petrolífero apenas expõem a sua total ignorância sobre as questões do setor petrolífero e sobre como é crucial assegurar o gasoduto para o desenvolvimento económico e social do país", disse à Lusa Francisco Monteiro, ex-presidente da Timor Gap.

"Esse facto mostra a importância de ter a pessoa certa no lugar certo", sublinhou.

Monteiro reagia a uma entrevista do novo ministro do Petróleo e Minerais, Victor Soares, divulgada no domingo, em que este considera que até aqui Timor-Leste meteu "a carroça à frente dos bois" na estratégia para o setor petrolífero, com a política à frente das questões técnicas e de viabilidade económica, algo que tem agora de ser revertido.

"Temos primeiro de ouvir dos técnicos, ver o resultado da análise de viabilidade económica. Vamos aguardar por esse parecer. O Estado timorense comprometeu-se com o povo com a ideia de que o gasoduto tem de vir para Timor-Leste. Se não for no Tasi Mane [costa sul] pode ser no Tasi Feto [costa norte]", afirmou Victor Soares à Lusa.

"Mas, se não for viável não vamos perder dinheiro. Esse é o princípio do negócio. Isso é que vamos defender. O que ocorreu até aqui, foi colocar a carroça à frente dos bois: os políticos decidiram e os técnicos foram atrás dos políticos. Temos de reverter isso", acrescentou.


Francisco Monteiro foi afastado do cargo cerca de 15 dias depois de Victor Soares tomar posse, no que o governante explicou na altura representar a tentativa de alinhar a petrolífera com a "nova estratégia do Governo".

A decisão levou o ex-Presidente Xanana Gusmão a resignar-se como representante do Governo para as fronteiras marítimas com a Austrália e para o desenvolvimento do projeto dos poços de Greater Sunrise, no mar de Timor.

O projeto é atualmente o de maior importância da Timor Gap, já que a petrolífera comprou, em nome de Timor-Leste, uma participação maioritária, a um custo de 650 milhões de dólares (542,2 milhões de euros ao câmbio atual), no consórcio do projeto.

Victor Soares alterou depois a liderança da Autoridade Nacional de Petróleo e Minerais e do Instituto de Petróleo e Geologia, marcando o fim dos mandatos dos principais envolvidos nas negociações do regime que atualmente vigora no mar de Timor.

Victor Soares é um dos elementos no Governo da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), o maior partido do país, que se juntou ao atual executivo para o viabilizar no que resta de mandato, que termina em 2023.

O partido votou contra o tratado de fronteiras marítimas e o projeto do Greater Sunrise e contestou a compra da participação maioritária pela Timor Gap.

À Lusa, Francisco Monteiro questionou as capacidades académicas de Victor Soares para liderar o setor, explicando que "não pode de um dia para o outro compreender as discussões e compromissos muito técnicos e comerciais que têm acontecido ao longo dos últimos 12 anos pela equipa com empresas altamente profissionais e sofisticadas de petróleo e gás".

"Mesmo um profissional mais capaz no setor, não faria quaisquer comentários sobre o assunto até que tivesse tido a oportunidade de rever plenamente todos os estudos, desenhos técnicos e estudos comerciais e cálculos neles realizados", afirmou Monteiro.

Acusando o governante de "falta de visão estratégica para o setor", Monteiro insistiu que o setor faz parte integrante da "estratégia nacional e das direções políticas", tendo sido "vital no desenvolvimento social e económico" do país.

"O petróleo e o gás não podem nem devem ser afastados da política ou das políticas e direções do Estado. Uma parte do desenvolvimento do setor deve ser impulsionada por orientações políticas do Estado ou do Governo", explicou.

Monteiro referiu que os anteriores governos fizeram estudos detalhados que comprovaram a viabilidade tanto técnica como económica do projeto, levando à decisão política de que "o gasoduto do Greater Sunrise deve vir para Timor-Leste".

"Não se meteu a carroça à frente dos bois. Foi um processo normal e natural de definição da importância e natureza estratégica do Greater Sunrise, e de usar todos os estudos técnicos e comerciais necessários para apoiar essa  política", frisou.

Referindo-se à decisão do ministro de pedir mais estudos, Monteiro advogou que há estudos que comprovam a viabilidade, contidos no Plano de Negócios do Greater Sunrise que ele próprio entregou ao governante.

"Talvez não tenha lido o documento ou, a pior parte, é que, se o leu, talvez não o tenha entendido", acusou, afirmando que "qualquer partido ou pessoa que vá contra o plano deve ser considerado o burro a puxar a carroça".

No que toca ao modelo económico, explicou que as previsões de receitas de Timor-Leste oscilam entre os "28 e os 54 mil milhões de dólares, dependendo do preço do petróleo", com uma receita estimada de 32 mil milhões a um preço de 70 dólares por barril.

"A Taxa Interna de Retorno está entre 12 e 15 % para 'upstream' e cerca de 10% para 'downstream', dependendo da tarifa acordada. Valores razoáveis dentro de projetos comercial e economicamente viáveis para investimentos", disse.

"Se o senhor ministro não quer acreditar neste relatório, mas sim acreditar mais nas informações da [petrolífera australiana] Woodside, a decisão é sua. No entanto, tem de mostrar o número e não apenas falar no ar", concluiu Monteiro.

ASP // LFS

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