Andreia
Nogueira, da agência Lusa
Malaca,
26 dez (Lusa) - O crioulo português de Malaca, na Malásia, luta por sobreviver
e os seus falantes tentam preservar, através de aulas e contactos culturais, um
idioma que só é falado em pleno por cerca de cem pessoas.
O
chefe da comunidade, Raymond Lopez, reconhece que a língua é falada
"talvez por cerca de dez por cento" das pessoas, sobretudo
pescadores, numa comunidade com perto de mil elementos.
Apesar
de os lusodescendentes em Malaca tentarem manter as suas tradições e de até
considerarem o idioma "interessante", o líder do grupo reconhece que
o crioulo está em perigo de extinção.
Na
visão de Raymond Lopez, se as crianças não forem "educadas usando este
tipo de língua", quando têm sete ou oito anos ficam facilmente aborrecidas
ao tentarem aprendê-la.
A
língua da comunidade, que mistura português antigo com palavras malaias, era
conhecida como 'papiá kristang' (falar cristão, no idioma da comunidade), mas
agora os seus defensores querem distanciar-se da palavra "kristang"
por ser limitadora.
Sara
Frederica Santa Maria, coordenadora adjunta do centro de estudos Livio, situado
no Portuguese Settlement (povoado português, em inglês), acredita que a língua
começou a cair em desuso no "princípio dos anos 1990".
O
pai de Sara tinha tudo preparado para começar a ensinar o idioma em janeiro de
2009, mas morreu um mês depois e, por isso, em 2012, ela pegou no material que
herdou do progenitor e passou a transmiti-lo "todos os sábados" à
tarde na sua casa.
Sara
deseja "prosseguir" o trabalho do pai e ensinar até que a voz lhe
doa, porque, "caso contrário, a língua morrerá", diz, lembrando que o
crioulo em causa não é lecionado nas escolas.
Numa
zona onde o inglês é a língua predominante, resultados dos tempos da
colonização britânica que durou até aos anos 1940, e num país onde o idioma
oficial é o malaio, os casamentos dos descendentes de portugueses com pessoas
de outras culturas também não ajudam a manter um crioulo que não é encarado
como importante.
Além
de ensinar cerca de 20 crianças e algumas mães que se juntam às classes, Sara
tem apostado num ensino criativo, por exemplo, convidando habitantes para
fazerem chá e introduzindo palavras do crioulo português na receita.
Rosa
Vieira, bolseira do Instituto Camões, terminou agora um trabalho de onze meses,
em parceria com a organização Korsang di Melaka (Coração de Malaca, no crioulo
português de Malaca).
O
projeto, iniciado em 2009 por outros boleiros, passou por "colaborar com a
comunidade na preservação da sua identidade, da sua cultura e também da
religião" católica, conta.
Além
de acompanhar a comunidade nas suas festividades, como a festa de São Pedro,
Rosa tentou ensinar às crianças a cultura e a língua da comunidade através de
visitas de estudo, atividades e brincadeiras.
"Não
foi somente [transmitir] o português de Portugal (?) É verdade que temos o
nosso programa, mas ao mesmo tempo também temos de nos adaptar", sublinha,
em entrevista à agência Lusa antes de partir de regresso para a Madeira.
Segundo
Rosa Vieira, "aquilo que dizem é que se chegarmos com o português moderno
e o implementarmos, o ?papiá' morrerá".
"Nota-se
que esta nova geração já está mais internacional (?) Acho que daqui a uns anos
pode perder-se esta pérola", lamenta, vincando que os lusodescendentes têm
muito orgulho na sua portugalidade específica e não admitem alterar a sua forma
de falar, cantar ou dançar.
Rosa
tentou também trabalhar com um grupo de adultos falando de cultura e música,
mas os alunos mostraram-se "pouco persistentes", talvez por as aulas
serem ao final do dia.
O
presidente da delegação malaia da Korsang di Melaka, Richard Hendricks, defende
que Portugal deve parar de enviar professores de português moderno, mas apostar
antes em especialistas em português do século XVI ou, em alternativa, acolher
um elemento da comunidade de Malaca e ensinar-lhe essa língua em Portugal.
"Eles
querem ajudar e têm um bom coração, mas têm de ter alguma visão", até
porque "se nós perdermos a nossa singularidade, nós perderemos a nossa
identidade, a nossa cultura e imensas coisas", alerta.
Richard
Hendricks, que vai assumir o cargo de líder da comunidade em janeiro, acredita
que "a língua apenas morrerá se não houver Portuguese Settlement".
Na
sua perspetiva, o ideal é " ensinar as crianças antes de elas irem para a
escola" e continuar a praticar o idioma com elas nos anos subsequentes.
Neste
sentido, o representante da Korsang di Melaka está à espera de um patrocinador
para aumentar o número de computadores e instalar um programa informático para
crianças que ensine palavras de forma divertida.
Richard
Hendricks tenciona também envolver os adultos em projetos de culinária,
sketches, entre outros, para ir passando palavras da língua da comunidade.
Os
portugueses administraram Malaca durante 130 anos, até 1641, quando foram
expulsos pelos holandeses, mas, desde então, os lusodescendentes têm conseguido
manter as suas tradições culturais e linguísticas e a religião católica.
ANYN
// PJA
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