Bernardo Ivo Cruz* | Diário de Notícias | opinião (03 setembro 2024) – reposição em TA
Na semana passada comemorámos os 25 anos sobre a consulta popular que determinou a independência de Timor Leste. E, simbolizando o apoio de vários Governos portugueses, António Guterres - que era Primeiro-Ministro à época - recebeu a cidadania Timorense.
A independência de Timor-Leste deve-se, antes de mais e principalmente, à vontade do seu povo. Antes, os 25 anos de resistência em condições dificílimas, quando a realidade da Guerra Fria e a importância da Indonésia no combate ao comunismo no Sudoeste Asiático impunham um pragmatismo nas relações internacionais que impediam o reconhecimento da razão e do direito internacional que assistiam à causa dos timorenses. E, depois, quando finalmente o mundo e a Indonésia mudaram e foi possível escolher, as filas intermináveis de pessoas que depositaram mais de 75% de votos a favor da independência de Timor.
Durante esses longos anos de aflição Portugal não abandonou Timor à sua sorte e, como potência administradora no quadro da ONU bateu-se, tantas vezes incompreendido e quase sempre sozinho, pelo princípio consagrado na Carta das Nações Unidas da autodeterminação dos povos. De facto, Portugal nunca exigiu a independência de Timor, mas sim que o direito internacional fosse aplicado. E foi através dos mecanismos legais e de pacientes negociações que contribuímos para que os Timorenses pudessem escolher o futuro que desejavam. A questão de Timor-Leste parece demonstrar, assim, que um negociador honesto, independentemente da sua dimensão ou poder, poderá atingir resultados inesperados num quadro multilateral e com base no direito. O que podemos chamar a Diplomacia da Paz.
A autodeterminação de Timor-Leste teve ainda outro efeito lateral, mas importante: Portugal não tem hoje qualquer conflito latente ou declarado no quadro das suas relações diplomáticas bilaterais e os conflitos que temos, nomeadamente na Ucrânia, enquadram-se nos princípios da defesa das e do direito e das organizações internacionais.
Somos, assim, um país que, embora sem capacidade ou apetência para impor soluções no quadro das suas relações externas, demonstrou saber utilizar os mecanismos de direito internacional, de cooperação diplomática e militar e ser um negociador honesto. Não seremos os únicos, mas apresentamos ainda uma característica histórica, essa sim mais singular, que reforça o nosso papel no mundo: poucos serão os estados que tenham um passado e um presente tão universal e que nos permite ouvir e entender as razões e preocupações alheias.
Portugal, juntamente com outros países que partilham os mesmos princípios multilateralistas, deveria assumir claramente a sua natureza de construtor das pontes que tanta falta fazem à paz e à estabilidade do mundo.
* Professor convidado IEP/UCP e NSL/UNL
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