segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

PRO EMA, onde as jovens mulheres timorenses vulneráveis podem sonhar

Nas instalações do PRO EMA em Díli, Timor-Leste, a azáfama é constante. Ou se dão aulas de gastronomia, hotelaria e empreendedorismo ou se trata dos almoços e jantares no restaurante ou se fazem bolos para servir na cafetaria

É uma "roda-viva" de jovens mulheres timorenses que escolheram mudar o destino e que ousaram sonhar com uma vida diferente, melhor.

O Programa de Empoderamento de Mulheres e Adolescentes (PRO EMA) foi fundado pela brasileira Simone Assis, depois de ter trabalhado durante muitos anos com jovens e meninas vítimas de abuso sexual e em situação de risco.

Dados da Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, da ONU, indicam que em Timor-Leste mais de metade das mulheres com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos sofreram violência física ou sexual de um parceiro do sexo masculino.

As mulheres timorenses são também quem abandona o sistema escolar mais cedo, em média aos 16 anos.

"Uma das coisas que observei é que não adiantava só trabalharmos na questão da proteção, na questão do resgate daquelas meninas da situação que estavam a viver. Era preciso um programa", afirmou à Lusa Simone Assis.

"Um programa que empodere economicamente as meninas, mas não só economicamente, que também lhes dê a confiança de ser uma pessoa ativa na sociedade, de lutar pelos seus direitos e de ter uma voz dentro da sua família, da sua comunidade, também ser independente", explicou Simone Assis.

É assim que nasce em 2018 o PRO EMA, um programa que trabalha na questão do empoderamento económico das mulheres e adolescentes vulneráveis através da formação profissional, mas também na "questão da inteligência emocional, da questão da autoestima".

"Porque não adianta dar ferramentas, habilidades a uma pessoa se ela não acredita que é capaz de as usar. O que fazemos é esse trabalho integral", explicou Simone Assis, que é também psicanalista de formação.

O programa é também uma empresa social com autossuficiência financeira, com um restaurante, uma cafetaria, um hotel, salão de beleza, fábrica de chocolate, onde os jovens formandos praticam antes de irem para o mercado de trabalho, e que emprega 75 funcionários timorenses, a maior parte dos quais menores de 30 anos.

Com uma taxa de empregabilidade a rondar os 70% por cada ciclo de formação, alguns dos quais em Portugal, Simone Assis abriu em 2022 10% das vagas do programa a jovens rapazes.

Uma experiência que começou, depois de perceber que as jovens quando entravam no mercado de trabalho ou no local de trabalho "fugiam ao primeiro assédio ou se deixavam levar pela situação de assédio, não sabiam defender-se ou posicionar-se", disse.

Segundo Simone Assis, a experiência "foi maravilhosa". Não só as meninas começaram a quebrar barreiras e a perceber que se podiam relacionar com os rapazes de uma forma que "não era só sexual ou amorosa", como os rapazes se tornaram "agentes de mudança" ao compreenderem que tinham de respeitar as mulheres.

"Os nossos rapazes aqui tornaram-se agentes de mudança dentro dos grupos masculinos. Conseguimos entrar na comunidade masculina, que não conseguiríamos entrar com meninas", disse a psicanalista, que já aumentou para 20% as vagas para os rapazes.

No programa, os jovens podem estudar gratuitamente gastronomia, hoteleira, beleza, aprendem sobre empreendedorismo, mas, em primeiro lugar, o PRO EMA "começa a desenvolver uma coisa que os jovens timorenses não têm, um plano de vida", disse Simone Assis.

Questionada pela Lusa sobre as razões pelas quais os jovens timorenses em situação de vulnerabilidade social não têm sonhos, planos de vida, a psicanalista explicou que não "foram estimulados a sonhar", "eles sobrevivem e já estão felizes com isso".

"Querem qualquer coisa. Não foram motivados pelos pais a sonhar, foram criados para aceitar aquilo que chegasse às mãos deles, foram limitados na capacidade, no potencial, muitas vezes por questões culturais", explicou.

Simone Assis afirmou que em Timor-Leste, infelizmente, a educação ainda é muito regida pela violência e embora considere que a violência física é menor do que há 20 anos, quando chegou ao país, salientou que a violência verbal e psicológica persiste.

"Os pais não sabem o prejuízo emocional que estão a provocar nos filhos", lamentou.

O PRO EMA abriu na semana passada 100 vagas para novos alunos e recebeu 900 candidaturas.

Os jovens em Timor-Leste precisam de apoio e "não são o futuro, não são o amanhã, são o hoje", concluiu Simone Assis.

Isabel Marisa Serafim, da agência Lusa

MSE // VM | SAPO

Sem comentários: