quinta-feira, 14 de abril de 2016

António Guterres na corrida para SG da ONU: "Sonho com um mundo livre de armas nucleares"


"Diálogo informal" com candidato português a secretário-geral da ONU marcado pela crise migratória, o terrorismo e o próprio funcionamento da ONU

Leonor Riso – Revista Sábado

No final deste "diálogo informal" com António Guterres, representantes de vários países formularam as suas questões – entre eles, o de Angola. O candidato a secretário-geral da ONU referiu que a crise mais importante por que passou foi a de Timor-Leste. Quanto a crises operacionais, destacou a crise humanitária na Líbia, devido à necessidade de lidar com um fluxo grande de pessoas a fugir da guerra.

António Guterres foi entrevistado perante os 195 países que integram a Organização das Nações Unidas, enquanto candidato ao cargo de secretário-geral da ONU. Durante a audição, uma iniciativa inédita quanto à nomeação para o cargo, Guterres afirmou ser um "homem muito privilegiado".

Os temas fortes deste diálogo foram a crise migratória, o terrorismo e o próprio funcionamento da ONU. Guterres defendeu ainda a importância dos temas da juventude e emprego jovem na agenda dos países-membros para evitar que os jovens enveredem pelo extremismo. Recordou várias vezes a sua experiência enquanto primeiro-ministro de Portugal, entre 1995 e 2002.

A introdução de Guterres e as primeiras questões

"O choque que senti nos bairros de lata de Lisboa, senti-o novamente com os refugiados", referiu, recordando as suas funções enquanto Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Contudo, classificou esse trabalho como "uma terrível frustração porque não há solução humanitária".

Sobre o radicalismo, Guterres considerou que "vivemos em tempos perigosos e precisamos combinar todos os nossos esforços para exercer a nossa responsabilidade para erradicar o terrorismo".

O antigo primeiro-ministro foi logo questionado por representantes dos vários países. Entre eles, está João Vale de Almeida, que se exprimiu em francês mas proferiu um desejo em português a Guterres: "Boa sorte, senhor engenheiro."

Sobre a migração, António Guterres defende que é necessário criar oportunidades para que esta seja legal e uma opção, "não um acto de desespero". Apelou ainda à "responsabilidade entre todos os Estados" e pediu melhores programas de realojamento de refugiados. "É precisa mais responsabilidade e partilha de fardos" quanto a este assunto, afirmou. Guterres acredita que agora, "estamos a atravessar guerras que ninguém está a ganhar".

No final desta primeira intervenção, desculpou-se por ser tão telegráfico, mas disse estar "a seguir instruções" do presidente Mogens Lykketoft. 

Promover o diálogo "é uma virtude" na ONU

Durante a segunda ronda de respostas, António Guterres considera que é "essencial promover o diálogo entre os órgãos da ONU". "Uma das coisas pelas que fui criticado quanto era primeiro-ministro em Portugal é que apostava muito no diálogo. Na ONU é uma vantagem", afirmou.

Sobre a migração, reforçou ser preciso lutar contra a capacidade dos traficantes de pessoas e implementar políticas para responder aos que fogem dos seus países. Guterres entende que a luta contra o terrorismo deve ser "com toda a determinação", resolvendo ainda os problemas das pessoas que possam ser mobilizadas para esta atitude. 

Acerca da igualdade de género, Guterres acredita se ter comprometido com este assunto e com a paridade toda a vida, lembrando uma quota introduzida quanto era primeiro-ministro de Portugal. "Precisamos de fazer um grande esforço", reconheceu. "Eu estou comprometido a fazer esse longo caminho."

O antigo primeiro-ministro afirmou não ter medo de crises. "Toda a minha vida fiz gestão de crises. Fui líder de um partido durante dez anos, não há nada pior que liderar um partido e ter de lidar com crises."

Para Guterres, a qualidade mais importante que um secretário-geral da ONU deve ter é a humildade. "Se tentarmos ensinar lições a toda a gente, não iremos a lado nenhum." Reforçou ainda a importância de avaliações independentes aos governos, para lutar contra a tendência de "se algo está mal, culpar outra pessoa". 

