Díli, 14 fev (Lusa) - Várias
organizações nacionais e 70 cidadãos timorenses escreveram ao Presidente da
República a expressar preocupação sobre um conjunto de alterações aos
currículos do pré-escolar e primeiro ciclo que consideram terem sido feitas sem
avaliação cientifica adequada.
A carta refere que as alterações
foram aprovadas de forma "súbita" e vão contra vários estudos que
apoiavam o currículo em vigor, e que se mantém apesar das alterações dos
decretos, que só devem começar a ser implementadas em 2019.
Na véspera do chefe de Estado
anunciar a dissolução do Parlamento - o que implicou que o executivo ficou em
gestão - o Governo aprovou alterações a dois polémicos decretos de 2015 que
introduziam o uso de línguas maternas no pré-escolar e arranque do ensino
básico, colocando o português como língua principal apenas no 3.º ciclo.
Lurdes Bessa, vice-ministra da
Educação, explicou à Lusa que os dois decretos-lei hoje aprovados alteram,
respetivamente, o decreto 3/2015 sobre o currículo nacional de base da educação
pré-escolar e o 4/2015 sobre o currículo do 1.º e 2.º ciclo do ensino básico,
abrangendo todos os estabelecimentos de educação da rede pública.
"O que fizemos foi avançar
com propostas de alteração aos dois decretos que definem o uso das línguas
maternas em sala de aula", explicou Bessa em declarações à Lusa,
explicando que as mudanças refletem o programa do executivo e as decisões do
3.º Congresso Nacional da Educação, que decorreu no ano passado em Díli.
Os signatários da carta pedem ao
chefe de Estado, Lu-Olo, para que não promulgue as alterações consideram que o
currículo em vigor "não ensina línguas nacionais (línguas maternas), mas
permite aos professores nos anos iniciais usar essas línguas apenas quando
necessário para apoiar a compreensão e a inclusão".
"Esta metodologia foi
demonstrada em vários estudos como levando a um melhor sucesso escolar para os
estudantes. O objetivo final deste método é que todas as crianças do país
tenham uma compreensão sólida de ambas as línguas oficiais, bem como a
compreensão em matemática, ciência e outras disciplinas, antes do final do
segundo ciclo", consideram as organizações.
A carta é assinada pelas
organizações Fokupers, Knua ba Labarik, Alola Foundation, ACbit, AJAR, La'o
Hamutuk, Belun, Haburas, Permatil, MOFFE e Timor-Leste Women's Network e ainda
por 70 cidadãos.
Na missiva explicam ter
participado, entre 2013 e 2017, em "várias consultas e colaborações"
sobre esta matéria, tendo ficado "muito surpresas ao ouvir sobre essas
mudanças repentinas sem qualquer consulta".
"Nós entendemos que o
currículo em vigor funciona para motivar e realmente valorizar a participação
dos alunos e a aprendizagem ativa. Isso é difícil de fazer se os alunos não
conseguirem entender seus professores ou não se conseguem expressar",
refere a carta.
"Também compreendemos a
importância crítica da participação dos pais na escolaridade de seus filhos e a
dificuldade dessa participação acontecer se os pais não entendem o que seus
filhos estão a aprender", consideram, defendendo a "metodologia de
progressão linguística".
Centrados em "quatro grandes
alterações" os decretos aprovados abrangem questões como "a definição
das línguas oficiais com línguas de ensino, dando prioridade ao português como
língua de ensino e ao tétum como língua de suporte".
As línguas nacionais são
definidas como "património cultural e histórico, para terem o devido
tratamento nessa área", explicou ainda a vice-ministra.
O Governo deliberou ainda
duplicar a carga horária mínima do ensino pré-escolar, de duas para quatro
horas por dia, sendo ainda reajustada a carga horária "para o ensino da
capacidade linguística em tétum e português", detalhou "O atual
currículo não separa as duas e dá cargas horárias muito baixas. Redistribuímos
isso e em relação ao ensino nas competências em língua portuguesa, nos níveis
pré-escolar e básico, aplicamos uma carga horária semelhante à carga horária do
ensino para a matemática", disse ainda.
Os textos de alteração incluem
ainda duas outras questões, nomeadamente o ensino inclusivo "que não
estava previsto", introduzindo a educação psicomotora no pré-escolar e a
educação física no básico.
Na defesa da sua proposta no
Conselho de Ministros, o Ministério da Educação destaca "a necessidade de
estabilidade e coerência em termos de aplicação de políticas educativas em
Timor-Leste" e ainda "a necessidade de clarificar posições referentes
às línguas a utilizar no sistema educativo".
"A implementação de
políticas educativas em Timor-Leste, deverá ser norteada de forma coerente e
consistente, de forma a salvaguardar não só o previsto na Lei, mas também
preservar a nossa cultura étnica, única no mundo, ao mesmo tempo que
desenvolvemos um sistema de ensino inclusivo, que permita a igualdade de acesso
às oportunidades de formação por todos os cidadãos timorenses", nota ainda
o documento.
ASP//RBF
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