Especialistas
consideraram hoje que a violência contra as mulheres timorenses permanece
elevada, com sociedade patriarcal que perpetua a desigualdade de género e
impede as mulheres de terem acesso a oportunidades de desenvolvimento.
Em
muitos casos, os progressos conseguidos limitam-se ao quadro legislativo, com
falta de apoio às vítimas ou insuficientes medidas para "mudar
mentalidades", afirmaram vários especialistas, no início da 6.ª
conferência da Associação de Estudos de Timor-Leste (TLSA, na sigla em inglês),
a decorrer na Universidade Nacional Timor Lorosa'e, em Díli.
Nurima
Alkatiri, ativista política militante da Fretilin, disse que apesar do processo
de luta pela igualdade de género, "que começou em 1974", as mulheres
timorenses "continuam a enfrentar muitos obstáculos a nível económico,
politico e social".
"Apesar
das garantias constitucionais de igualdade, a realidade é outra, com práticas
patriarcais fortemente entrincheiradas na sociedade timorense. A realidade é
que as mulheres continuam a ser as mais vulneráveis", frisou.
Elevadas
taxas de natalidade, de mortalidade materno-infantil e má nutrição, que afeta
particularmente mulheres e crianças, são alguns dos problemas mais graves,
destacou.
Quase
60% das mulheres foram vítimas de violência e as vítimas são
"estigmatizadas", com a população a usar a palavra 'estraga' para
designar uma violação, explicou.
"A
sociedade vê as mulheres violadas como 'estragadas'. Muitas são depois
marginalizadas pela família e pela sociedade", disse.
As
leis existentes não têm implementação adequada, muitos dos casos "só são
notificados se forem graves ou houver danos físicos graves (...) muitas formas
de violência não são reconhecidas como tal e o sistema judicial não consegue
lidar com o volume de casos", acrescentou.
A
"violação no casamento nem sequer é entendida. Muitos dos casos são
resolvidos dentro das famílias ou com mecanismos tradicionais em que as
decisões de mediação são tomadas quase sempre por homens", frisou.
"A
violência é aprendida e os jovens repetem ciclos que aprenderam. E as mudanças
na relação de género não são sempre bem aceites", considerou.
Domingas
Alves, uma das mais conhecidas ativistas em temas de género em Timor-Leste,
defendeu que as mulheres timorenses precisam de continuar a reforçar o ativismo
político no país.
"Mesmo
que Timor-Leste tenha regulamentos e leis, a situação das mulheres continua a
ter muitas questões para resolver. A mentalidade da sociedade não mudou e as
mulheres continuam a enfrentar muitos obstáculos", referiu.
"Isto
muda se as mulheres participarem mais ativamente na vida pública. Timor-Leste
precisa de reforçar o ativismo das mulheres na luta pelos seus direitos.
Precisa de empoderar as mulheres na vida política para que permaneçam ativas na
busca de uma sociedade justa e inclusiva", afirmou Domingas Alves.
Reconhecida
líder do movimento das mulheres em Timor-Leste, Domingas Alves dirigiu a
Organização Popular da Mulher Timorense (OPMT), organização criada pela
Fretilin [Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente] pioneira na defesa
dos direitos da mulher timorense.
Um
processo de luta que se manteve durante o combate à ocupação indonésia e que se
intensificou depois do referendo de 1999, levando à criação da "Rede
Feto" (Rede Mulher), que reúne 21 organizações da sociedade civil
timorense.
Apesar
dos desafios que persistem, Domingas Alves destacou os progressos conseguidos
em temas como a inclusão de questões de género na preparação orçamental, a
aprovação da lei contra a violência doméstica em 2010, ou a criação da Bolsa da
Mãe em 2014, programa que atualmente beneficia quase 55.500 famílias.
Entre
as medidas recomendadas contam-se mais apoio para prevenção de violência
doméstica, mais apoio para vítimas e mais investimento na educação para
"ajudar a ter uma mudança de mentalidades e, consequentemente, de
comportamentos", disse Nurima Alkatiri.
"A
mudança demora gerações, mas a curto prazo é necessário criar condições para
que as mulheres possam aproveitar as oportunidades existentes. E para isto a
vontade política é essencial", considerou.
A
conferência da TLSA, que tem previstos seminários em quatro línguas (português,
inglês, tétum e indonésio), é organizada conjuntamente pela UNTL, pela
Swinburne University of Technology (Austrália) e pela Universidade de Lisboa.
Desenvolvimento,
cultura e sociedade, história e relações internacionais, agricultura,
antropologia, pesca e assuntos económicos são alguns dos temas em debate ao
longo dos dois dias da conferência.
SAPO
TL com Lusa
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