Díli, 27 nov (Lusa) - Uma equipa
de oftalmologistas portugueses voluntários terminou na quarta-feira uma curta
missão em Timor-Leste durante a qual realizou cerca de 30 operações, ajudando
muitos a recuperar a visão, perdida, em alguns casos, há vários anos.
Foi o arranque de um projeto da
Associação Olhar pelo Mundo que ao longo de duas semanas deu apoio em quase 850
consultas, num país onde há um oftalmologista por um milhão de habitantes: o
equivalente a ter 10 oftalmologistas para Portugal.
Ana Vergamota, presidente, e
Guilherme Neri, vice-presidente da associação, estiveram em Timor-Leste duas
semanas e com dois colegas no terreno durante cerca de uma semana.
Nesse período os oftalmologistas
portugueses realizaram 20 cirurgias de catarata traumáticas, quatro cirurgias
de catarata senil e seis cirurgias de traumatismo do segmento anterior.
"Foi muito bom ver, no dia a
seguir à cirurgia, um doente que esteve muito tempo sem ver, de repente
conseguir voltar a ver a família e o mundo. O sorriso diz tudo. Os doentes
acabam por ficar sempre muito gratos com a cirurgia que foi feita",
explicou Ana Vergamota.
No final da missão - que querem
repetir com ainda maior dimensão nos próximos anos - e em jeito de balanço,
explicaram à Lusa o impacto sentido na felicidade e nos sorrisos dos pacientes
que, depois de anos sem ver, recuperaram a vista.
Neri recordou em particular o
caso de uma jovem de 15 anos que "tinha uma catarata traumática desde os
12 e que estava à espera que a chamassem para a cirurgia".
"Foi a primeira vez que um
doente me abraçou quando me viu a chegar no corredor no dia seguinte",
contou.
No meio também de casos mais
complicados, como o de um paciente com um meningioma (um cancro intracraniano
que estava a invadir o nervo ótico) que terá que ser agora seguido na
Indonésia, ou a de uma criança de 3 anos, cega de ambos os olhos por leucoma
(cicatriz) dos olhos.
"Falta a parte dos
consumíveis, mas notamos também uma falta de informação. Muitos doentes que não
moram em Díli e que deixam arrastar os casos e que poderiam ter vindo mais
cedo", explicou Ana Vergamota.
"Casos de traumatismos que
poderiam ter sido resolvidos mais cedo. Há uma falta de informação e muitos não
vêm logo ao hospital", disse.
Um dos casos visto foi o de um
rapaz de 26 anos que trabalhava numa plantação de café e que já tinha perdido
um olho por um traumatismo e que, devido a um segundo traumatismo, há dois
meses, desenvolveu um descolamento de retina e perdeu visão do olho que lhe
restava.
"Este caso demonstra bem o
trabalho que tem de ser feito: temos uma pessoa de 26 anos que ficou cega
porque não tem condições de segurança no local de trabalho, não tem acesso a
cuidados de saúde, ou os cuidados de saúde a que tem acesso não conseguem dar
resposta a estes casos mais dramáticos", disse Neri.
Ana Vergamota notou que outra das
tendências é o de inúmeros casos de cataratas entre gente mais jovem,
especialmente devido a traumatismo, bem como casos "muito complicados de
infeções ou inflamações, que não se veem tanto em Portugal".
"Nenhum de nos é fluente em
tétum, por isso trabalhamos com os médicos que cá existem, dando apoio na
consulta. O volume de pacientes é bastante alto. Mais de 100 doentes por dia, em média. E as cirurgias são
feitas logo no próprio dia se o paciente e a família quiserem", explicou
Neri.
Além do apoio em consulta e
cirurgia, os oftalmologistas trouxeram consumíveis de um só uso, essenciais
para a oftalmologia e que, em concreto, permitem realizar 150 cirurgias de
cataratas.
O objetivo é ampliar o programa
no futuro com visitas anuais a Timor-Leste.
Criada em agosto de 2017, a Olhar pelo Mundo
quer ajudar a responder às carências em oftalmologia em Timor-Leste onde o
trabalho mais destacado foi o da Fred Hollows Foundation que criou a clínica
instalada atualmente no Hospital Nacional Guido Valadares, em Díli - onde os
oftalmologistas portugueses trabalharam.
A organização recorda que nos
países menos desenvolvidos e entre a população com cegueira, quatro em cada
cinco pessoas sofre de cegueira por causas reversíveis.
No caso de Timor-Leste, dados do
Rapid Assessment of Avoidable Blindness (RAAB) revelam uma prevalência de
cegueira de 4,5% na população com mais de 50 anos, sendo a catarata senil a
principal causa (79,4%), seguida de patologias do segmento posterior (6,2%) e
glaucoma (5,2%).
ASP // VM
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