Capacetes azuis criminosos devem ser banidos

Foram falados vários assuntos durante a terceira ronda de respostas. Guterres abordou um assunto que embaraça as Nações Unidas: os casos de abusos sexuais perpetrados por capacetes azuis. "Temos de ser duros com os oficiais da ONU ligados a abusos sexuais: devem ser banidos e as vítimas apoiadas."

Quer ser um secretário-geral activo. "Na ONU, temos demasiadas reuniões e demasiado poucas decisões. Temos de produzir mais resultados. Farei o meu melhor nas áreas de competência de um secretário-geral", prometeu Guterres.

A resposta à migração deve passar por um esforço internacional. "Até agora, a migração foi vista como um assunto de soberania nacional. (…) Percebo que os Estados sejam sensíveis e lutarei para que cooperem mais."

Os crimes praticados contra as mulheres também mereceram uma palavra de Guterres. "Os piores momentos que tive enquanto Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados foram quando tive uma entrevista com mulheres vítimas de violação em condições horríveis", recordou. "Precisamos de nos unir para assegurar que não há mais impunidade acerca da exploração sexual, abuso e violação."

As perguntas da sociedade civil

A quarta ronda de questões foi proferidas por representantes da sociedade civil. A primeira foi sobre os direitos das comunidades indígenas. "Penso que é essencial que ninguém seja deixado para trás, quanto aos povos indígenas. Nos planos nacionais, isto deve ser tomado em conta e os objectivos devem ser implementados", respondeu Guterres.

Os jovens foram o segundo tema. "Sobre a juventude, não se deve marginalizar mas dar-lhe uma voz nos diferentes processos. Acredito que todos os projectos de implementação da agenda para 2030 devem ter a juventude e o emprego como os tópicos principais." Porquê? Para evitar que a falta de ocupação dos jovens os leve para caminhos perigosos como o terrorismo, como já foi citado por Guterres. 

"Sonho com um mundo livre de armas nucleares"

No final deste "diálogo informal" com António Guterres, representantes de vários países formularam as suas questões – entre eles, o de Angola. O candidato a secretário-geral da ONU referiu que a crise mais importante por que passou foi a de Timor-Leste. Quanto a crises operacionais, destacou a crise humanitária na Líbia, devido à necessidade de lidar com um fluxo grande de pessoas a fugir da guerra.

A Angola, Guterres respondeu que entre o secretário-geral da ONU, o Conselho de Segurança e a Assembleia-Geral "deve haver um diálogo aberto".

Para ele, a prova de que é possível "fazer mais com maior descentralização" é que o ACNUR triplicou a sua actividade em dez anos, aumentando o staff a nível global, mas reduzindo-o em Genebra.

"Não sobrevivemos sem migração", detalhou Guterres, citando o índice de fertilidade baixo em Portugal, e o caso da sua mãe: tem 93 anos, está a cargo de uma pessoa que trata dela, e Guterres nunca viu "um português" a tomar conta dela.

Defendeu ainda que a ONU está a gastar dinheiro para manter a paz onde esta não existe, e que por isso, se deve apostar na prevenção e mediação de conflitos.

Sobre a Palestina, Guterres defende o seu reconhecimento enquanto Estado.

"Sonho com um mundo livre de armas nucleares", confessou o candidato português. Voltando ao tema do terrorismo, constante neste diálogo, Guterres assinala a necessidade de enfrentar a radicalização e extremismo e de "apostar na inclusão das nossas sociedades", por cada vez mais conjugarem mais etnias e religiões. "É preciso investir na coesão social."

Processo inédito de selecção do secretário-geral da ONU

Este processo de selecção para o cargo é inédito: os candidatos apresentam as suas propostas à Assembleia-geral e submetem-se ao escrutínio dos Estados-membros. Para além dos representantes dos países, estão ainda presentes várias organizações não-governamentais e entidades da sociedade civil para colocar questões e entrevistar os candidatos. 

A audição de Guterres ocorreu entre as 20 e as 22 horas em Lisboa. É o antigo primeiro-ministro português quem encerra o primeiro dia de audições.

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