segunda-feira, 22 de junho de 2015

Após bloquear financiamento externo, governo indiano congela contas de ONGs estrangeiras


Em um ano, 10.117 ONGs perderam registro e 34 organizações tiveram contas bloqueadas; 69 foram proibidas de receber fundos do exterior

O primeiro sinal foi dado 12 meses atrás pelo diretor-adjunto do Escritório de Inteligência da Polícia, Safi A Rizvi, que tirou o pó de um relatório sobre as atividades de algumas ONGs de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos. Reescrevendo novamente e atualizando nomes e datas, Rizvi elaborou um documento em 3 de junho de 2014, “analisando” um cenário político que dizia que “ONGs com financiamento externo servem de ferramentas aos interesses de política exterior dos governos ocidentais” ao lutar contra projetos de energia nuclear, mineração (sobretudo de carvão) e do plantio de organismos geneticamente modificados.

Finalmente, Rizvi acrescentou ao relatório uma lista negra com nomes e referências. Ele foi recebido pelo primeiro-ministro Narendra Modi e por alguns membros de seu gabinete. Estavam no documento nomes de ativistas respeitados e algumas ONGs conhecidas, como o Greenpeace, a Anistia Internacional e a ActionAid, assim como os movimentos contra as represas no rio Narmada e contra a planta nuclear de Koodankulam, entre outros.

Em um ano, 10.117 ONGs perderam seu registro e 34 organizações tiveram suas contas congeladas. Outras 69 instituições foram proibidas de receber fundos do exterior e o governo reportou ter feito 155 inspeções e auditorias nesse período.

Greenpeace

O governo congelou as contas do Greenpeace, que recebia fundos externos. E não aconteceu muito mais: o diretor-executivo, Samit Aich, explicou, então, que 90% dos fundos da ONG na Índia são locais e, por isso, ela não sofreria muito com essa ação executiva. De toda forma, o Greenpeace obteve uma decisão da Corte Suprema de Délhi ordenando descongelar suas contas em novembro do ano passado, mas o governo apelou e não desembolsou o dinheiro.

Então, no último dia 11 de janeiro, a polícia migratória no aeroporto de Délhi impediu a ativista Priya Pillai de viajar para Londres. Ela tinha previsto se encontrar com legisladores britânicos para expor os efeitos nocivos da mineração e de outras empresas extrativistas na Índia.

No parlamento, os legisladores do partido governista BJP (Bharatiya Jana Party) começaram também a anunciar as iniciativas para modificar todas as leis que dificultavam o investimento estrangeiro direto em recursos naturais. Apresentaram um projeto para eliminar, entre outras coisas, a consulta direta a povos indígenas para a expropriação de terras ou para dar início a projetos industriais em seus territórios. Até agora, não tiveram êxito.

Por outro lado, em diversas regiões do centro e do leste da Índia, o governo entregou campos para experimentar e desenvolver sementes geneticamente modificadas para o mercado local. Modi e seu gabinete esperam poder abrir o mercado interno aos produtos geneticamente modificados a partir do inverno (que começa em novembro no país).

Suas políticas começaram a ser efetivas contra as ONGs. Outra vez, a primeira vítima foi o Greenpeace Índia: todas as suas contas foram congeladas por ordem do ministro de governo. Samit Aich explicou, em uma coletiva de imprensa no último dia 21 de maio, que a organização deveria fechar suas operações no mês de junho. Mas os 229 empregados da ONG se comprometeram a trabalhar sem salário por um mês, esperando que o conflito seja resolvido.

Ajuste de contas?

No começo de maio, o governo continuou seus ataques financeiros. A Fundação Bill e Melina Gates passou a ser investigada e, além dela, uma das maiores e mais conhecidas ONGs do planeta: a Fundação Ford. O governo de Narendra Modi exigiu que, de agora em diante, todo financiamento para o escritório local da fundação fosse primeiro aprovado pelo ministro do Interior, Rajnath Singh.

Segundo o governo hindu, os fundos da Fundação Ford serviram para financiar ilegalmente um partido político e, além disso, apoiaram “atividades antinacionais” realizadas por uma organização de direitos humanos no estado de Guajarat, a Cidadãos pela Justiça e pela Paz, encabeçada pela ativista Teesta Setalvad e por seu marido Javed Anand.

De fato, há um processo contra Setavald e Anand por peculato, apresentado pelo governo. Até hoje, Setavald explica, entregaram à polícia mais de 23 mil documentos para serem auditados.

A seu favor, há dezenas de atividades de trabalho humanitário depois de conflitos étnicos ou de ataques terroristas em Mumbai em 2008. Inclusive, trabalharam em equidade de gênero e direitos educativos. De fato, o maior financiamento estrangeiro que tiveram vem de 2010, do escritório da ONU contra a tortura, mas, explica Setavald, quase 80% de seus fundos são recebidos de doadores locais.

Já nenhum dos recursos recebidos pela Fundação Ford está ativo. Foram usados para “fortalecer a resolução de conflitos e para atividades pacifistas (nos estados de) Gujarat e Maharastra”, diz Setalvad, que afirma que “nossas atividades continuarão sem importar os financiamentos de uma ou de outra organização... o que fez de mal a Cidadãos pela Justiça e pela Paz?”.

A ONG do casal trabalhou na representação legal das vítimas dos distúrbios contra a população muçulmana em Gujarat em 2002. Para Teesta Setavald, este é um dos motivos: um dos principais acusados (de permitir os assassinatos de dezenas de muçulmanos) é o então governador e hoje primeiro-ministro da Índia Narendra Modi, que durante anos teve sua entrada proibida nos Estados Unidos por esse motivo.

O fato é que o caso contra a ONG continua aberto e a Fundação Ford está sob o escrutínio do governo hindu. O assunto preocupa o governo dos Estados Unidos. O secretário de Estado, John Kerry, enviou uma mensagem à Índia solicitando esclarecer em detalhes as ações contra uma organização que, no passado, foi acusada de cobrir as operações da CIA na Europa e na América Latina.

Luis A. Gómez, Calcutá – Opera Mundi

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