Os avanços tecnológicos e
científicos aplicados à medicina são uma faca de dois gumes, porque nos
permitem tratar hoje o que ontem era impossível, porém trazem consigo aquilo
que tanto hoje se discute: o processo de desumanização.
Neste contexto, ponderamos se seria o conhecimento científico superior ao conhecimento humanístico, numa especialidade como a nossa, em que tanto se procura uma medicina (re)humanizada. Na nossa sociedade, que apresenta cada vez mais doença emocionais, mais carente de estabelecer relações interpessoais, a resposta pareceu-nos clara.
Assim, surgiu então a ideia de fazermos um estágio de Cuidados de Saúde Primários em Dili, a mais de 14 mil kms de distância das nossas áreas de conforto. Porquê Timor-Leste? Após o processo de descolonização portuguesa vieram 30 anos de ocupação pela Indonésia e Timor-Leste só se tornou o primeiro novo estado em 2002.
Nessa época, os timorenses
experimentaram um dos piores padrões de saúde na região Ásia-Pacífico. Desde
então, tem havido uma melhoria mas ainda existem lacunas significativas,
portanto esta seria a oportunidade perfeita para pôr um pouco de lado a “Era Técnica”
– para exercitar o raciocínio clínico, observar um leque de patologias
diferentes e poder ajudar populações com cuidados de saúde deficitários.
Contactamos a Ordem de Malta, uma agência de ajuda mundial que actua através de numerosos hospitais, centros médicos e fundações especializadas – que é dedicada à preservação da dignidade humana e ao cuidado de todos os necessitados, independentemente da sua raça, interesses políticos ou religião. O nosso estágio foi aceite pela clínica e o processo decorreu nas conformidades, sem quaisquer dificuldades.
Contactamos a Ordem de Malta, uma agência de ajuda mundial que actua através de numerosos hospitais, centros médicos e fundações especializadas – que é dedicada à preservação da dignidade humana e ao cuidado de todos os necessitados, independentemente da sua raça, interesses políticos ou religião. O nosso estágio foi aceite pela clínica e o processo decorreu nas conformidades, sem quaisquer dificuldades.
Estivemos em Timor-Leste durante
Setembro e, um mês de partilha com toda a equipa da Clínica da Ordem de Malta
soube a pouco. Para além do serviço prestado na clínica (saúde adulto, saúde
infantil, saúde materna), visitamos o hospital e centro de saúde de Dili – com
os quais colaboramos em várias iniciativas - participamos em missões nas
comunidades mais remotas sem acesso regular a cuidados de saúde (na área da
imunização, rastreios, clínica geral e informação de saúde através de sessões
de esclarecimento).
Estivemos diariamente em contacto
com problemas sociais, com limitações nos recursos e na comunicação e
dificuldades económicas, tivemos de improvisar perante a limitação de
fármacos. Ao ver crianças ter de caminhar quilómetros sobre o sol para ir à
escola e o fazerem-no a sorrir, quando o consultório é a “cabana” de uma idosa
que vive com a filha, o neto e meia dúzia de pintainhos, aprendemos a acordar
cedo com um sorriso, a dar mais de nós a quem precisa e a relativizar os problemas.
Hoje não esquecemos as aulas de
Tétum, o pôr-do–sol, os sorrisos e as lágrimas da despedida. Deixamos lá um
pouco de nós e trouxemos definitivamente um pouco de Timor connosco, porque nos
sentimos bem-vindas, sentimos que fizemos a diferença e parte da nossa missão é
agora partilhar o que foi para nós este estágio.
Há um mundo lá fora a precisar da nossa ajuda e outro dentro de vocês próprios para ser descoberto. Como disse uma Professora minha da FMUC, “quem só sabe de Medicina, nem de Medicina sabe”…
Há um mundo lá fora a precisar da nossa ajuda e outro dentro de vocês próprios para ser descoberto. Como disse uma Professora minha da FMUC, “quem só sabe de Medicina, nem de Medicina sabe”…
Ana Carina Sá e Eduarda Pinheiro
- Médicas internas de Medicina Geral e Familiar na USF Remos (ACES Alentejo
Central) e USF Plátano (ACES São Mamede)
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Artigo publicado na edição de
novembro do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários. De periodicidade mensal, Jornal Médico dos CSP é distribuído em todas as
unidades de saúde familiar do país, sendo uma ferramenta única na partilha e
promoção de boas práticas e projetos inovadores implementados nos cuidados primários.
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