quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Tribunal de Camberra inicia julgamento de delator de escutas em Timor-Leste


Canberra, 12 set (Lusa) - Dois homens acusados da divulgação de escutas ilegais australianas ao Governo timorense começaram quarta-feira a ser julgados pelo tribunal de Camberra, capital da Austrália, julgamento iniciado ainda sem a presença dos arguidos.

Os visados são o antigo espião 'Testemunha K' e o seu advogado, Bernard Collaery.

Na primeira sessão, o processo focou-se no tratamento que será dado às questões de segurança nacional, com o avanço do caso nos tribunais, tendo ambas as partes afirmado que iriam tentar chegar a um acordo antes da apresentação das acusações, em outubro, segundo avançou o canal televisivo australiano ABC.

A sessão de quarta-feira foi aberta ao público, mas o procurador-geral federal deverá pedir que várias provas sejam apresentadas à porta fechada, durante o julgamento.

o ex-espião e o advogado enfrentam uma pena máxima de dois anos de prisão, caso sejam considerados culpados pelo tribunal.

No exterior do tribunal da capital australiana, onde decorreu a primeira sessão, vários manifestantes pediram ao Governo federal que levantasse as acusações contra os dois suspeitos.

Em causa está uma denúncia por parte da 'Testemunha K', que divulgou um esquema de escutas montado pelos serviços secretos australianos em escritórios do Governo timorense, em Díli.

As escutas foram instaladas em 2004 por uma equipa liderada pela 'Testemunha K' durante obras de reconstrução dos escritórios, oferecidas como cooperação humanitária pela Austrália.

De acordo com os relatos, através das escutas, o Governo australiano obteve informações que permitiriam favorecer as intenções australianas nas negociações com Timor-Leste da fronteira marítima e pelo controlo da zona Greater Sunrise, uma rica reserva de petróleo e gás.

O tratado, que acabou por ser assinado, apontava que cada país teria 50% da área a explorar, embora a maior parte das reservas se encontrasse dentro de território timorense.

Quando tomou conhecimento da existência das escutas, Díli contestou o tratado e apresentou uma queixa contra a espionagem de Camberra junto do Tribunal Arbitral de Haia, argumentando que, devido às ações do Governo australiano, o acordo era ilegal.

Timor-Leste retirou a acusação como ato de boa fé e, em março de 2018, os dois países assinaram um novo tratado que delimitou uma fronteira marítima permanente entre os dois países, passando Díli a receber pelo menos 70% das receitas originárias da exploração do Greater Sunrise.

Desde 2012 que a 'Testemunha K' está retida na Austrália, depois de os serviços secretos australianos (ASIO) terem confiscado o passaporte, entre outros documentos.

Em 2016, a testemunha viu-se impossibilitada de viajar até Haia para prestar declarações, visto que o Ministério dos Negócios Estrangeiros australiano negou uma nova emissão do passaporte.

O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, disse esperar que "a Justiça seja feita".

"É nossa intenção que as coisas sejam conduzidas de uma forma que permita que a Justiça seja feita", disse Scott Morrison, em declarações aos jornalistas horas antes do início do julgamento.

"Terá sempre o apoio da Austrália e dos serviços consulares que qualquer australiano pode esperar. Mas ao mesmo tempo temos que respeitar as leis dos nossos vizinhos e de outros países", afirmou, numa conferência de imprensa transmitida em direto pelas televisões australianas.

Peter Galbraith, um ex-diplomata da ONU que integrou a equipa de Timor-Leste espiada em 2004, criticou a Justiça australiana relativamente ao caso.

Em declarações ao jornal britânico The Guardian, Galbraith considerou a acusação aos dois homens uma ação "vingativa e sem sentido", defendendo que a Austrália devia esquecer este "episódio pouco edificante".

Galbraith insistiu que a operação de espionagem conduzida contra ele e outros funcionários de Timor-Leste foi "claramente um crime" à luz da lei internacional.

JYO (ASP) // PVJ

Imagem: O advogado de Testemunha K, Bernard Collaery, à direita, com Andrew Wilkie, no centro.  Wilkie diz que a acusação é "um ato completo e absoluto de bastardia". Foto: Mike Bowers para The Guardian

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