Macau,
China, 12 mar (Lusa) -- Especialistas em Camilo Pessanha debateram hoje, em
Macau, as "muitas faces" do poeta, concluindo que os versos que hoje
lemos não são os mesmos que Pessanha escreveu devido às sucessivas edições e
emendas.
"'Clepsidra'
é um livro que não existe, é uma tentativa de vários editores de fazer o que o
autor não conseguiu", disse Paulo Franchetti, autor de vasto trabalho
académico sobre Pessanha, poeta que passou parte da sua vida em Macau, onde
morreu há 90 anos.
Os
versos do simbolista captaram a sua atenção nos anos 1970, apesar de "não
perceber nada do que lia", disse o académico brasileiro que participava no
debate "As Muitas Faces de Camilo Pessanha", integrado no Festival
Literário Rota das Letras, em Macau.
"Aqueles
versos me encantavam, mas não conseguia dar sentido total àquilo", contou.
Anos
passados, "aquele poeta estranho da juventude" continuava a
"obcecá-lo", levando-o a enveredar por um doutoramento sobre
Pessanha.
Ao
início da sua investigação evidenciou-se que "no processo editorial de
João de Castro Osório havia mudanças dos poemas, uma organização da poesia que
desse uma visão quase católica do poeta".
"Clepsidra"
foi editado por Ana de Castro Osório em 1920, sendo mais tarde lançada uma
versão ampliada pelo seu filho, João.
Vários
elementos levam o especialista a acreditar que a edição modificou a intenção
original: "Quando Camilo Pessanha foi a Lisboa foi a casa de Ana de Castro
Osório e fez uma lista dos poemas [para a 'Clepsidra']. A ordem que ele tinha
projetado para este livro não tem nada a ver com o livro final."
O
resultado do trabalho académico de Franchetti foi uma edição crítica publicada
em 1996. "Não pretendi fazer nada a não ser registar todos os estágios de
composição em cada poema. Anotei o que chamamos os 'gestos de escrita' de
Camilo Pessanha, que ao longo da vida trabalhou com 50 poemas. Havia registo de
amadurecimento desse processo", como rasuras e substituições.
"Reuni
todos os documentos de Camilo Pessanha, anotei todos e mostrei como os poemas
foram construídos ao longo do tempo", explicou.
Para
este trabalho de reconstrução contínua da obra de Pessanha contribuiu também o
jornalista de Macau Carlos Morais José, que encontrou na antiga Revista
Centauro mais provas de que os poemas do simbolista foram alterados em fases de
edição, com pontuação e mesmo títulos acrescentados.
"Noventa
anos passaram da sua morte. Para o ano faz 150 anos do nascimento e ainda não
há uma versão definitiva da sua obra", comentou.
A
edição a Camilo Pessanha, ao longo dos anos, não foi apenas poética, mas também
de personalidade, sublinhou Franchetti.
"Camilo
Pessanha era um homem orgulhoso, intolerante, não seguia exatamente os
preceitos sociais e criou aqui muitos inimigos. Criou-se uma imagem de um
opiómano, andrajoso (...) Mostrei com uma biografia que essa imagem era
totalmente fantasiosa, uma imagem maldosa e vingativa que fizeram dele
principalmente em Macau mas também em Portugal", disse.
O
macaense Pedro Barreiros, cuja família teve uma relação próxima com o poeta,
salientou particularmente o impacto pessoal que Pessanha teve na sua formação.
"Camilo
Pessanha foi parte da minha maneira de pensar em língua portuguesa. Penso que a
minha mãe sabia a 'Clepsidra' de cor e desde pequeno que ouvia os seus
poemas", contou.
Pessanha,
que em Macau traduziu para português oito elegias chinesas, foi também
responsável pela introdução de Barreiros à poesia chinesa.
"Desde
então nunca mais deixei de ler traduções [de poesia chinesa]. É das coisas que
mais agradeço a Camilo Pessanha, ter-me dado a chave para entrar na poesia
chinesa", concluiu.
ISG
// NS
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