terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Estudantes da UNTL detidos por desobediência e libertados por falta de provas

Doze estudantes universitários foram detidos pela PNTL durante uma manifestação contra a reitoria da UNTL, acusados de desobediência e perturbação da ordem pública. O reitor justificou a intervenção policial alegando insultos e a interrupção do seu trabalho durante três dias. No entanto, o Tribunal determinou a libertação dos estudantes por falta de provas de crime.

Antónia Martins | Diligente

Os estudantes da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) organizaram uma manifestação para exigir soluções imediatas para os problemas que enfrentam e melhorias nas condições da universidade. No quarto dia de protesto, 12 estudantes foram detidos pela Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) por bloquearem o acesso ao gabinete do reitor e por desobedecerem à ordem policial para desobstruir a entrada.

A manifestação teve início a 9 de dezembro, após a Associação Académica Estudantil da UNTL ter entregue uma carta de aviso prévio ao reitor, João Soares Martins, informando sobre a realização do protesto.

Contudo, segundo o reitor, a carta indicava que a manifestação ocorreria apenas no dia 9 de dezembro, entre as 8h e as 12h, sem qualquer menção à sua continuidade por tempo indeterminado.  Sem uma solução para os seus pedidos, os estudantes decidiram prolongar o protesto e bloquearam o acesso à reitoria no dia seguinte. O reitor informou os manifestantes de que o prazo estipulado na carta de aviso já tinha expirado e que a continuidade da manifestação violava o regulamento interno da universidade.

Intervenção da PNTL e detenção dos manifestantes

A partir de 10 de dezembro, os estudantes trancaram a porta de acesso ao gabinete do reitor, dificultando o funcionamento da reitoria, especialmente a preparação para a cerimónia de graduação prevista para os dias de 19 e 20 de dezembro. “A graduação poderá ser cancelada se o meu trabalho for interrompido”, alertou o reitor.

Sem meios de segurança suficientes para conter a situação, o reitor pediu o apoio da PNTL. No mesmo dia, os agentes deslocaram-se ao local e ordenaram aos estudantes que desobstruíssem o acesso. No dia seguinte, face à continuidade do bloqueio, a PNTL estabeleceu o prazo de 24 horas para abrir a porta, sob pena de intervenção forçada.

No dia 12 de dezembro, os policiais destrancaram a porta e detiveram 12 manifestantes, conduzindo-os à esquadra de Dom Aleixo, em Díli. Segundo o reitor, os universitários atiraram um caixão contra os agentes policiais. No entanto, Denilson Ganna, membro da associação, afirmou que foram os próprios polícias a atirar o caixão contra os estudantes, que reagiram da mesma forma. Até ao momento da publicação, o Diligente ainda não obteve qualquer resposta oficial da PNTL.

O reitor João Soares Martins afirmou ter sido alvo de “insultos duros e humilhantes” durante a manifestação. “A manifestação é um direito e uma liberdade, mas deve respeitar o código de conduta da universidade e não insultar ou amaldiçoar pessoas com caixões”, lamentou o reitor. Porém, Denilson Ganna negou que tivessem ocorrido insultos.

O ato foi criticado também pelo provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres: “a PNTL não tem nenhuma base legal para intervir numa universidade, pois todos sabemos que esta é uma entidade autónoma que funciona com liberdade académica, e a intervenção da PNTL está fora do seu papel”. Virgílio Guterres afirmou que a PDHJ não tem poder judicial para impor sanções contra esta irregularidade, só o Tribunal e o Ministério Público, pelo que os manifestantes devem apresentar queixa.

O jurista Armindo Amaral observou que, depois da independência e num Estado de direito democrático, continua a haver “detenção ilegal, o que aconteceu neste contexto, em que não há indícios fortes para fazer a detenção”. Segundo o jurista, a detenção de 72 horas só se aplica aos suspeitos de crime grave, porque a detenção retira a liberdade das pessoas devido ao medo de fuga ou de repetir o ato. “Isso não se aplica aos estudantes que organizaram manifestação. Os estudantes devem fazer queixa contra a PNTL”, afirmou.

Já o comandante da operação do Comando-Geral da PNTL, José Soares, defende que a PNTL tem a competência de deter pessoas durante 12 horas para fazer investigação, no caso de haver suspeita de crimes. Referiu que, neste caso, os estudantes foram acusados de crime de desobediência à autoridade de segurança que pediu para desbloquear a reitoria dentro de 24 horas e o crime de perturbação da ordem pública por obstruir o acesso ao escritório.

“Se, depois de investigação durante 12 horas, não houver indícios de crime, a pessoa deve ser libertada, e se não for libertada depois de uma hora, isso viola os direitos humanos”, informou o comandante.

No entanto, depois de o caso chegar ao Tribunal, os manifestantes foram libertados no dia 14 de dezembro, dois dias depois da detenção.

Intervenção da PNTL no campus criticada por várias entidades 

Para os membros da Associação Académica Estudantil da UNTL, a presença da polícia na universidade “ameaça a democracia e a autonomia universitária”. Os estudantes lamentaram o facto de o reitor não conseguir resolver os problemas internos e de recorrer ao apoio das forças policiais, demonstrando, segundo eles, uma incompreensão dos princípios de democracia e autonomia da universidade. Os estudantes acusaram o reitor de “incapacidade e atitude antidemocrática”.

