Díli,
03 jun (Lusa) - A resistência cultural, pacífica e criativa é uma arma contra
as injustiças no planeta, e pode ser motor de movimentos em vários setores,
defendeu hoje uma cineasta brasileira que documenta há vários anos esta
dimensão da luta civil.
"Nós,
civis, podemos usar as armas da nossa cultura, outras formas de fazer
resistência. Em todo o mundo as pessoas usam música, fotografia, poesia, dança
e outras avenidas, para promover a paz, a justiça, a reconciliação e o
movimento contra a guerra", disse Iara Lee à Lusa em Díli.
"Existe
uma apatia muito grande. Tanta guerra e violência que as pessoas trocam de
canal, ficam mais interessadas nas suas vidas. Tanta conexão mas com as pessoas
mais desconectadas e mais anestesiadas", comentou.
A
cineasta defende uma resposta, que inspire os jovens em locais onde os olhos da
comunidade internacional nem sempre estão, alternativa ao crescente "ativismo
de desktop", nas redes sociais, que "na maioria das vezes não se
traduz numa diferença no terreno".
Iara
Lee está em Timor-Leste para participar no Ciclo de Cinema sobre a Resistência
que decorre entre hoje e domingo na Fundação Oriente em Díli.
Natural
do Brasil e descendente de coreanos, Iara Lee é ativista, realizadora e
coordenadora do Cultures of Resistance Network. Em 2010 realizou o documentário
"Cultures of Resistance", em 2012 "The Suffering Grasses" e
em 2015 "Life is Waiting", sobre o Saara Ocidental.
Além
do projeto "Cultures of Resistance Network" o ciclo conta com um
conjunto de curtas-metragens de países como o Ruanda, Brasil, Congo, Birmânia e
Paquistão e a exibição de vários documentários, incluindo um brasileiro sobre
os Índios Xingu, um português sobre o Tarrafal e um sobre Timor-Leste.
"Acho
muito especial pode passar o filme sobre o Saara Ocidental aqui porque durante
muitos anos as pessoas achavam que não havia esperança para Timor-Leste e que
seria o Saara a ter autodeterminação. E depois de todos estes anos, a história
mostrou o contrário: Timor-Leste independente e o Saara continua à
espera", recordou.
Iara
Lee, que já visitou 170 países, une o seu trabalho de cineasta a um trabalho
mais "proactivo", realizando projetos através da sua Fundação
Culturas de Resistência (que se autofinancia com investimentos na bolsa) para
tentar ter impacto direto nas populações com quem contacta.
Uma
mudança que, explicou, começou a sentir necessidade de fazer depois de uma
visita em 2000 a um campo de refugiados afegãos no Paquistão, quando,
acompanhada de um operador de imagem, tentou registar as experiências dos
refugiados.
"Eles
começaram a atirar-nos pedras e a dizer: todos os dias chegam aqui fotógrafos,
jornalistas e nada muda. Expliquei que estava a tentar registar o seu
sofrimento e os seus apelos e eles disseram que já chegava. Que queriam
mudanças verdadeiras", disse.
"Para
alguém que faz este trabalho de documentação percebi que era importante dar
mais um passo. E por isso criei a fundação para tentar fazer projetos, de
pequena dimensão e tocar nas comunidades em si, de forma ativa", explicou.
Em
Timor o primeiro projeto será a atribuição de bolsas de estudo e apoio para que
dois alunos que estejam a terminar o secundário em cada um dos 13 municípios
timorenses possam estudar em universidades em Díli, numa iniciativa que deve
arrancar já no próximo ano letivo.
No
seu país, o Brasil, Iara Lee também documentou a cultura de resistência perante
uma 'guerra' que dura há muito tempo.
"Não
é uma guerra armada, mas se contar o índice de venda de armas, temos um dos
índices mais altos de uso por arma comprada, ou seja: quando uma pessoa compra
uma arma usa-a mesmo. Incluindo a polícia. E quando se contabilizam os mortos,
é equivalente a vitimas de uma guerra armada", disse.
Apesar
do muito que já viu, e dos poucos avanços em algumas das situações de injustiça
e desigualdade que documentou, Iara Lee garante que "quanto mais velha
mais idealista e mais dedicada" e que, por isso, continua a trabalhar para
procurar inspirar jovens.
"Trabalhamos
em países em conflito e pós-conflito onde há muito para fazer. Fazemos o nosso
singelo papel em ecologia, direitos humanos, direitos civis e apoio a mulheres
e jovens", explicou.
Sobre
os temas que hoje a inspiram Iara Lee destaca o combate "à muita injustiça
que continua a haver no mundo", à desigualdade em muitos setores, a
proteção ambiental.
"Há
muito para fazer. E todos podem ajudar. As pessoas dizem que não têm dinheiro.
Mas podem dar tempo. Ou podem dar as suas qualificações, as suas experiências,
podem ensinar", afirmou.
"Cada
um pode ajudar como pode e todos temos obrigação de contribuir. A vida é curta
e todos devemos fazer alguma coisa positiva", disse.
ASP
// JMR
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