quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Guerra comercial China-EUA faz primeira vítima em Macau


O Departamento de Comércio dos Estados Unidos acusou uma empresa local de fugir a taxas alfandegárias impostas a molas para colchões vindos da China. A Macao Commercial condena a decisão como “proteccionista”, numa altura de guerra comercial entre Pequim e Washington.

O Departamento de Comércio dos Estados Unidos chegou a uma conclusão preliminar de que as molas para colchões fabricadas em Macau com material vindo da China continental são uma forma de fugir às medidas ‘anti-dumping’ aplicadas a molas chinesas. A decisão, que pode impôr uma taxa alfandegária de 234,51 por cento aos produtos da Macao Commercial and Industrial Spring Mattress Manufacturer, foi publicada ontem no Boletim Oficial do Governo Federal dos EUA. Nelson Wu, director de vendas da empresa, disse ao PONTO FINAL que a decisão é “tendenciosa” e proteccionista.

O Presidente dos EUA, Donald Trump, tem vindo a impôr taxas alfandegárias a inúmeros produtos vindos da China, que acusa de fomentar competição desleal. O Governo Central já respondeu impondo também pesadas taxas a produtos norte-americanos. Embora as medidas ‘anti-dumping’ tenham sido impostas às molas chinesas em 2009 e a investigação à Macao Commercial tenha começado ainda durante a presidência de Barack Obama, Nelson Wu admite que a decisão tomada agora foi influenciada “em 50 por cento” pelo cenário de guerra comercial entre a China e os Estados Unidos. “Após Trump tornar-se Presidente, o caso começou a favorecer” a rival norte-americana Legget & Platt, que apresentou em 2014 uma queixa contra a Macao Commercial, diz o empresário.

Causa perdida

Foi em 2009 que o Governo de Washington impôs uma pesada taxa alfandegária a molas para colchões vindas da China continental, de forma a combater o ‘dumping’. Ou seja, as autoridades defenderam que as empresas chinesas estavam a vender estes produtos abaixo do preço de custo apenas para obrigar a concorrência norte-americana a fechar portas e garantir um domínio no mercado dos EUA. Nelson Wu reconheceu que a empresa só foi criada em 2010, após a introdução das medidas ‘anti-dumping’, “sobretudo a pensar no mercado dos Estados Unidos”. Desde 2014 que as autoridades têm feito avaliações regulares da Macao Commercial, a cada dois anos. O director de vendas sublinha que as autoridades dos EUA “não conseguiram pôr em causa que os nossos produtos sejam feitos em Macau”. A página da empresa na Internet inclui vídeos das máquinas para comprimir molas em funcionamento no 11º andar de um edifício industrial na Areia Preta.

No entanto, a decisão de ontem do Departamento do Comércio inverte o ónus da prova e conclui que a Macao Commercial “não conseguiu demonstrar que não tinha qualquer remessa de molas feitas na China” continental. “Claro que não concordamos e não queremos aceitar esta decisão”, diz Nelson Wu. As partes afectadas têm agora 60 dias para responder, mas no actual cenário o director de vendas da Commercial admite não estar confiante. “A luta desde o início que não tem sido justa”, lamenta o responsável.

Empregos em risco

O porta-voz da Macao Commercial defende que a decisão do Departamento de Comércio vai mesmo contra a lógica comercial. “Toda a gente sabe que não se produz mais nada em Macau senão casinos. Não há ninguém que pudesse fabricar a matéria-prima para nós em Macau”, explicou Nelson Wu. Ou seja, a empresa não teve outra opção senão importar arame de aço da China continental, que era “a maneira mais barata”, acrescenta o director de vendas. “Não vamos pagar mais para comprar arame de aço de outros países asiáticos só para que o Departamento de Comércio fique contente, não é assim que se fazem negócios”, diz Nelson Wu. Ainda assim, ele admite que no ano passado a empresa começou a importar também arame de aço de Portugal.

A taxa alfandegária de 234,51 por cento vai cobrir até todas as molas que a empresa vendeu para os Estados Unidos a partir de Novembro de 2016, altura em que começou oficialmente a investigação por alegada fuga às medidas ‘anti-dumping’. “A decisão vai afectar 100 por cento das vendas da Macao Commercial”, diz Nelson Wu, que confessa mesmo temer que os cerca de 20 trabalhadores da empresa tenham os empregos em risco.

A empresa pretende alterar o modelo de negócio, apostando em outro tipo de produtos e em outros mercados “para compensar o impacto”, diz o director de vendas. A Macao Commercial tem estado aliás a tentar transferir da China continental para a RAEM o fabrico de máquinas de compressão de molas, mas tem tido dificuldade em encontrar unidades industriais adequadas. Tratando-se de máquinas grandes e pesadas, “obviamente precisaríamos de um espaço no rés-do-chão”, explica Nelson Wu. Um “plano B” com o qual a Macao Commercial quer “fazer tudo o que for possível para manter os empregos”, promete o responsável.

Vítor Quintã | Ponto Final

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