sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Perspectivas de um leste-timorense sobre a destruição do Estado da Palestina


Com os últimos bombardeamentos de Israel à Palestina e sabendo-se que Israel quer estreitar relações com Timor-Leste, pedimos um comentário a M. Azancot de Menezes, professor timorense da Universidade de Díli (nota do editor).

M. Azancot de Menezes * | Jornal Tornado | opinião

Começo por transmitir uma palavra de solidariedade e amizade ao povo mártir palestiniano e expressar o meu total repúdio pelos selvagens e cobardes bombardeamentos israelitas contra um povo indefeso que luta pela sua sobrevivência e independência.

Em relação a estes últimos bombardeamentos de Israel contra o povo indefeso palestiniano, gostaria de citar o que escreveu um jornalista do Jornal El Pais, no passado dia 13 de Novembro:
"Um inesperado choque na escuridão da noite levou Israel e o Hamas às portas de uma nova guerra e Gaza, na maior escalada bélica do conflito desde 2014. Uma operação de forças especiais infiltradas terminou no domingo, 11, com sete milicianos palestinianos mortos e um oficial israelita abatido. O disparo de quase 400 projécteis da Faixa em represália pela acção encoberta foi seguido desde segunda-feira por dezenas de bombardeamentos maciços da aviação e artilharia israelita sobre 150 posições no enclave. O lançamento de foguetes Qasam e granadas de morteiro, por parte dos palestinianos, as incursões punitivas de helicópteros Apache e caças F-16, do lado de Israel, tensionaram os tambores de guerra em Gaza até o ponto de seu esgarçamento. O menor erro de cálculo na volátil escalada de tensão ameaça desencadear outra guerra aberta, como as três registadas na última década no enclave costeiro". - Juan Carlos Sanz, 2018
O conteúdo do artigo de Juan Carlos Sanz assemelha-se a muitos outros que inundam os órgãos de comunicação social, um pouco por todo o mundo. Penso que é importante, mais do que relatar as agressões de Israel ao Estado da Palestina, invocando o “extremismo” do Hamas, ir bem mais longe, e explicar com fundamentação histórica e política que o plano de Israel para a sua expansão teve início em 1897 no 1.º Congresso Sionista realizado em Basileia, em que foram principais congressistas judeus da Europa central. O “sionismo”, nome baseado na famosa colina de Sião, em Jerusalém, é antigo e remonta a 1887, como uma doutrina que procurava, já nessa altura, juntar os judeus.


O que dizem os factos históricos e políticos sobre as reivindicações justas dos palestinianos

Uma rápida revisão de literatura (Roux-Lanier, Pimbé, Lanot e Ropert, 1998) permite concluir que a ideia de se iniciar a colonização judaica já tem 117 anos. Em 1901, com meios financeiros significativos foi criado o Fundo Nacional Judaico, com o objectivo de se iniciar a fundação de colonatos judaicos, os conhecidos “Kibutz”, comunidades agrícolas de colonos judeus, mas, também, a criação de áreas urbanas, porque uns anos depois, em 1909, surgiu Telavive.

Os britânicos, por altura da primeira guerra mundial (1914-1918), quando o Império Otomano se aliou aos alemães, em troca de ajuda, prometeram aos árabes, e também aos judeus, um “lar nacional”, obviamente, uma promessa impossível de cumprir porque os árabes já reivindicavam o território há séculos.

No final da primeira grande guerra, os sionistas, aproveitando a “promessa” dos britânicos, iniciaram um processo de pressão contra a Inglaterra para a construção de um único Estado, o Judaico (!). Paralelamente, profundamente revoltados, os palestinianos procuraram apoio junto dos países árabes.

Em 1939, no início da 2.ª Guerra Mundial, havia pouco mais de sessenta mil judeus e quase um milhão e quatrocentos mil palestinianos, mas, a situação manteve-se num impasse, devido ao facto dos ingleses precisarem dos judeus para ajudaram a combater os alemães de Hitler.

