Lisboa,
02 out (Lusa) -- O livro "O últimos dos colonos. Entre um e outro
mar", de João Afonso dos Santos, procura traçar o retrato de um Portugal
"de que hoje não imaginamos, salazarento e fechado", disse à Lusa o
autor.
A
obra relata a separação de uma família pelo mar, quando os pais de João e de
José Afonso, que se tornou um conhecido cantor e compositor de intervenção
política e renovador da canção coimbrã, os enviaram para Coimbra, tendo eles
ficado em Moçambique com a irmã mais nova, contou o autor, salientando que
aborda uma "questão ainda pouco tratada, que foi a ocupação de Timor-Leste
por tropas japonesas", durante a II Guerra Mundial (1939-1945), em que os
seus pais foram feitos prisioneiros pelas tropas nipónicas.
A
obra, disse à Lusa, é feita das suas memórias "e das memórias dos
outros", que ouviu e registou, trazendo a lume dois documentos de autoria
do seu pai, o juiz José Nepomuceno Afonso dos Santos, um deles é "uma
rememoração iniciada a bordo do paquete Angola, durante a vigem de regresso a
Portugal [vindo de Timor, depois de ter estado prisioneiro], e o segundo é a
reposta ao procedimento disciplinar contra ele instaurado, por iniciativa do
governador".
Sobre
este segundo documento, o autor afirmou à Lusa que "explica como a
autoridade se quis prevenir contra quem dela às vezes discordou, e lhe pôs a
fraquezas a nu".
Relativamente
a Timor-Leste, defende o autor que "Portugal entrou de facto na contenda,
pois o território sob sua administração, foi ocupado por tropas japonesas, e
Portugal, ou antes o refime, quis fazer de conta que nada aconteceu, era um
incómodo, mas houve facto gente portuguesa, como os meus pais e irmã, que foi
sujeita ás agruras da guerra, e vale a pena lembrar", enfatizou.
A
obra, com a chancela da Sextante Editora, mostra "o outro lado do
quotidiano em Portugal nas décadas de 1940 e 1950", até porque "as
pessoas hoje em dia têm muita dificuldade em saber como era viver nesse
tempo".
Um
tempo em que, "como a chuva miudinha do Estado Novo penetrou e humedeceu
os espíritos, de um moral obscurantista aliada a um proselitismo político. No
fundo, de um lado o salazarismo bafiento a impor valores nas escolas e liceus,
e do outro o padre na igreja, principalmente nas aldeias, chamando pecado a
tudo. Até se as raparigas tinham os cotovelos à mostra, calcule-se",
declarou.
"Em
1974, com a revolução, deu-se uma espécie de rutura no quotidiano do ponto de
vista de como as pessoas se comportavam socialmente, mas há nesta narrativa um
fundo familiar muito forte".
NL
// CC
Foto: Salazar, à esquerda, a fazer a saudação nazi.
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