Macau,
China, 28 jun (Lusa) -- Dez anos após a inscrição do centro histórico de Macau
como Património da Humanidade, os especialistas preocupam-se mais com os
imóveis que têm valor cultural mas não estão protegidos, incluindo cerca de 30
de matriz portuguesa.
"Corre-se
o risco de os edifícios portugueses desaparecerem aos poucos e de só ficarem as
igrejas, como se fossemos todos padres", lamenta o arquiteto Francisco
Vizeu Pinheiro, autor de vários projetos de reabilitação em Macau.
Há
25 anos na cidade, onde passou por vários departamentos do Governo, o atual
professor na Universidade de São José estima que os cerca de 30 imóveis de
herança portuguesa, não classificados, mas com elevado valor cultural, vão
acabar demolidos ou apenas com as fachadas intactas, às quais se podem
adicionar elementos modernos, como aconteceu ao edifício do Banco Nacional
Ultramarino e se planeia fazer com o Quartel de São Francisco.
Se
é verdade que a cidade está toda sobre intensa pressão do mercado imobiliário
-- Macau é um dos locais com maior densidade populacional do planeta -- estes
edifícios portugueses, espalhados por diferentes zonas, estão mais vulneráveis,
considera.
"Há
uma dupla bitola, em parte por ignorância da tradição e cultura portuguesas. Um
edifício chinês de que se conheça a história é protegido, com os outros faz-se
o que se quer", critica.
Quando
se assinalarem os 20 anos da classificação da UNESCO, Macau vai "ter
apenas o folclore português", ironiza.
Na
Avenida Coronel Mesquita, a norte do centro, uma fila de vivendas polvilha a
rua de verde-água, uma das cores mais tradicionais da arquitetura de Macau. São
cerca de dez moradias de antigos funcionários públicos, com jardim, que são uma
raridade no contexto atual da cidade. Hoje, estão quase todas abandonadas.
O
arquiteto considera-as um dos melhores exemplos de património não classificado
em risco: "Com a área que estas casas têm, se as deitarem abaixo constroem
aqui torres e ganham-se uns bons milhões. Estas moradias mostram muito do que
era Macau e mereciam ser reaproveitadas".
É
também o caso do prédio amarelo do Largo do Lilau -- a praça, como conjunto,
está protegida, mas apenas em relação às fachadas.
"O
edifício corre o risco de ser demolido [por dentro], o detrás já só tem a
fachada. É muito interessante porque as cozinhas e zonas de arrumos estão
divididas e ligadas por pontes para evitar epidemias", explica.
Estes
exemplos não são únicos. Estão ameaçados quase todos os edifícios "de
matriz portuguesa ou inspirados no estilo português, como o antigo tribunal,
edifícios industriais como as 'pontes' [cais] do Porto Interior, a Fábrica de
Panchões, os [antigos] estaleiros [de Coloane], pátios e grupos urbanos como o
Pátio da Claridade, Pátio das Seis Casas e vários becos zonas características
na área do mercado de São Lourenço", diz.
Na
opinião do arquiteto, isto acontece porque o Governo não tem um plano para a
cidade e avalia os imóveis "caso a caso", muitas vezes
"reinterpretando a história" e o conceito de "autêntico".
"A
gestão é feita caso a caso. Tem muito que ver com dinheiro, nada se faz sem os
oligarcas locais", lamenta.
Além
desta gestão ser muito influenciada por fatores económicos, as revitalizações
de imóveis são também orientadas por uma vincada preferência para "o
moderno", apesar de a população mostrar predileção pelo tradicional, diz
Vizeu Pinheiro.
"Temos
de proteger o código genético do património, usando a linguagem arquitetónica
da tradição local. Porque é que a linguagem tradicional não pode ser
usada?", questiona, apontando que nesta gestão a população nunca é
consultada, o que denota uma "mentalidade de paizinho" por parte do
Governo e vai contra as diretivas da UNESCO, que define que os planos sobre o
património devem emanar "da comunidade para cima".
"Está
tudo centralizado no Instituto Cultural, [o património] é um 'trademark' do
Governo. Na China, a cultura tem uma componente política muito forte",
conclui.
A
UNESCO classificou o centro histórico de Macau como Património da Humanidade a
15 de julho de 2005.
ISG
// VM
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