terça-feira, 5 de maio de 2015

POR UM ENSINO DA LÍNGUA EM MOVIMENTO


Imagine uma aula de língua portuguesa. O que vem à sua mente? Muito provavelmente você se lembrou de assuntos como conjugação dos verbos, ortografia, classificação sintática etc. Essas e outras questões de gramática costumam ser muito trabalhadas nas aulas de português (e também de outras línguas). Mas e a leitura e produção de textos escritos? E a prática da língua oral (fala e escuta)? Esses aspectos fundamentais na aprendizagem da língua muitas vezes ficam esquecidos, quando na verdade eles deveriam ser o foco das atenções na sala de aula. O estudo da gramática é muito importante, mas não pode ser a única e nem a principal preocupação no ensino e aprendizagem de uma língua.

As línguas são, antes de mais nada, instrumentos de comunicação entre os indivíduos. Por meio dela, comunicamos fatos, ideias, conceitos e sentimentos. Quando estudamos uma língua (seja ela materna ou não), precisamos ter em mente que esse é o objetivo fundamental do aprendizado: compreender e se expressar melhor, na fala e na escrita, em todas as situações em que precisamos usar aquela língua. Estudar a gramática é uma ferramenta que temos para conseguir manejar a língua com mais facilidade, e assim utilizar todos os seus recursos para comunicar melhor as ideias.

Cada língua tem sua própria estrutura ou sistema de funcionamento, que é a sua gramática. Para saber falar e escrever uma língua, não precisamos conhecer a fundo sua gramática, mas seu estudo pode nos ajudar a melhorar nossa comunicação. É como se fosse um automóvel: não precisamos conhecer todas as peças, saber montá-las e desmontá-las para aprender a dirigir; mas se estudarmos mecânica automotiva, saberemos melhor como fazer a manutenção e poderemos aproveitar ao máximo o potencial do veículo.

A gramática que se estuda na escola é, geralmente, a chamada gramática tradicional ou gramática normativa. Essa gramática pretende dizer o que é “certo” e o que é “errado” na língua. Na verdade, ela apenas descreve a norma padrão, ou seja, um conjunto de regras socialmente bem visto e utilizado em situações formais de comunicação, como ao redigir um documento, por exemplo. O conhecimento da norma padrão é, sem dúvida, muito importante para que o indivíduo consiga circular nos meios letrados da sociedade, e por isso, é compreensível que a escola se preocupe tanto em ensiná-la. O problema está na maneira como normalmente se faz isso.

Baseando-se em um modelo de ensino conservador, muitos professores ainda acham que ensinar a língua é apenas ensinar a tal “língua correta”. Preocupam-se mais em fazer seus alunos decorar regras do que em levá-los a raciocinar, e dão mais atenção aos pormenores gramaticais do que à reflexão sobre a língua e as ideias que se podem expressar por meio dela. Essa forma de trabalhar é mais cômoda, pois assim não é necessário pensar muito – basta carregar sempre o mesmo velho livro de regras debaixo do braço, e reproduzir incansavelmente uma receita pronta de “aula de português” que já existe há séculos.

Entretanto, além de esse método tornar a aula um tanto desinteressante, o resultado costuma não ser o esperado. Quando o aluno apenas decora e repete regras em frases soltas, sem contexto, está aprendendo a montar e desmontar um carro sem, no entanto, saber dirigi-lo. Isso significa que ele pode até aprender a fazer complicadas classificações gramaticais e, contudo, ter muita dificuldade para compreender um texto ou escrever com coerência e clareza de ideias.

A maneira mais eficiente de aprender a norma é tendo contato com textos falados e escritos que a seguem. Muito melhor do que ficar decorando regras e exceções é pôr a língua em uso, ou seja, praticar: ler, ouvir, falar e escrever muito. Isso vale tanto para o aprendizado da própria língua materna quanto para segunda língua. Somente depois de ter contato com a língua viva – o texto – é que podemos dissecá-la para analisar seus sistemas internos de funcionamento, que são as regras gramaticais.

Embora a gramática seja um assunto muito interessante, ela deve ser estudada como um instrumento para aperfeiçoar o uso da língua, e não como o objetivo em si. De que adianta, por exemplo, saber classificar o sujeito da oração se a pessoa não consegue se expressar com clareza? Não faz sentido estudar mecânica para montar um carro, peça por peça, e deixá-lo parado num canto, sem nunca andar nele. Assim também, a língua não nos serve para nada se não tivermos nada para ouvir ou dizer, ler ou escrever nela. Precisamos, portanto, voltar nossa atenção para o texto (seja ele falado ou escrito), pois ele representa a língua em pleno funcionamento. O texto é a base de toda comunicação, e se desejamos aprender ou ensinar uma língua é porque queremos nos comunicar por meio dela.

Matadalan - Vivian Paixão, profa. Mestre em Letras Vernáculas (PQLP/CAPES)

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