domingo, 19 de maio de 2019

As quatro bandeiras de Lopes da Cruz, um dos timorenses que mais defendeu a Indonésia


Jacarta, 18 mai 2019 (Lusa) -- A última bandeira portuguesa deixada na ilha timorense de Ataúro quando o então governador Lemos Pires saiu do país, a 23 de setembro de 1975, está numa pasta de madeira, numa casa nos arredores de Jacarta.

"Esta bandeira tem a sua história especial", conta o ex-embaixador indonésio, Francisco Lopes da Cruz, um homem que tem passaporte dos dois países que ocuparam a terra onde nasceu, Timor-Leste.

Numa entrevista à Lusa, Lopes da Cruz, fundador da União Democrática Timorense (UDT), mostra a histórica bandeira portuguesa que tem.

O ex-diplomata indonésio levanta-se, sai da sala por momentos e regressa pouco tempo depois, com uma mala de negócios, uma pasta que em vez do habitual coro é feita de madeira, com uma pega também de madeira e dois fechos sólidos, de metal.

Na zona dos fechos, impresso com letras brancas lê-se "Istana Presiden R. I." (Palácio Presidente República Indonésia).

Uma cor idêntica à da camisa escura de batik do embaixador, sobre a qual se destaca um longo terço em prata, a mesma cor da barba aparada de Lopes da Cruz, que está em fotos com a família e com personalidades internacionais nas paredes da sala.

Na casa -- foi-lhe dada como antigo diplomata -- destaca-se a simbologia religiosa católica.

"Quando os portugueses deixaram a ilha de Ataúro, deixaram a bandeira portuguesa hasteada. Quando a tropa indonésia chegou lá, arrearam a bandeira, com todas as honras militares, e hastearam a bandeira indonésia", disse.

"Timorenses da UDT pediram à tropa indonésia para que esta bandeira seja entregue a mim como presidente da UDT, partido que defendia a continuação com Portugal, antes da independência. E a Indonésia aceitou e eles meteram-se numa barcaça e levaram a bandeira a Díli e entregaram-me pessoalmente", conta.

Houve muitos que não gostaram, explica, pretendendo que a bandeira fosse para o museu nacional em Jacarta.

"Vim a Jacarta e falei com o Presidente [indonésio] Suharto e expliquei tudo sobre essa bandeira. Ele disse, senhor Da Cruz -- era o único que me tratava por Da Cruz -, leve essa pasta, ponha a bandeira dentro dessa mala", recorda.

"Ninguém pode tirar essa bandeira da sua mão sem o conhecimento do Presidente. E assim foi: meti a bandeira dentro dessa caixa e já lá vão mais de 30 anos", refere.

Com cuidado vai dobrando a bandeira e explica o significado especial que tem para si: "eu defendi essa bandeira, durante a guerra em Moçambique, e depois em Timor, como soldado. Essa bandeira representa Portugal".

Mas a bandeira portuguesa não é a única. Dobradas estão outras na pasta de Suharto.

"Por debaixo está a primeira bandeira da UDT, que queria a ligação com Portugal. A senhora que coseu essa bandeira ainda continua viva, em Timor-leste. Levei sempre a bandeira comigo, até a fronteira e depois de volta a Díli. Sempre comigo", conta.

Por baixo dessa, explica, está a da Fretilin, partido que Lopes da Cruz acusa de lhe ter morto vários familiares.

"Quando a UDT chegou à fronteira, apanharam esta bandeira, queriam queimar a bandeira. Disse que não, tirei a bandeira, de 1975, fiquei com esta bandeira, porque é dos timorenses como nós. Estava içada em Batugadé. Fiquei com essa bandeira desde 1975 até agora", explica.

No fundo de todas a mais recente, a bandeira da Indonésia, que diz ter recebido quando veio para Jacarta, em 1982.

Quatro bandeiras fundamentais da história de Timor-Leste, mas também da história de Lopes da Cruz que questionado admite que a que traz "mais no coração" continua a ser a portuguesa.

"Os meus pais, avós, todos eram portugueses, quer queira quer não", disse.

ASP // PJA 

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