Em
Fevereiro de 2017 Taur Matan Ruak, então presidente da República timorense, fez
um discurso contundente e sem rodeios visando duas figuras históricas de
Timor-Leste, Xanana Gusmão e Mari Alkatiri, dirigentes dos dois partidos mais
votados no país, CNRT e FRETILIN, respetivamente. As acusações constam no texto
dessa data que encontram a seguir, em português, retiradas do jornal Público em
peça elaborada por Luciano Alvarez. Acima é incluído o vídeo desse discurso,
expresso em tétum. Foram, sem dúvida, declarações retumbantes que puseram por
semanas Timor-Leste em polvorosa.
Indubitavelmente
que Taur Matan Ruak aproveitava o momento para anunciar diretamente ao país
sobre as suas discordâncias relativamente aos partidos aliados que então já
eram – e ainda são – governo. Taur já visava a formação do seu partido, o Partido
da Libertação Popular (PLP) e as eleições que agora, em 22 de Julho, vão
ocorrer. Com o PLP na corrida eleitoral. Taur espera que o PLP seja eleito o partido
político mais votado e assim ascender democraticamente ao cargo de
primeiro-ministro. Fazendo desse modo questão de implementar as políticas que
preconiza serem as melhores para as populações e para o país.
Aquele discurso, em fevereiro, foi o pontapé de saída do “derby” que agora está a decorrer entre os três
partidos políticos, o CNRT, a FRETILIN e o PLP. Dois contra um, com Taur
empenhado na luta em que acreditará até ao seu último fôlego. Ao que se sabe
essa luta decorre renhidamente. Taur, presidente do PLP, não baixa os braços e
apresenta aos timorenses as alternativas políticas e de pendor anticorrupção,
conluio e nepotismo de que vem acusando os dois líderes dos partidos oponentes
que se aliaram e são governo.
Por
ser um discurso histórico e de toda a importância, ou não, na influência, ou não,
que poderá ter no resultados destas eleições legislativas que se realizam
exatamente de hoje a uma semana, respescámos o discurso em narração de texto e
na voz do então PR de Timor-Leste. Em 22 de Julho, perante o resultado do
eleitorado timorense, teremos o comprovativo das inconsequências ou consequências
causadas pelo efeito do discurso de Taur Matan Ruak, assim como de como os
timorenses eleitores vêem o candidato a primeiro-ministro Taur Matan Ruak, que
enquanto Presidente da República concluiu que preferia governar o país em vez
de ser praticamente só um assistente das políticas ditadas pelos dois
principais partidos políticos, o CNRT e a FRETILIN. Xanana e Alkatiri.
Em
22 de Julho o que acontecerá? Qual será a resposta dos timorenses expressa nas
urnas de voto? Qualquer observador que acompanhe Timor-Leste pode vaticinar mas
o grau de probabilidades de acertar ou aproximar-se dos resultados da luta
entre Taur e os outros seus dois contendores, Xanana e Alkatiri, é improvável. Certo
é que CNRT e FRETILIN têm sido os dois maiores e mais votados partidos políticos.
Juntos possuem uma vasta maioria de lugares no Parlamento timorense. Situação
que Taur corajosamente desafia e a que quer pôr cobro. Se conseguir sairá
vencedor. Se não conseguir e somente levar o PLP a terceiro partido político
mais votado, tal resultado será considerado irrelevante e a figura histórica de
Taur poderá cair por terra. Tenha ele as razões que tiver na jogada política
que proclamou em Fevereiro no discurso perante o parlamento timorense. Afinal
está mais em causa a sobrevivência política de Taur Matan Ruak do que do “sempre-em-pé”
Xanana Gusmão e do seu semelhante Mari Alkatiri. Ambos aliados contra o
igualmente heróico Taur, que acha que encarna na maior perfeição possível as
contestações, os interesses e os sonhos dos timorenses. Que vença o melhor para
todos os timorenses.
