domingo, 1 de dezembro de 2024

Défice de medicamentos em Timor ultrapassa limite recomendado pela OMS

Com um défice de 24% no stock de medicamentos, o INFPM ultrapassa os padrões recomendados pela OMS. Apesar de 13 milhões de dólares para aquisições em 2024, problemas de planeamento, orçamento e logística continuam a afetar o sistema de saúde. Casos como o de Ivan mostram o impacto direto na vida dos cidadãos.

Antónia Martins | Diligente

Durante uma visita da Comissão Anticorrupção (CAC) ao Instituto Nacional de Fármacos e Produtos Médicos (INFPM) realizada ontem, 26 de novembro, foram discutidos os problemas recentes na saúde, com destaque para a falta de medicamentos.

Segundo o diretor-executivo do INFPM, Brígido de Deus, a instituição apresenta um défice de 24% no stock de medicamentos em relação aos cerca de 400 itens essenciais, ultrapassando a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabelece um limite de 20%.

O comissário da CAC, Rui Pereira dos Santos, sugeriu que o INFPM e os centros de saúde implementem sistemas de vigilância, como câmaras CCTV e códigos de barras para  monitorizar a entrada e saída de medicamentos. Em resposta, Brígido de Deus afirmou que já está em contacto com empresas para implementar os códigos de barras, o que facilitará o registo e a gestão do stock.

“No INFPM, é frequente os medicamentos chegarem num dia e serem enviados no dia seguinte para os centros de saúde. Por isso, sugere que os medicamentos adquiridos tenham um prazo de validade superior a 18 meses para evitar perdas durante o processo logístico.

O impacto na vida dos cidadãos

A falta de medicamentos tem sido um problema recorrente na saúde em Timor-Leste. Em junho de 2024, o défice foi também de 24%. Foi nesse período que Ivan (nome fictício) enfrentou complicações graves após uma cirurgia devido à falta de medicamentos.

Ivan, que sofreu um acidente e partiu o braço, realizou uma cirurgia onde foi colocada uma placa metálica. Recebeu então uma receita de Clindamicina HCL, que deveria tomar para prevenir infeções. Contudo, o medicamento não estava disponível na farmácia do HNGV e foi-lhe solicitado que o adquirisse fora.

Por dificuldades financeiras, Ivan optou por não comprar o medicamento, acreditando que poderia recuperar sem ele. “Naquele dia, deram-me alta por já está melhor, então pensei que talvez conseguisse recuperar sem tomar este medicamento”, contou. Ivan não quis recorrer à ajuda financeira da família, por sentir que esta já tinha gastado demasiado dinheiro com o seu tratamento.

Depois de uma semana, Ivan começou a sentir dores no braço partido. Surgiu então uma ferida, e a carne na zona da cirurgia começou a apodrecer. Procurou novamente o médico para encontrar uma solução. “O médico que me tratou desde o início, ao ver aquilo, abanou a cabeça. Naquele momento, perdi a esperança e chorei, porque, quando disseram que o braço já estava bem, fiquei otimista e pensei que iria recuperar. Mas, afinal, piorou”, relatou Ivan.

Foi necessária uma outra operação, na qual o ferro foi retirado e colocado fora do corpo. O irmão de Ivan, informado da situação, foi buscá-lo ao hospital e insistiu em comprar o medicamento necessário para evitar complicações mais graves. Contudo, após percorrerem a cidade, não conseguiram encontrar o remédio na dosagem prescrita, cápsulas de 600 miligramas, mas apenas na versão de 300 mg por cápsula, ao custo de 37 dólares americanos.

“Quando fui à farmácia, vi um senhor idoso que também procurava medicamentos. Recebeu uma resposta dos farmacêuticos que me deixou triste: ‘Avô, não venha aqui frequentemente, porque não há medicamentos. Para que vem sempre?’. Fiquei chocado. Disseram-me que ele ia todas as semanas verificar se já havia medicamentos. Não consegui falar com ele, porque acabara de ter alta e não me sentia bem”, partilhou Ivan.

O caso de Ivan reflete as dificuldades enfrentadas pelos cidadãos que dependem do sistema público de saúde em Timor-Leste, onde a falta de medicamentos é um problema recorrente. Apesar dos esforços do INFPM para melhorar a gestão e garantir o fornecimento, o impacto do défice no stock continua a afetar gravemente a vida dos utentes, demonstrando a urgência de soluções eficazes e sustentáveis para responder às necessidades do país.

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