Durante
dez anos, Força Aérea americana bombardeou o país asiático com toxinas
poderosas. Seus efeitos vão de câncer a malformações físicas e mentais, mesmo
40 anos após o fim da guerra.
O
codinome "Operação Ranch Hand" (ajudante de fazendeiro) soa bastante
inócuo. Mas nada poderia estar mais longe da verdade: sob essa capa, de 1961 a
1971 foram despejados cerca de 80 milhões de litros de herbicidas e
desfolhantes sobre o Vietnã do Sul.
Visando
destruir as safras do inimigo e dizimar as selvas em que se escondiam os
vietcongues e o Exército do Vietnã do Norte, cerca de 16% do território do país
foi bombardeado com toxinas.
Entre
elas, a mais utilizada era a dioxina, apelidada agente laranja. Os pilotos da
Força Aérea dos Estados Unidos o despejavam abundantemente sobre a vegetação,
na proporção de até 14 quilômetros em menos de cinco minutos. E, desse modo,
criaram um problema cujas raízes não eram imediatamente visíveis: o impacto
dessa carga tóxica sobre a saúde.
Passou-se
a pesquisar uma possível correlação nos anos seguintes aos bombardeios
químicos, quando tanto veteranos de guerra americanos como a população
vietnamita começaram a acusar taxas elevadas de câncer, distúrbios digestivos,
respiratórios e epidérmicos – assim como abortos espontâneos e crianças com
defeitos congênitos.
O
exame das especificações do agente laranja não forneceu indicações sobre nada
capaz de provocar tal catálogo de sintomas. Porém, a análise minuciosa de
amostras de produção demonstrou que o principal composto patogênico poderia ser
um subproduto da dioxina.
Falta
de pesquisas
Exatos
40 anos após o fim da guerra que, calcula-se, matou 3 milhões de pessoas, as
questões relativas à potência e alcance dessa substância tóxica seguem em aberto. E são cada vez
mais difíceis de responder, à medida que nascem no Vietnã uma segunda e, agora,
uma terceira geração de crianças apresentando alta incidência de deficiências
como síndrome de Down, paralisia cerebral e desfiguração facial extrema.
Jeanne
Mager Stellman, especialista da Universidade de Colúmbia no uso do agente
laranja e outros herbicidas durante a Guerra do Vietnã, vem se engajando há
décadas pelo reconhecimento das implicações das dioxinas. No entanto, ela se
queixa que a falta de pesquisas abrangentes dificulta muito definir com
precisão a natureza de uma das substâncias mais tóxicas conhecidas.
"Apesar
de toda a certeza que todos associam às enfermidades e defeitos congênitos
constatados, não conseguimos definir de fato quais são os impactos de longo
prazo", comenta. "O Agente Laranja faz soar o alarme, mas os outros
herbicidas usados não eram benignos."
Ela
cita o Agente Azul, que contém arsênico e inibe a absorção do ácido fólico –
forma da vitamina B cujo consumo é aconselhado às grávidas para assegurar o bom
desenvolvimento fetal.
Outros
"agentes"
Richard
Guthrie, analista de técnicas da guerra química e biológica, confirma que é
importante não esquecer os efeitos dos agentes Azul e Branco, ambos também
despejados sobre o Vietnã a partir de 1966.
Ao
mesmo tempo, porém, ele se diz convencido de que o Agente Laranja teve impacto
duradouro sobre a saúde da população vietnamita. Guthrie também considera
"muito plausível" a dedução de que a dioxina seja a causa direta dos
defeitos congênitos documentados até hoje no país.
Nick
Keegan, diretor de desenvolvimento econômico da Fundação Kianh, no Vietnã, não
concorda inteiramente. Ele trabalha com crianças excepcionais do distrito de
Dien Ban, onde elas são mais de mil, numa população total de 200 mil. Há
indícios de que a área sofreu bombardeios pesados durante a guerra.
Segundo
ele, mesmo os pais atribuem as deficiências a causas diferentes. "Temos
lidado com famílias que acreditam que [as deficiências] sejam diretamente
relacionadas ao Agente Laranja. Mas algumas, por razões culturais ou
espirituais, acham que tiveram má sorte."
Ainda
assim, Keegan admite que a alta incidência e os dados históricos o levam a
parar e pensar, para "questionar os fatores contribuintes".
Transferência
genética é questão central
Segundo
a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma vez que as dioxinas penetram no
corpo, elas perduram por muito tempo, devido a sua estabilidade química e
capacidade de serem absorvidas pelo tecido adiposo. Isso lhes confere uma meia-vida
– o tempo necessário para sua concentração no organismo se reduzir à metade –
de sete a 11 anos.
Jeanne
Stellman diz que essa dissolução gradual torna a pesquisa ainda mais difícil.
Ela insiste que a questão científica crucial sobre a dioxina é se ela exerce
efeitos epigenéticos – alterações ao DNA e, possivelmente, ao RNA – que não são
mutações, mas sim outras mudanças na estrutura química.
Essencial
é também saber se essas mudanças podem ser transferidas de uma geração para a
seguinte. "No caso do Vietnã, quanto dessa alteração epigenética transita
pela linha paterna e é herdável?", indaga a pesquisadora da Universidade
de Colúmbia.
Entretanto,
ela também enfatiza a necessidade de considerar outros fatores – como
subnutrição, estresse, moléstias parasitárias e o atual emprego de pesticidas
–, ao tentar compreender os padrões relacionados aos defeitos congênitos. Em
alguns desses casos, já foram estabelecidas conexões.
Bloqueio
político
Entretanto
uma pesquisa abrangente seria única maneira de entender exatamente o que está
acontecendo no Vietnã e até que ponto o Agente Laranja é um fator nas
deficiências infantis, defende Jeanne Stellman. Isso não exigiria investimentos
significativos, mas sim engajamento político. E ele é insuficiente.
"Há
bloqueio intencional por parte de alguns elementos do governo dos Estados
Unidos", acusa, apontando também a presença de "forças potentes"
opostas a uma investigação abrangente no Vietnã. Como exportador de peixe-gato
e outros gêneros alimentícios, aquele país do Sudeste Asiático não quer dar ao
mundo a impressão de estar poluído com dioxina.
Diante
desse contexto, ela questiona se os estudos necessários jamais chegarão a ser
realizados. "Quanto mais esperamos, mais difícil a coisa se torna.
Enquanto todo o mundo discute 'quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete',
ninguém está abordando a questão básica, em si. É tudo uma enorme tragédia
humana."
Tamsin
Walker (av) - Deutsche Welle
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