A
seguir, o texto em português sobre o histórico discurso de Taur Matan Ruak no
parlamento de Timor-Leste. Continue a ler.
MM
| AV | TA
Presidente
de Timor acusa Xanana e Alkatiri de beneficiarem amigos e familiares
Taur
Matan Ruak e o governo timorense estão em rota de colisão e o Presidente não se
coibiu de comparar os actuais privilégios dos políticos com os do tempo do
ditador indonésio Suharto.
A
tensão política em Timor volta a estar no vermelho. A recusa do Presidente,
Taur Matan Ruak, em renovar o mandato ao chefe do Estado-Maior General das
Forças Armadas (CEMGFA) divide o Governo e o chefe de Estado, estando mesmo em
cima da mesa uma eventual destituição do Presidente.
Em
plena crise, Ruak foi ontem ao Parlamento para falar ao país e as suas palavras
não podiam ter sido mais duras. O Presidente acusou os dois principais
dirigentes políticos do país, Xanana Gusmão e Mari Alkatiri, de beneficiarem
amigos e familiares em contratos do Estado, comparando os privilégios de
políticos com os do tempo do antigo ditador indonésio Suharto.
Xanana
Gusmão, líder histórico da resistência timorense, antigo Presidente, antigo
primeiro-ministro, líder do Conselho Nacional da Reconstrução de Timor-Leste
(CNRT), partido mais votado em Timor, é actualmente e por sua vontade ministro
do Planeamento e Investimento Estratégico.
Já
Mari Alkatiri, secretário-geral da Frente Revolucionária de Timor-Leste
Independente (Fretilin) e ex-primeiro-ministro, era até há não muito tempo o
principal crítico de Xanana Gusmão e da corrupção que dizia minar o país, mas
abrandou a sua actividade política desde que, em 2014, foi nomeado presidente
da Autoridade da Região Administrativa Especial de Oecussi, gerindo
investimentos de vários milhões de dólares na região.
E
a intervenção de Taur Matan Ruak no Parlamento não podia ter sido mais crítica
para estes dois homens. “Desde 2013, Xanana Gusmão, Mari Alkatiri, Lu-olo
[Francisco Guterres, presidente da Fretilin] usam a unanimidade para quê? Não
usam a unanimidade e o entendimento para resolver todos os assuntos que há por
resolver. Usam-na para ter poder e privilégios”, acusou.
“Um
vírus que se está a espalhar”
Com a discussão sobre a corrupção sempre viva no debate político timorense e com ex-governantes em tribunal acusados deste ilícito, o Presidente timorense disse estar “triste” por Xanana tomar conta de Timor-Leste e Mari tomar conta do Oecusse. E falou mesmo de “um vírus que se está a espalhar”. “O princípio básico da democracia é a confiança. Sem isso a democracia não funciona”, acrescentou.
Ruak
lembrou ainda um encontro com o primeiro-ministro, Rui Maria de Araújo, no
início do mês, em que lamentou que Xanana e Alkatiri “tenham beneficiado tanto
dos contratos do Estado”. “O senhor primeiro-ministro perguntou-me se eu queria
fazer inspecção. Eu disse-lhe que não, que estava apenas a falar do
descontentamento que se sentia sobre os privilégios. Com o Suharto também
acontecia”, afirmou.
A
declaração ao país através do Parlamento deve-se ao momento de tensão política
que se vive em Timor em torno do chefe do Estado-Maior General das Forças
Armadas, o major-general Lere Anan Timur.
Ruak
não seguiu a proposta do Governo de renovação do mandato de Lere. O Presidente
defende a exoneração do actual CEMGFA e a nomeação do brigadeiro-general
Filomeno da Paixão de Jesus para o cargo.
Destituição
à vista?
Desde sexta-feira da semana passada que está feita uma proposta de destituição que apenas necessita de 14 deputados subscritores. Depois será necessária uma votação no Parlamento que recolha dois terços dos votos, seguindo a proposta para o tribunal de recurso. Para que o processo possa avançar, falta a publicação do decreto no Jornal da República, o que ainda não aconteceu.
