Macau,
China, 19 fev (Lusa) -- O antigo juiz João Valente Torrão defende a atualização
do regime de aquisição de bens e serviços públicos da Região Administrativa,
que considerou "muito permissivo".
"A
lei é muito permissiva", defendeu o antigo juiz, que foi membro do Supremo
Tribunal Administrativo de Portugal e exerceu em Macau na década de 1990.
João
Valente Torrão apresentou na quinta-feira a obra "Regime Jurídico da
Contratação Pública na RAEM -- Procedimentos Pré-Contratuais, Breves
Notas", um livro bilingue (português e chinês) com a chancela do Centro de
Reflexão, Estudo e Difusão do Direito de Macau, da Fundação Rui Cunha.
Para
o magistrado, a questão reside em saber, uma vez que a lei permite exceções ao
concurso público, se se justifica o ajuste direto, que exige por sua vez a
consulta a três entidades, a qual também pode ser dispensada, isto porque há
uma perceção de um abuso do mesmo por parte dos serviços públicos.
"Poderá
haver um abuso, mas penso que é consente desde que esteja clara e justificada a
dispensa do concurso. Se não for justificada é que é ilegal", observou.
Em
entrevista à agência Lusa, João Valente Torrão considerou que a legislação
carece de ser adaptada, por "uma necessidade de ordem internacional",
recordando que os diplomas respeitantes à aquisição de bens e serviços e às
empreitadas públicas datam de finais das décadas de 1980 e 1990.
O
antigo juiz, que exerceu de 1994 a 1999 em Macau, onde também formou
magistrados e regressou após se ter reformado em Portugal, dá o exemplo da
própria China que, aquando da adesão à Organização Mundial do Comércio, não
adotou de imediato as recomendações, mas que hoje tem "regras muito
importantes", "muito semelhantes" às que a OMC propõe.
João
Valente Torrão considera que "as coisas vão funcionando, melhor ou
pior", embora reconheça que, "de vez em quando surgem suspeitas de
corrupção", derivadas de "certas atitudes que se tomam que são talvez
pouco rigorosas, mas legais".
A
seu ver, tal sucede porque não há muita tendência de litigância: "As pessoas
e as empresas não são muito litigiosas, não recorrem muito aos tribunais, mesmo
que a sua proposta seja indeferida não são aguerridas", ao contrário do
que sucede em Portugal, por exemplo. "Apenas encontrei nove ou dez
decisões dos tribunais de Macau", realçou.
A
urgência de atualização do regime de aquisição de bens e serviços públicos tem
sido destacada em relatórios dos Comissariados Contra a Corrupção (CCAC) e de
Auditoria.
Um
desses relatórios, publicado em novembro, alertava que "a falta de observação
rigorosa da lei, o desvio intencional das normas ou procedimentos legais, a
frouxidão na supervisão interna ou a supervisão meramente formal não são raras
nos serviços públicos".
Apesar
de a maior parte das questões não configurarem ilegalidades, o CCAC advertia
que "poderão transformar-se numa porta aberta à corrupção".
O
tema também tem estado na ordem do dia devido ao caso do antigo procurador de
Macau, Ho Chio Meng - que está a ser julgado, desde 09 de dezembro, por mais de
1.500 crimes, incluindo burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e
promoção ou fundação de associação criminosa - que envolve milhares de
adjudicações diretas de contratos de obras, serviços e bens do Ministério Público.
Segundo
consta de um parecer recente de uma comissão da Assembleia Legislativa, o
Governo, que reconhece que o regime se encontra "desatualizado a vários
níveis", planeia concluir uma proposta de revisão este ano.
João
Valente Torrão, que na sua obra deixa uma série de sugestões, defende, por
exemplo, que seja consagrada a audição prévia dos concorrentes que é, aliás, um
dos princípios em nome da transparência e imparcialidade, e que "em Macau
não está nesta lei, mas está previsto no Código de Procedimento
Administrativo".
Além
disso, também não existe atualmente "nenhum regime sancionatório para
nenhuma das partes", sustenta o antigo juiz, defendendo também a
tramitação eletrónica.
"Em
Macau usa-se a Internet, mas só para publicitação dos concursos e pouco mais --
não para permitir a interação entre concorrentes e serviços. Isso é muito
importante não só porque facilita -- a União Europeia reconhece-o e até
encurtou os prazos -- e permite também, segundo um relatório da OCDE, reduzir o
risco de corrupção", argumentou.
João
Valente Torrão considera ainda que o novo regime deveria prever outros aspetos,
como compras com responsabilidade social e ecológicas, bem como
"centrais" de compras, mecanismo que permitiria a vários serviços
juntarem-se para poderem adquirir produtos de uma forma mais competitiva".
DM
// FPA
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