Com os últimos bombardeamentos de
Israel à Palestina e sabendo-se que Israel quer estreitar relações com
Timor-Leste, pedimos um comentário a M. Azancot de Menezes, professor timorense
da Universidade de Díli (nota do editor).
M. Azancot de
Menezes * | Jornal Tornado | opinião
Começo por transmitir uma palavra
de solidariedade e amizade ao povo mártir palestiniano e expressar o meu total
repúdio pelos selvagens e cobardes bombardeamentos israelitas contra um povo
indefeso que luta pela sua sobrevivência e independência.
Em relação a estes últimos
bombardeamentos de Israel contra o povo indefeso palestiniano, gostaria de
citar o que escreveu um jornalista do Jornal El Pais, no passado dia 13 de
Novembro:
"Um inesperado choque na escuridão da noite levou Israel e o Hamas às portas de uma nova guerra e Gaza, na maior escalada bélica do conflito desde 2014. Uma operação de forças especiais infiltradas terminou no domingo, 11, com sete milicianos palestinianos mortos e um oficial israelita abatido. O disparo de quase 400 projécteis da Faixa em represália pela acção encoberta foi seguido desde segunda-feira por dezenas de bombardeamentos maciços da aviação e artilharia israelita sobre 150 posições no enclave. O lançamento de foguetes Qasam e granadas de morteiro, por parte dos palestinianos, as incursões punitivas de helicópteros Apache e caças F-16, do lado de Israel, tensionaram os tambores de guerra em Gaza até o ponto de seu esgarçamento. O menor erro de cálculo na volátil escalada de tensão ameaça desencadear outra guerra aberta, como as três registadas na última década no enclave costeiro". - Juan Carlos Sanz, 2018
O conteúdo do artigo de Juan
Carlos Sanz assemelha-se a muitos outros que inundam os órgãos de comunicação
social, um pouco por todo o mundo. Penso que é importante, mais do que relatar
as agressões de Israel ao Estado da Palestina, invocando o “extremismo” do
Hamas, ir bem mais longe, e explicar com fundamentação histórica e política que
o plano de Israel para a sua expansão teve início em 1897 no 1.º Congresso
Sionista realizado em Basileia, em que foram principais congressistas judeus da
Europa central. O “sionismo”, nome baseado na famosa colina de Sião, em
Jerusalém, é antigo e remonta a 1887, como uma doutrina que procurava, já nessa
altura, juntar os judeus.
O que dizem os factos históricos
e políticos sobre as reivindicações justas dos palestinianos
Uma rápida revisão de literatura
(Roux-Lanier, Pimbé, Lanot e Ropert, 1998) permite concluir que a ideia de se
iniciar a colonização judaica já tem 117 anos. Em 1901, com meios financeiros
significativos foi criado o Fundo Nacional Judaico, com o objectivo de se
iniciar a fundação de colonatos judaicos, os conhecidos “Kibutz”, comunidades
agrícolas de colonos judeus, mas, também, a criação de áreas urbanas, porque uns
anos depois, em 1909, surgiu Telavive.
Os britânicos, por altura da
primeira guerra mundial (1914-1918), quando o Império Otomano se aliou aos
alemães, em troca de ajuda, prometeram aos árabes, e também aos judeus, um “lar
nacional”, obviamente, uma promessa impossível de cumprir porque os árabes já
reivindicavam o território há séculos.
No final da primeira grande
guerra, os sionistas, aproveitando a “promessa” dos britânicos, iniciaram um
processo de pressão contra a Inglaterra para a construção de um único Estado, o
Judaico (!). Paralelamente, profundamente revoltados, os palestinianos
procuraram apoio junto dos países árabes.
Em 1939, no início da 2.ª Guerra
Mundial, havia pouco mais de sessenta mil judeus e quase um milhão e
quatrocentos mil palestinianos, mas, a situação manteve-se num impasse, devido
ao facto dos ingleses precisarem dos judeus para ajudaram a combater os alemães
de Hitler.
