Macau,
China, 28 jun (Lusa) -- Há muito que os vizinhos das Ruínas de São Paulo,
'ex-líbris' de Macau, aprenderam a lidar com as enchentes de turistas. Adotam
percursos alternativos, aceitam as filas e o aumento de preços, tudo a bem da
prosperidade da cidade.
Da
casa da senhora Chui às Ruínas de São Paulo são dois passos, mas é um percurso
que prefere fazer à noite. "Gosto de ir lá passear, mas como há muitas
pessoas é difícil. O ambiente está muito lotado mas temos de receber os
turistas, porque são nossos clientes. Os moradores escolhem horários mais
calmos", conta à agência Lusa.
Há
15 anos que esta reformada vive na Rua de D. Belchior Carneiro, imediatamente
por detrás das Ruínas. É ali que estacionam as dezenas de autocarros turísticos
que trazem diariamente multidões para visitar o que resta da antiga Igreja da
Madre de Deus (construída em 1565) e do Colégio de São Paulo, a primeira
instituição universitária de tipo ocidental na Ásia Oriental.
A
octogenária demonstra, no entanto, boa vontade para com os visitantes. "É
muito movimentado aqui, mas gosto das pessoas e à noite é muito bonito, é mais
tranquilo. Acho que os moradores de Macau dão sempre as boas-vindas aos
visitantes, não é como em
Hong Kong ", comenta, lembrando que, nos últimos dez
anos, "o nível de vida melhorou".
Uma
década passou desde que o centro histórico de Macau foi classificado como
Património da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), a 15 de julho de 2005, um acontecimento que os
residentes recordam com orgulho, mas que admitem ter trazido também alguns
inconvenientes.
Mak
passeia na Rua de São Paulo, lateral às Ruínas, como se não tivesse ninguém --
desviar-se constantemente dos turistas já não lhe causa qualquer incómodo,
garante.
"É
difícil passar na rua mas, de qualquer forma, já me habituei. Nos feriados há
muita gente, mas já conhecemos os caminhos menos movimentados", explica.
Para
o antigo nadador-salvador de 64 anos, a classificação da UNESCO foi positiva:
"Para nós, o sítio era familiar, mas quando turistas estrangeiros nos
visitam, sinto um certo orgulho".
Mak
não consegue eleger um lugar preferido no centro histórico, onde vive há 30
anos, já que "todos trazem lucros aos cidadãos", uma realidade que,
juntamente com a abertura dos casinos, tornou a vida dos moradores "cada
vez melhor".
O
tom crítico dos moradores aumenta à medida que a idade diminui. Carregando
sacos de compras, a senhora Wong, de 48 anos, começa por abanar a cabeça,
repleta de caracóis, quando questionada sobre as alterações dos últimos dez
anos. "A mudança é drástica. As ruas estão cheias de gente, traz
dificuldades a quem tem de fazer compras todos os dias", diz, apontado
para o molho de alho francês que traz ao ombro.
No
entanto, Wong acaba por admitir que os turistas trouxeram também vantagens:
"Os rendimentos aumentaram e os benefícios acabam por recompensar as
dificuldades".
De
volta à Rua de D. Belchior Carneiro, o comerciante Lam aceita ser entrevistado,
mas só após alguma insistência, mesmo dominando algum português. O tema,
explica, causa-lhe má disposição: "Os sentimentos negativos dos moradores
aumentaram [nos últimos dez anos]. Os preços dos produtos subiram, os
autocarros estão sempre cheios de gente, a qualidade de vida diminuiu. O
desenvolvimento económico foi tão rápido que é difícil para algumas pessoas que
têm menos dinheiro".
Apesar
de ter passado nesta rua 30 dos seus 40 anos, Lam raramente visita o património
e mantém-se o mais longe possível das Ruínas de São Paulo. "Acho que fui
uma vez em dez anos. Não vou para lá, a não ser que tenha visitas. Na verdade,
não há nada para ver, são só pedras", afirma, antes de virar costas.
ISG
// VM
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