Canberra, 12 set (Lusa) - Dois
homens acusados da divulgação de escutas ilegais australianas ao Governo
timorense começaram quarta-feira a ser julgados pelo tribunal de Camberra,
capital da Austrália, julgamento iniciado ainda sem a presença dos arguidos.
Os visados são o antigo espião
'Testemunha K' e o seu advogado, Bernard Collaery.
Na primeira sessão, o processo
focou-se no tratamento que será dado às questões de segurança nacional, com o
avanço do caso nos tribunais, tendo ambas as partes afirmado que iriam tentar
chegar a um acordo antes da apresentação das acusações, em outubro, segundo
avançou o canal televisivo australiano ABC.
A sessão de quarta-feira foi
aberta ao público, mas o procurador-geral federal deverá pedir que várias
provas sejam apresentadas à porta fechada, durante o julgamento.
o ex-espião e o advogado
enfrentam uma pena máxima de dois anos de prisão, caso sejam considerados
culpados pelo tribunal.
No exterior do tribunal da
capital australiana, onde decorreu a primeira sessão, vários manifestantes
pediram ao Governo federal que levantasse as acusações contra os dois
suspeitos.
Em causa está uma denúncia por
parte da 'Testemunha K', que divulgou um esquema de escutas montado pelos
serviços secretos australianos em escritórios do Governo timorense, em Díli.
As escutas foram instaladas em
2004 por uma equipa liderada pela 'Testemunha K' durante obras de reconstrução
dos escritórios, oferecidas como cooperação humanitária pela Austrália.
De acordo com os relatos, através
das escutas, o Governo australiano obteve informações que permitiriam favorecer
as intenções australianas nas negociações com Timor-Leste da fronteira marítima
e pelo controlo da zona Greater Sunrise, uma rica reserva de petróleo e gás.
O tratado, que acabou por ser
assinado, apontava que cada país teria 50% da área a explorar, embora a maior
parte das reservas se encontrasse dentro de território timorense.
Quando tomou conhecimento da
existência das escutas, Díli contestou o tratado e apresentou uma queixa contra
a espionagem de Camberra junto do Tribunal Arbitral de Haia, argumentando que,
devido às ações do Governo australiano, o acordo era ilegal.
Timor-Leste retirou a acusação
como ato de boa fé e, em março de 2018, os dois países assinaram um novo
tratado que delimitou uma fronteira marítima permanente entre os dois países,
passando Díli a receber pelo menos 70% das receitas originárias da exploração
do Greater Sunrise.
Desde 2012 que a 'Testemunha K'
está retida na Austrália, depois de os serviços secretos australianos (ASIO)
terem confiscado o passaporte, entre outros documentos.
Em 2016, a testemunha viu-se
impossibilitada de viajar até Haia para prestar declarações, visto que o
Ministério dos Negócios Estrangeiros australiano negou uma nova emissão do
passaporte.
O primeiro-ministro australiano,
Scott Morrison, disse esperar que "a Justiça seja feita".
"É nossa intenção que as
coisas sejam conduzidas de uma forma que permita que a Justiça seja
feita", disse Scott Morrison, em declarações aos jornalistas horas antes
do início do julgamento.
"Terá sempre o apoio da
Austrália e dos serviços consulares que qualquer australiano pode esperar. Mas
ao mesmo tempo temos que respeitar as leis dos nossos vizinhos e de outros
países", afirmou, numa conferência de imprensa transmitida em direto pelas
televisões australianas.
Peter Galbraith, um ex-diplomata
da ONU que integrou a equipa de Timor-Leste espiada em 2004, criticou a Justiça
australiana relativamente ao caso.
Em declarações ao jornal
britânico The Guardian, Galbraith considerou a acusação aos dois homens uma
ação "vingativa e sem sentido", defendendo que a Austrália devia
esquecer este "episódio pouco edificante".
Galbraith insistiu que a operação
de espionagem conduzida contra ele e outros funcionários de Timor-Leste foi
"claramente um crime" à luz da lei internacional.
JYO (ASP) // PVJ
Imagem: O advogado de Testemunha K,
Bernard Collaery, à direita, com Andrew Wilkie, no centro. Wilkie diz que
a acusação é "um ato completo e absoluto de bastardia". Foto:
Mike Bowers para The Guardian
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