“A UNTL não é um campus militar ou ditatorial, e os estudantes não são criminosos, vândalos ou traidores”, afirmou Denilson Ganna, membro da associação estudantil, durante uma conferência de imprensa realizada na passada sexta-feira (13/12).

A associação pediu ainda que a PNTL fosse mais bem informada sobre as leis, para que os seus agentes não agissem fora do que está estipulado. Os manifestantes comprometeram-se a continuar a lutar pelos direitos e interesses dos estudantes universitários, mesmo após a intervenção policial solicitada pelo reitor.

O jurista Armindo Amaral destacou que, no contexto da democracia universitária, os estudantes devem ter garantido o direito de apresentar as suas preocupações à estrutura da universidade, incluindo o direito a manifestações. “A intervenção da PNTL no campus é uma humilhação e uma ameaça séria à democracia em Timor-Leste”, afirmou.

“Nem no tempo da Indonésia, quando havia uma polícia de natureza colonial e repressiva, se viram agentes policiais a entrar no recinto universitário, pois o campus garante a liberdade e a autonomia dos estudantes para se expressarem”, disse o jurista, acrescentando que a intervenção da PNTL violou a autonomia do campus e que o reitor não compreendeu o verdadeiro significado dessa autonomia.

Armindo Amaral explicou que a autonomia do campus abrange a realização de pesquisas, serviços sociais, a escolha dos métodos de ensino e a liberdade de manifestação. Acrescentou que a PNTL só pode intervir no campus em caso de crime. “O artigo 147 da Constituição da RDTL estabelece que a PNTL garante a democracia, mas o que fez foi comprometer a democracia, o que constitui abuso de poder. As outras universidades devem mostrar solidariedade e unir-se para travar estas ações”, alertou.

“O artigo 147.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL) estabelece que a polícia defende a legalidade democrática e garante a segurança interna dos cidadãos, sendo rigorosamente apartidária”, explicou o comandante.

Para o Provedor dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), Virgílio Guterres, o facto de a UNTL, uma entidade autónoma, pedir apoio a outra instituição para resolver um problema interno revela má governação, que a PDHJ deverá fiscalizar. A PDHJ apelou a todas as entidades para que respeitem a independência e a liberdade académica.

Na sua defesa, o reitor João Soares Martins afirmou que a autonomia do campus se refere à autonomia pedagógica, científica, financeira e patrimonial. “Não se refere à autonomia para proferir insultos durante manifestações, nem para perturbar a aprendizagem dos estudantes e o trabalho da reitoria. Bloquear o acesso à reitoria é crime”, argumentou.

O comandante da operação do Comando-Geral da PNTL concordou que a UNTL tem autonomia, mas sublinhou que “foi o próprio superior da universidade que pediu a intervenção da PNTL, porque as atividades do responsável estavam a ser impedidas”. José Soares referiu ainda que o artigo 147.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL) atribui à PNTL a obrigação de garantir o funcionamento dos serviços públicos. “Não estamos a pensar em fazer o bem ou o mal, mas a atuação foi realizada de acordo com a lei e com as competências atribuídas à PNTL.”

Problemas levantados pelos manifestantes

Os estudantes exigem a melhoria das condições de estudo, apontando a falta de cadeiras e mesas, a escassez de equipamentos, como projetores, o número insuficiente de casas de banho e a avaria dos ares condicionados.

Os manifestantes solicitaram ainda esclarecimentos sobre o destino das contribuições de 20 dólares feitas por cada estudante no ato de matrícula, associando a cobrança ao facto de os problemas não terem sido resolvidos ao longo do tempo.

Em resposta, o reitor da UNTL afirmou que a universidade não tem obrigação de prestar contas diretamente aos estudantes, mas sim ao Conselho Geral de Gestão. Acrescentou que os fundos foram utilizados com o conhecimento dos membros do Conselho, garantindo a boa utilização dos recursos.

No entanto, durante uma reunião entre a Associação Académica Estudantil e a estrutura da universidade, o reitor apresentou um relatório financeiro, mas os estudantes consideraram que os detalhes apresentados eram insuficientes.

Relativamente à resolução dos problemas de infraestruturas, o reitor afirmou que os estudantes devem primeiro contactar o vice-reitor para os assuntos económicos e só recorrer ao reitor em último recurso.

“A falta de cadeiras, talvez, tenha sido uma manipulação dos professores, que as retiraram e pediram aos estudantes para se sentarem no chão, a fim de tirarem fotografias”, afirmou o reitor. Quanto aos projetores, defendeu a necessidade de haver consenso entre os estudantes para gerir os projetores existentes. Sobre as casas de banho, João Soares Martins afirmou que algumas já foram reparadas.

No entanto, David Cabral, estudante do Departamento de Língua Portuguesa, relatou que, muitas vezes, os estudantes têm de procurar cadeiras noutras salas para poderem assistir às aulas, devolvendo-as depois. Cada sala tem, em média, 20 a 30 cadeiras, enquanto as turmas têm mais de 30 alunos. “Muitas cadeiras estão estragadas e bastava que a UNTL as reparasse”, sugeriu.

David relatou ainda que, desde que ingressou na UNTL, em 2020, os ares condicionados e as ventoinhas das salas do Liceu nunca funcionaram. Esta situação afeta alguns estudantes, que têm dificuldade em suportar o calor. “É triste, porque, nos gabinetes dos decanos, se algo avaria, os técnicos vêm logo fazer a reparação, mas para nós, não há qualquer resposta, mesmo depois de vários anos”, lamentou o estudante.

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