Com o fim da 2.ª Guerra Mundial,
em 1945, com o holocausto nazi, os judeus, após beneficiarem da simpatia da comunidade
internacional aproveitaram a situação para a sua promoção, a retoma da expansão
sionista para a construção de um único Estado na região, estratégia que se está
a verificar, com o silêncio brutal da comunidade internacional, para além das
habituais tímidas e ridículas declarações de contestação das Nações Unidas,
como aconteceu durante anos com Timor-Leste ocupado pela Indonésia, e acontece
com o Saara Ocidental ocupado ilegalmente por Marrocos.
A legitimidade da luta
palestiniana é inquestionável
O rigor da cronologia histórica
que descrevi poderá ser (eventualmente) questionado de forma pontual, contudo,
no essencial dá para perceber e reconhecer a legitimidade inquestionável das
aspirações do povo da Palestina.
É preciso ter presente que o
desejo unilateral de Israel se tornar Estado nunca foi aceite pelos Estados da
Liga Árabe e que por isso envolveram as suas tropas na Palestina. Após os
violentos combates com Israel ocorridos em 1948, durante um ano, em que estes
últimos saíram vencedores, originou-se a fuga de 700 mil palestinianos. E foi
nesta altura que Israel decidiu ocupar as terras deixadas pelos autóctones, o
que permitiu a entrada de mais de 4 milhões de imigrantes, desde que desejassem
ter nacionalidade israelita.
Para agravar a situação, em 1967,
os israelitas ocuparam a Cisjordânia e surgiram novos colonatos judeus. A
partir da década de 70, houve uma certa aproximação entre Israel e os países
árabes (acordos de Camp David) e somente na década de 90 tiveram início
negociações entre a OLP de Arafat para criação do Estado Palestino nos
territórios ocupados.
A verdade é que estamos em 2018 e
a situação piorou, notando-se a ambição desmedida de Israel. A violação dos
direitos humanos nos territórios ocupados do Estado palestiniano é assustadora
e os donos da terra são prisioneiros de Israel.
A aproximação de Israel a
Timor-Leste era inevitável
As Nações Unidas e o mundo, sem
reacção, quase de forma cúmplice, estão a assistir à consolidação e expansão do
sionismo, graças a Donald Trump, principal aliado de Israel, a que se juntou
agora Bolsonaro, também de extrema-direita, cão de fila do presidente dos EUA.
Enquanto ser humano, em
particular na qualidade de timorense, defendo de forma intransigente o direito
do povo palestiniano em relação à defesa da sua justa luta. Aliás, este meu
princípio inabalável no apoio à luta dos povos amordaçados e humilhados
encaixa-se totalmente no âmbito do Direito Internacional, e no que é defendido
na Constituição da República Democrática de Timor-Leste, nomeadamente no seu
Artigo 10.º (Solidariedade):
"1. A República Democrática de Timor-Leste é solidária com a luta dos povos pela libertação nacional;
2. A República Democrática de Timor-Leste concede asilo político, nos termos da lei, aos estrangeiros perseguidos em função da sua luta pela libertação nacional e social, defesa dos direitos humanos, democracia e paz."
Sei que Israel quer aproximar-se
e estreitar relações com Timor-Leste. Inclusivamente, Simona Halperin,
embaixadora de Israel em Singapura e Timor-Leste, já apresentou credenciais ao
nosso Presidente da República, no dia 23 de Fevereiro de 2018. Para além de que
tem havido encontros entre Agio Pereira, Ministro de Estado e da Presidência do
Conselho de Ministros (também interinamente Ministro dos Negócios Estrangeiros
e da Cooperação de Timor-Leste), e Simona Halperin.
Atendendo ao facto de Timor-Leste
estar quase totalmente dependente dos EUA esta aproximação era previsível, em
consonância com a estratégia internacional em curso, portanto, era inevitável.
Mas, estou convencido, como a liderança timorense e os timorenses em geral
conheceram de perto o sofrimento e a violação dos direitos humanos no tempo da
ocupação do nosso país pela Indonésia, todos estarão atentos ao sofrimento e à
luta justa do Povo Palestiniano.
De resto, o Estado timorense,
também neste aspecto, terá que estar solidário com a luta do povo palestiniano
por força da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, e muito
mais, quando está em causa a violenta e vergonhosa violação dos direitos
humanos no Estado da Palestina ocupado por Israel.
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