“Se o povo não for independente, o país não é independente” /Foto: DR
Quase cinco décadas após a Proclamação da Independência, Timor-Leste celebra a sua história, mas enfrenta ainda desafios profundos. A luta pela unidade, a superação da pobreza e o combate às desigualdades continuam a marcar o caminho para a verdadeira libertação do povo.
Assinalou-se ontem, 28 de novembro, o 49º aniversário da Proclamação da Independência de Timor-Leste, o momento em que a FRETILIN declarou unilateralmente a independência. Durante as celebrações em Díli, o primeiro-ministro, Xanana Gusmão, citou o discurso do presidente da República, Ramos-Horta, em Oé-Cusse, que apelou aos jovens para que não fiquem presos ao passado, embora segundo a célebre frase do filósofo, poeta e ensaísta George Santayana: “Aqueles que não conseguem recordar o passado estão condenados a repeti-lo”.
Para Manuel Vicente Talik da Cruz dos Reis, assessor da bancada da FRETILIN, a proclamação representou a vontade de quase todo o povo timorense, com exceção da APODETI, de se tornar um país independente. “Foi a proclamação de uma nação, de um povo. Naquele momento, muitos estavam firmes e determinados a hastear a bandeira no Palácio do Governo”, recordou, em entrevista ao Diligente.
No entanto, Talik Reis observou que o dia não tem sido devidamente celebrado, lamentando a falta de consciência sobre o seu verdadeiro significado. “Por que é que os chefes de aldeia têm de andar a mandar hastear a bandeira nas casas? Isso deveria ser iniciativa espontânea dos cidadãos”, afirmou.
Comparando com o país vizinho, Talik destacou que, antes do dia da independência, toda a população participa em atividades como marchas e jogos, enquanto os veteranos visitam escolas para partilhar a história. “É triste ver que aqui isso não acontece. Hoje é como um feriado qualquer. Alguns ainda sentem o valor deste dia, mas muitos consideram-no apenas mais um dia normal”.
Talik Reis alertou para o facto de muitos timorenses ainda não sentirem os benefícios da independência. O sonho da Proclamação era libertar o povo da miséria, garantindo bem-estar e serviços públicos adequados, para além de libertar a pátria. “Vinte e quatro anos depois da libertação da pátria, qual é o resultado da independência? Dizem que a luta ainda é longa. O que falta fazer? Qual é o próximo passo?”, questionou.
O assessor reconheceu os esforços da população em superar a miséria através de pequenas iniciativas, como o comércio informal, mas criticou a falta de apoio: “Em vez de os apoiarmos, reprimimos essas iniciativas.” Acrescentou ainda que a violência se tornou uma prática comum, passada de pais para filhos, perpetuando um ciclo preocupante.
Talik Reis sublinhou que a unidade foi a força que conquistou a independência e deve continuar a ser um princípio fundamental.
No seminário “Política e Reconciliação: de onde vimos, onde estamos e para onde vamos?”, realizado ontem, 28 de novembro, pela associação NetGen Innovation Hub (NGIH), o jurista Armindo Moniz sublinhou a importância do nacionalismo e do patriotismo, afirmando: “Desviar dinheiro do Estado para benefício próprio é o oposto desse espírito.”
Nos últimos dias, o Estado timorense tem promovido iniciativas de reconciliação, o que, para alguns, é interpretado como uma obrigação de perdoar aqueles que causaram sofrimento. Para Armindo Moniz, o modelo de reconciliação atualmente adotado pelo Estado não é o mais adequado, defendendo que o ponto central da reconciliação deve ser o reconhecimento da culpa por parte do suspeito, acompanhado de um pedido de perdão e a sua aceitação pelas vítimas.
A Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), no artigo 160.º, estabelece que os crimes contra a humanidade devem ser resolvidos através de tribunais nacionais e internacionais. O que aconteceu durante a invasão indonésia é classificado como crimes contra a humanidade. “Este tipo de reconciliação viola a Constituição e é um insulto ao povo, especialmente às vítimas, pois é como colocar sal nas suas feridas”, afirmou Armindo Moniz.
O dia da Proclamação da Independência, defendeu Talik Reis, não deve ser apenas um momento de celebração, mas também de reflexão. Dados preocupantes reforçam esta necessidade. Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), os cidadãos timorenses sobrevivem, em média, com apenas 1,60 dólares por dia, muito abaixo da linha internacional de pobreza (2,15 dólares).
O Índice Global de Fome (IGF) deste ano coloca Timor-Leste num nível sério de fome, com 27 pontos, ocupando 0 104.º lugar entre 127 países. 15,9% da população timorense sofrem de subnutrição.
Além disso, apenas 30% da população em idade ativa possui contratos de trabalho, segundo dados do Banco Mundial. Os restantes estão desempregados ou a trabalhar no setor informal. Muitos jovens procuram emprego no estrangeiro devido à falta de oportunidades no país.
O papel da juventude no futuro de Timor-Leste
Renato Esterlita, líder da associação NGIH, destacou a necessidade de iniciativas focadas no empoderamento e capacitação das novas gerações, para que compreendam a história e o impacto da política na sociedade.
Já Ermelito Amaral Gusmão, estudante de direito na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) presente no seminário, apelou à consciência coletiva dos jovens. “Precisamos de nos acolher uns aos outros, não de odiar. Apenas com compaixão e solidariedade conseguirmos libertar-nos.”
Alda Soares, estudante de Agronomia da UNTL, partilhou uma visão semelhante. “Conhecer e amar o meu país é essencial para contribuir para o seu desenvolvimento. O povo ainda não foi plenamente libertado. Muitos continuam a viver na miséria, com fome e sem acesso à educação ou saúde devido à pobreza”, frisou no final do seminário.
“Como Nicolau Lobato afirmou ‘se o povo não for independente, o país não é independente’”, reforçou Talik Reis comparando a pátria a uma mãe e o povo aos seus filhos. Se os filhos choram e têm fome, a mãe não pode sorrir.
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