Com o fim da 2.ª Guerra Mundial, em 1945, com o holocausto nazi, os judeus, após beneficiarem da simpatia da comunidade internacional aproveitaram a situação para a sua promoção, a retoma da expansão sionista para a construção de um único Estado na região, estratégia que se está a verificar, com o silêncio brutal da comunidade internacional, para além das habituais tímidas e ridículas declarações de contestação das Nações Unidas, como aconteceu durante anos com Timor-Leste ocupado pela Indonésia, e acontece com o Saara Ocidental ocupado ilegalmente por Marrocos.

A legitimidade da luta palestiniana é inquestionável

O rigor da cronologia histórica que descrevi poderá ser (eventualmente) questionado de forma pontual, contudo, no essencial dá para perceber e reconhecer a legitimidade inquestionável das aspirações do povo da Palestina.

É preciso ter presente que o desejo unilateral de Israel se tornar Estado nunca foi aceite pelos Estados da Liga Árabe e que por isso envolveram as suas tropas na Palestina. Após os violentos combates com Israel ocorridos em 1948, durante um ano, em que estes últimos saíram vencedores, originou-se a fuga de 700 mil palestinianos. E foi nesta altura que Israel decidiu ocupar as terras deixadas pelos autóctones, o que permitiu a entrada de mais de 4 milhões de imigrantes, desde que desejassem ter nacionalidade israelita.

Para agravar a situação, em 1967, os israelitas ocuparam a Cisjordânia e surgiram novos colonatos judeus. A partir da década de 70, houve uma certa aproximação entre Israel e os países árabes (acordos de Camp David) e somente na década de 90 tiveram início negociações entre a OLP de Arafat para criação do Estado Palestino nos territórios ocupados.

A verdade é que estamos em 2018 e a situação piorou, notando-se a ambição desmedida de Israel. A violação dos direitos humanos nos territórios ocupados do Estado palestiniano é assustadora e os donos da terra são prisioneiros de Israel.

A aproximação de Israel a Timor-Leste era inevitável

As Nações Unidas e o mundo, sem reacção, quase de forma cúmplice, estão a assistir à consolidação e expansão do sionismo, graças a Donald Trump, principal aliado de Israel, a que se juntou agora Bolsonaro, também de extrema-direita, cão de fila do presidente dos EUA.

Enquanto ser humano, em particular na qualidade de timorense, defendo de forma intransigente o direito do povo palestiniano em relação à defesa da sua justa luta. Aliás, este meu princípio inabalável no apoio à luta dos povos amordaçados e humilhados encaixa-se totalmente no âmbito do Direito Internacional, e no que é defendido na Constituição da República Democrática de Timor-Leste, nomeadamente no seu Artigo 10.º (Solidariedade):
"1. A República Democrática de Timor-Leste é solidária com a luta dos povos pela libertação nacional;
2. A República Democrática de Timor-Leste concede asilo político, nos termos da lei, aos estrangeiros perseguidos em função da sua luta pela libertação nacional e social, defesa dos direitos humanos, democracia e paz."
Sei que Israel quer aproximar-se e estreitar relações com Timor-Leste. Inclusivamente, Simona Halperin, embaixadora de Israel em Singapura e Timor-Leste, já apresentou credenciais ao nosso Presidente da República, no dia 23 de Fevereiro de 2018. Para além de que tem havido encontros entre Agio Pereira, Ministro de Estado e da Presidência do Conselho de Ministros (também interinamente Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Timor-Leste), e Simona Halperin.

Atendendo ao facto de Timor-Leste estar quase totalmente dependente dos EUA esta aproximação era previsível, em consonância com a estratégia internacional em curso, portanto, era inevitável. Mas, estou convencido, como a liderança timorense e os timorenses em geral conheceram de perto o sofrimento e a violação dos direitos humanos no tempo da ocupação do nosso país pela Indonésia, todos estarão atentos ao sofrimento e à luta justa do Povo Palestiniano.

De resto, o Estado timorense, também neste aspecto, terá que estar solidário com a luta do povo palestiniano por força da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, e muito mais, quando está em causa a violenta e vergonhosa violação dos direitos humanos no Estado da Palestina ocupado por Israel.


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