quarta-feira, 21 de maio de 2025

O FEUDO TIMORENSE QUE MANTÉM O POVO NA MISÉRIA – Xanana, Horta e Associados*

20 de maio: independentes, mas oprimidos por dentro?

Diligente, editorial | * Título Timor Agora

Neste 20 de maio, Timor-Leste assinala mais um ano de independência. Uma conquista histórica, fruto de uma resistência heroica contra a ocupação indonésia. Mas que liberdade celebramos quando a soberania se esvazia de sentido, a justiça é manipulada, os serviços públicos estagnam e a dignidade do povo continua por cumprir?

O sonho nacional de um Estado justo e equitativo está por concretizar. As promessas da Restauração foram engolidas por um sistema onde a opacidade, o apadrinhamento e o desleixo se tornaram norma. A ilha ainda vive ao ritmo de falhas de eletricidade, estradas abandonadas, pobreza estrutural, redes de clientelismo e um Estado capturado por interesses paralelos.

Durante séculos, o povo timorense lutou contra a exclusão, a violência e a negação de direitos. Mas muitas dessas injustiças não terminaram com a independência: persistem hoje sob novas formas. A justiça, que deveria ser um dos pilares do Estado de Direito, continua fora do alcance de milhares. E o rosto da liberdade tornou-se o da sobrevivência — com crianças nas ruas a vender ovos, jovens a carregar cocos e adultos a transformar as estradas em mercados noturnos, sempre sob ameaça de perseguição.

Desde a independência, Timor-Leste aprovou sucessivos Orçamentos Gerais do Estado que somam dezenas de mil milhões de dólares, sustentados pelo Fundo Petrolífero. Mas ao contrário do que se esperaria de uma nação que saiu da guerra com a promessa de justiça e dignidade, os setores mais sensíveis – saúde, educação, agricultura e proteção social – têm sido sistematicamente subfinanciados.

No OGE de 2025, apesar de o orçamento total ultrapassar os 2,2 mil milhões de dólares, o setor da agricultura recebe apenas 2,3%. A educação fica com 9,2% e a saúde permanece cronicamente subfinanciada, apesar dos apelos da ONU, do Banco Mundial e de organizações da sociedade civil. Enquanto isso, setores como os “veteranos” absorvem quase 10% do orçamento, num investimento mais político do que estratégico.

Num país onde 46,7% das crianças sofrem de nanismo por desnutrição crónica, onde mais de 360 mil pessoas enfrentam fome severa e 42% da população vive abaixo da linha da pobreza, o Estado continua a falhar no mais básico: garantir o direito à alimentação, à saúde e à educação.

A nomeação de Afonso Carmona como Presidente do Tribunal de Recurso, ao abrigo de uma norma criada à pressa, simboliza a degradação do Estado de Direito. A nova lei foi aprovada de véspera e aplicada no dia seguinte, apesar de o nomeado não cumprir os requisitos legais. Juristas, deputados e o Provedor dos Direitos Humanos e Justiça denunciaram a violação da Constituição e da separação de poderes, mas o Presidente da República insiste que seguiu a lei.

O caso revela uma reforma judicial feita à medida dos interesses do momento. Em vez de fortalecer as instituições, alteram-se leis para legitimar decisões políticas. A Constituição não confere ao Presidente o poder de nomear dirigentes de tribunais, apenas de magistrados. Mas essa salvaguarda está a ser ignorada. A justificação dada para a nomeação — a falta de juízes disponíveis — expõe outra ferida: a carência de quadros qualificados, a morosidade dos processos e a exclusão da população rural do sistema judicial.

A exoneração súbita de membros do Conselho, como Lukeno Alkatiri, sem qualquer explicação oficial, e a substituição imediata por nomes próximos do poder político levantam suspeitas graves. A oposição, juristas, a JSMP e o próprio Provedor dos Direitos Humanos e Justiça já alertaram para a violação da Constituição e para os riscos de politização do sistema judicial. O silêncio institucional que se seguiu só reforça a desconfiança: quando até o topo do sistema judicial é manipulado, o que resta da democracia?

É apenas mais um exemplo de como os poderes formais são esvaziados por lógicas informais, heranças da resistência clandestina, onde redes pessoais e lealdades tribais se sobrepõem à legalidade. Em vez de serem desmanteladas, essas estruturas informais foram absorvidas pelo Estado — e continuam a reger decisões cruciais, como nomeações judiciais, processos legislativos e gestão de orçamentos.

Enquanto isso, Richard Daschbach, ex-sacerdote condenado por abusar sexualmente de menores, surge na lista de indultos enviados pelo Governo ao Presidente da República. A alteração à Lei do Indulto, aprovada em 2023, eliminou qualquer limite objetivo à clemência presidencial – permitindo perdoar até crimes de pedofilia e corrupção. Madalena Hanjam e Emília Pires já foram beneficiadas. Daschbach poderá ser o próximo.

O argumento usado é o das “razões humanitárias”. Mas e as vítimas? Quem lhes garante justiça, quem as ouve? Em nome da reconciliação, exige-se o perdão — mesmo que forçado. Mesmo que doa. O risco é transformar o indulto num instrumento de impunidade, e não de compaixão.

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