Díli,
10 nov (Lusa) - A cicatriz torta e funda que Alex Samurai tem na coxa esquerda
é apenas uma das três que tem no corpo, ecos permanentes dos disparos de
soldados indonésios no cemitério timorense de Santa Cruz a 12 de novembro de
1991.
"Naquele
dia eu estava com outros em cima do muro quando os militares começaram a
disparar. Fui atingido e caí para dentro do cemitério. Levei três tiros, na
perna, nas costas e no ombro", recordou à Lusa, em frente a uma foto
ampliada da sua cicatriz que integra uma exposição de fotografia inaugurada
hoje no Cemitério de Santa Cruz, em Díli.
Hoje
inspetor na Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) - atualmente no corpo de
segurança pessoal do primeiro-ministro - recorda o momento que lhe deixou
marcas para sempre.
"Não
consegui fugir. Muitos outros fugiram ou começaram a rezar. Os militares
começaram a entrar e a levantar os corpos. Meteram-me na estrada. Depois
tiraram-me a camisa. Eu na altura tinha a minha farda da escola. Meteram-nos na
traseira de um camião militar e levaram-me para o hospital militar",
recorda.
"Fitar",
cicatriz em tétum, é o nome da exposição que reúne 32 imagens de cicatrizes no
corpo de 32 sobreviventes do massacre mais conhecido da história de
Timor-Leste, cujo 25º aniversário se assinala no sábado.
Elvis
de Oliveira é outro dos representados, numa imagem forte que mostra a cicatriz
de um corte vertical, com uma baioneta, que começa por baixo do umbigo e
termina praticamente à altura do coração.
"Levei
24 pontos. E mais dois aqui na cabeça", explica, apontando para a imagem.
Foi esfaqueado por um militar, perdeu os sentidos e quando acordou já estava no
hospital militar.
O
autor das imagens é Bernardino Soares, fotógrafo timorense que tinha seis anos
quando soldados indonésios mataram quase 300 pessoas no que ficou conhecido
como o massacre de Santa Cruz, a 12 de novembro de 1991.
"Cada
milímetro de cada cicatriz tem história, tem dor. A cicatriz marca o fim de uma
ferida mas neste caso usamos a cicatriz como um início para entrar na história
de 12 de novembro e destas personagens", explicou Bernardino Soares à
Lusa.
Permite
contar a história do 12 de novembro de outra forma, explica, dando às vítimas
espaço para recordar o que ocorreu e para transmitir essa memória aos mais
jovens.
"Os
sobreviventes nunca tinham mostrado as suas feridas. Aqui voluntariamente,
mostram as cicatrizes. Queriam mostrar e contar a sua história", disse.
"É
uma oportunidade de falar também das cicatrizes da alma. De limpar. Isto não é
uma exposição, é uma partilha. Quando se mostram estas fotos as cicatrizes vão
passar a ser de todos e eles e elas, os sobreviventes, vão ficar mais leves, eu
acho", sublinhou.
No
cemitério de Santa Cruz, hoje, reuniu as 32 imagens, tapadas com panos negros
que depois foram retirados - cada sobrevivente inaugurou a sua - para mostrar
publicamente, pela primeira vez em muitos casos, as marcas de há 25 anos.
"Tinha
seis anos. Lembro-me. Ouvi os ruídos e o que tinha acontecido. Vi algumas
vítimas, alguns tios e vizinhos com sangue. Na minha idade o impacto foi
psicológico e entre os jovens gerou-se um sentimento de violência, de
vingança", recorda.
"Esse
sentimento tornou-se um inimigo dentro de nós. Eu consegui libertar-me disto,
desse sentimento, dessa atitude de vingança e tal", explica.
A
ideia de registar as cicatrizes dos sobreviventes surgiu há 3 anos, mas só há
seis meses, numa conversa com o Comité 12 de Novembro, se consolidou o projeto
e se começaram os primeiros contactos.
"Agora
são 32. Mas há muitos mais. Esta foi só a primeira fase. Começamos com estes 32
mas queremos fazer mais, talvez um registo mais permanente ou um livro
até", explica.
Gregório
Saldanha, presidente do Comité 12 de Novembro, também está entre as cicatrizes
expostas, no seu caso na nádega, marca que ainda hoje lhe causa dor e lhe
dificulta dormir.
"É
importantíssimo mostrar as cicatrizes, marcas permanentes nos nossos corpos.
Com o sentido de recordar aqueles momentos para que não se voltem a repetir e
não se volte a fazer sofrer outros", disse à Lusa.
"Recordamos
também as cicatrizes como uma marca que relembra a tragédia, para nos dizer que
temos que continuar a desenvolver Timor-Leste para ser um país melhor, evitar
as práticas violentas. Somos referência para construir um timor melhor", disse.
APN – Foto: Alex Samurai. Foto@ Acácio Pinto/Lusa
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