Sobre
esta matéria Xanana Gusmão pediu um parecer ao constitucionalista português
Pedro Bacelar Vasconcelos, que defende que o Presidente timorense cometeu uma
inconstitucionalidade ao nomear Filomeno Paixão para o lugar de Lere. Alega o
parecer que Ruak não obedeceu ao princípio da obrigatoriedade de decisão
conjunta com o Governo, ao rejeitar a proposta do executivo.
Contactado
pelo PÚBLICO Pedro Bacelar Vasconcelos recusou-se a fazer qualquer comentário
sobre o parecer, por “não querer interferir sobre questões de Timor-Leste”.
Vasconcelos,
um dos obreiros da Constituição de Timor e que mantém contactos com o
Parlamento do país, afirmou estar preocupado “com a tensão” que se vive em
Timor. “Há uma tensão que ultrapassa os limites mínimos de solidariedade entre
órgãos de soberania num Estado de direito”, referiu.
Confrontado
pelo PÚBLICO pelo facto de Xanana estar a usar o seu parecer contra o
Presidente da República em actos públicos, o actualmente deputado do PS e
presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias disse que a forma como o Xanana usa o parecer “é lá com
ele”. “Eu tenho acompanhado a situação com grande preocupação e não me vou
pronunciar”, acrescentou.
Alguns
actores políticos timorenses admitiam nos últimos dias que Ruak pudesse ele
próprio apresentar a renúncia à Presidência, mas o chefe de Estado optou por
partir para o ataque. E sobre o conflito em torno do CEMGFA afirmou: “Eu não
tenho problemas com o Governo. Mas o Governo usa o argumento do Lere para
atingir o Presidente. O Presidente continua disponível para discutir no
Parlamento nacional para encontrar uma solução para o caso.”
A
tensão entre Ruak e o Governo e o Parlamento não é de agora. O Presidente
elegeu o combate à corrupção e o combate à pobreza como grandes pilares da sua
Presidência desde que tomou posse, em 2012.
Ao
longo destes anos visitou a quase totalidade dos 442 sucos (aldeias) existentes
e não tem parado de criticar o Governo devido aos níveis de corrupção e
chamando a atenção para o estado de pobreza em que vive o povo. O
Presidente tem vindo ainda a denunciar o enriquecimento surpreendente de
políticos e dos seus familiares e a existência de contratos do Estado
“entregues a amigos”.
Ruak
tem também apontado o dedo ao Governo por falta de aposta em áreas como a Saúde
e a Educação, segundo ele relegadas para segundo plano face aos grandes
projectos.
Há
uns meses, o Presidente pediu a documentação e estudos de viabilidade de dois
grandes projectos: Oecussi e Tasi Mane (costa sul e que inclui uma refinaria).
Até hoje nada foi entregue ou esclarecido ao chefe de Estado. Quanto ao
projecto de Oecussi, uma equipa apresentou-se na Presidência há duas semanas
para fazer uma apresentação ao Presidente, mas sem a presença do líder do
projecto, Mari Alkatiri. Dúvidas sobre estes dois projectos levaram mesmo o
Presidente a vetar o Orçamento do Estado de 2016. O Parlamento voltou a aprovar
o documento e Ruak foi obrigado a dar a sua aprovação.
A
tensão política promete continuar nas próximas semanas, com a grande dúvida de
se vai mesmo avançar um processo de destituição do Presidente, Taur Mantan Ruak.
Ivo
Valente, ministro da Justiça de Timor, encontra-se em Portugal, tendo assinado nesta quinta-feira
um protocolo de cooperação com o Ministério da Justiça português, mas, após
a cerimónia, recusou-se a responder a perguntas dos jornalistas.
Luciano
Alvarez | Público | em 25 fevereiro 2017
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