segunda-feira, 8 de abril de 2019

Indonésia não se radicalizará apesar de crescente conservadorismo - especialistas


Jacarta, 06 abr (Lusa) -- A maior aparente devoção e crescente influência da religião na política Indonésia não deverá provocar uma maior radicalização do país, com sinais de contestação a essa tendência entre os defensores do tradicional secularismo e pluralismo nacional, segundo especialistas.

E mesmo que o assunto tenha figurado no debate da atual campanha para as eleições presidenciais, especialistas ouvidos pela Lusa defendem que dificilmente a Indonésia se aproximará sequer do grau de conservadorismo de Estado da vizinha Malásia.

"A Indonésia é um país que nem nunca chega aos teus piores receios nem consegue sempre alcançar as tuas esperanças", explica Sidney Jones, diretora do Institute for Policy Analysis of Conflict (IPAC), com sede em Jacarta.

"Estamos a ver o crescimento do conservadorismo e isso vai manter-se, mas a Indonésia não se vai transformar num Sudão, num Paquistão ou num Estado mais fundamentalista. Talvez o cenário mais negative seria ser uma nova Malásia, mas até isso acho improvável", refere em entrevista à Lusa.

Kevin Evans, diretor do Australia-Indonesia Centre, em Jacarta que também acumula vasta experiência no país, sugere aliás que o aumento do conservadorismo "não é uma tendência nova e tem vindo a ocorrer há algum tempo" e que o que se começa a notar, até, é uma maior reação a isso por parte do setor mais secular.

"Parece que na sociedade se começa a ouvir mais debate em defesa desse modelo mais inclusivo de identidade nacional, em vez de se sucumbir a essa visão de uma identidade religiosa e conservadora mais exclusivista que, pouco a pouco, cresceu ao longo dos últimos 30 anos", explica.

"Será interessante ver como os dois lados vão atuar. Penso que os que argumentam a favor dos valores tradicionais indonésios de pluralismo se estão a mostrar mais agitados", diz.

Evans sublinha, aliás, que mais do que divisões tradicionais de esquerda ou direita, ou ao longo de postura social ou classe, a polarização política no país se vive entre "os que se mantém firmemente agarrados a visões igualitárias, versus os que argumentam a favor de um maior papel para o Islão" no Estado.

E ainda que os temas dominantes sejam domésticos, Evans sugere que é comum aos dois lados do espetro político uma crescente contestação a um "envolvimento global", com "quedas no comércio" e a economia nacional "quase a retrair do 'mainstream' mundial".

Isso, defende, "terá os seus custos" já que sem os investimentos externos o país dependerá apenas do mercado doméstico que, apesar de significativo, poderá ter menor capacidade de expansão.

Jones sublinha, porém, que se vê "certamente mais aparente devoção", com "mais mulheres a usar o véu total na cara e uma maior pressão para participar nas orações de sexta-feira", a par de pressões de ativistas islâmicos que querem "um papel maior do Estado na incorporação de valores conservadores islâmicos na legislação".

"Defendem que o Estado deve ter um maior papel em promover valores morais, que o Estado proíba a distribuição de álcool ou a homossexualidade, ou de que ser capaz de ler o Corão deve ser um teste para funcionários públicos, algo claramente discriminatório para outros cidadãos", diz.

Do outro lado, nota, há um reforço da defesa da Pancasila, o conjunto de cinco princípios, assentes entre outros pilares no pluralismo religioso, que se tornou uma das bases da construção da identidade política, nacional e até identitária de um país complexo como é a Indonésia.

Um dos pontos de viragem no debate sobre a influência do Islão no país foi, claramente, o de Basuki Tjahaja Purnama, ex-governador de Jacarta, cristão e de etnia chinesa, mais conhecido por Ahok, que, depois de protestos de centenas de milhares de pessoas, foi condenado a dois anos de cadeia por blasfémia.

A sua condenação, fortemente contestada por grupos de direitos humanos, é considerada um ponto de viragem na questão da tolerância religiosa na Indonésia.

 "O caso assustou muita gente e mudou a dinâmica", recorda Jones, relembrando as três manifestações massivas contra Ahok, com centenas de milhares de pessoas -- "foram as maiores de sempre na Indonésia" - que praticamente bloquearam a capital

"O caso, o que fez, foi dar aos islamitas um sentido de poder e aos políticos a noção de que é importante ter estas pessoas ao seu lado", diz.

Foi um movimento, disse, que conseguiu "ditar a sua vontade ao Estado, forçando as autoridades a prender e condenar um Governador quando os próprios procuradores, a polícia e outras estruturas da lei concordaram que não havia sequer um motivo forte para uma acusação".

"Forçaram as instituições a declarar que o governador era culpado de blasfémia e na base dessa pressão esteve sempre um ameaça implícita de violência, de que não conseguiriam controlar as massas se esse não fosse o resultado", salienta.

"Esse é o poder das pessoas nas ruas. Ainda é minoritário, mas alguns dos valores expressados por este grupo estão agora refletidos nos muçulmanos mais 'mainstream'", refere Jones.

ASP // EL 

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