Tribunal analisa providência cautelar sobre relatório da diocese de Díli
O Tribunal de Díli ouviu hoje argumentos sobre uma providência cautelar das alegadas vítimas de um ex-padre norte-americano acusado de pedofilia contra a arquidiocese de Díli para travar a publicação de um polémico relatório sobre o caso.
Em causa está um relatório preparado pelo ex-diretor da Comissão de Justiça e Paz, Hermínio de Fátima Gonçalves, que assinou uma suposta investigação ao caso que envolve Richard Dashbach, já condenado e expulso do sacerdócio pelo Vaticano e agora alvo de acusações do Ministério Público (MP) timorense.
O polémico relatório, que inclui dados das alegadas vítimas, tentou desviar todas a responsabilidade do ex-padre, procurando acusar as autoridades judiciais e policiais timorenses e as organizações que têm apoiado as vítimas de "abuso sexual coletivo" por alegadamente terem realizado exames forenses e audições às vítimas.
Várias das alegadas vítimas foram colocadas em residências de proteção, normalmente usadas pela polícia e pelo sistema judicial, mas o relatório alegou que foram "raptadas".
O relatório acusou as organizações de apoio às vítimas de serem "uma rede" que atua de "forma estruturada" com o Governo, procuradoria, setor da saúde e a polícia e alegou que a investigação foi "um crime organizado de exploração de crianças, de tráfico humanos e de justiça máfia".
Na sequência das notícias sobre o relatório, o arcebispo de Díli, Virgílio da Silva anunciou a exoneração do diretor da Comissão e autor do relatório, padre Hermínio de Fátima Gonçalves, considerando que o documento "não reflete a opinião do arcebispo e vai além da competência da Comissão".
Advogados da Juus -- que representa as alegadas vítimas de Dashbach -- pediram ao Tribunal de Díli que ordene à Arquidiocese que informe o tribunal sobre quantas cópias do relatório foram distribuídas e a quem.
Pedem ainda que as cópias sejam recolhidas e entregues ao Tribunal, procedendo a eliminação da sua publicação em qualquer local da internet.
Hoje, na audiência do caso, a defesa da Arquidiocese tentou primeiro invocar a concordata para questionar a validade da providência cautelar -- o pedido foi indeferido pelo tribunal -- e depois arrolou como testemunhas o autor do relatório e o ex-Presidente timorense, Xanana Gusmão.
Hermínio de Fátima Gonçalves garantiu que o relatório era um documento interno da arquidiocese e não era público e que apenas fez chegar duas cópias uma ao próprio arcebispo e outra a Xanana Gusmão que, por sua vez, no tribunal disse ter passado uma cópia à equipa da Juus.
Gonçalves referiu-se no seu depoimento a noticias escritas pelo jornal Tempo Timor e pela Lusa sobre o conteúdo do relatório.
Xanana Gusmão disse que era essencial garantir que a justiça "atua de forma justa" e confirmou que apenas entregou uma cópia à Juus, afirmando desconhecer quem o tornou público.
O líder histórico timorense acabou por se desviar várias vezes do propósito da audiência, referindo-se ao caso contra Dashbach em si, questionando o facto de haver acusações contra o ex-padre só recentemente, apesar de ele estar há muito tempo em Timor-Leste.
À saída da audiência, Xanana Gusmão disse que foi chamado a depor no Tribunal por ele próprio ter recebido uma cópia do relatório.
"Tem de haver justiça, mas a justiça tem de ser justa, obedecer a procedimentos, critérios que dignifiquem a própria justiça. Percebi que havia neste caso alguma coisa que não estava de acordo com as regras de investigação", explicou à Lusa.
"Mas vim para saber se fui eu que publiquei ou se sei quem publicou o relatório. EU recebi, mandei a determinadas pessoas. Mas quem andou a publicar não sei", afirmou.
Questionado sobre se tem confiança no sistema de justiça timorense, Gusmão disse que Timor-Leste está "no processo de construção do Estado", e que o sistema judicial "ainda está por se consolidar e precisa de muita melhoria para que a justiça sirva a justiça".
Ainda que o caso hoje em audiência se tratasse apenas de uma providência cautelar sobre o relatório, alguns membros do clero e outros apoiantes distribuíram mensagens nas redes sociais a chamar pessoas ao tribunal para defender o arcebispo e o padre Gonçalves da "acusação".
Um pequeno grupo de apoiantes, entre eles um coro de crianças, com cartazes em defesa do arcebispo e cruzes, concentraram-se no recinto exterior do Tribunal enquanto decorria a sessão.
A juíza anuncia a sua decisão sobre a providência cautelar no próximo dia 06 de novembro.
Lusa | ASP // FPA
Sem comentários:
Enviar um comentário