Imagine
uma aula de língua portuguesa. O que vem à sua mente? Muito provavelmente você
se lembrou de assuntos como conjugação dos verbos, ortografia, classificação
sintática etc. Essas e outras questões de gramática costumam ser muito
trabalhadas nas aulas de português (e também de outras línguas). Mas e a
leitura e produção de textos escritos? E a prática da língua oral (fala e
escuta)? Esses aspectos fundamentais na aprendizagem da língua muitas vezes
ficam esquecidos, quando na verdade eles deveriam ser o foco das atenções na
sala de aula. O estudo da gramática é muito importante, mas não pode ser a
única e nem a principal preocupação no ensino e aprendizagem de uma língua.
As
línguas são, antes de mais nada, instrumentos de comunicação entre os indivíduos.
Por meio dela, comunicamos fatos, ideias, conceitos e sentimentos. Quando
estudamos uma língua (seja ela materna ou não), precisamos ter em mente que
esse é o objetivo fundamental do aprendizado: compreender e se expressar
melhor, na fala e na escrita, em todas as situações em que precisamos usar
aquela língua. Estudar a gramática é uma ferramenta que temos para conseguir
manejar a língua com mais facilidade, e assim utilizar todos os seus recursos
para comunicar melhor as ideias.
Cada
língua tem sua própria estrutura ou sistema de funcionamento, que é a sua
gramática. Para saber falar e escrever uma língua, não precisamos conhecer a
fundo sua gramática, mas seu estudo pode nos ajudar a melhorar nossa
comunicação. É como se fosse um automóvel: não precisamos conhecer todas as
peças, saber montá-las e desmontá-las para aprender a dirigir; mas se
estudarmos mecânica automotiva, saberemos melhor como fazer a manutenção e
poderemos aproveitar ao máximo o potencial do veículo.
A
gramática que se estuda na escola é, geralmente, a chamada gramática
tradicional ou gramática normativa. Essa gramática pretende dizer o
que é “certo” e o que é “errado” na língua. Na verdade, ela apenas descreve a
norma padrão, ou seja, um conjunto de regras socialmente bem visto e utilizado
em situações formais de comunicação, como ao redigir um documento, por exemplo.
O conhecimento da norma padrão é, sem dúvida, muito importante para que o
indivíduo consiga circular nos meios letrados da sociedade, e por isso, é
compreensível que a escola se preocupe tanto em ensiná-la. O problema
está na maneira como normalmente se faz isso.
Baseando-se
em um modelo de ensino conservador, muitos professores ainda acham que ensinar
a língua é apenas ensinar a tal “língua correta”. Preocupam-se mais em fazer
seus alunos decorar regras do que em levá-los a raciocinar, e dão mais atenção
aos pormenores gramaticais do que à reflexão sobre a língua e as ideias que se
podem expressar por meio dela. Essa forma de trabalhar é mais cômoda, pois
assim não é necessário pensar muito – basta carregar sempre o mesmo velho livro
de regras debaixo do braço, e reproduzir incansavelmente uma receita pronta de
“aula de português” que já existe há séculos.
Entretanto,
além de esse método tornar a aula um tanto desinteressante, o resultado costuma
não ser o esperado. Quando o aluno apenas decora e repete regras em frases
soltas, sem contexto, está aprendendo a montar e desmontar um carro sem, no
entanto, saber dirigi-lo. Isso significa que ele pode até aprender a fazer complicadas
classificações gramaticais e, contudo, ter muita dificuldade para compreender
um texto ou escrever com coerência e clareza de ideias.
A
maneira mais eficiente de aprender a norma é tendo contato com textos falados e
escritos que a seguem. Muito melhor do que ficar decorando regras e exceções é
pôr a língua em uso, ou seja, praticar: ler, ouvir, falar e escrever muito.
Isso vale tanto para o aprendizado da própria língua materna quanto para
segunda língua. Somente depois de ter contato com a língua viva – o texto – é
que podemos dissecá-la para analisar seus sistemas internos de funcionamento,
que são as regras gramaticais.
Embora
a gramática seja um assunto muito interessante, ela deve ser estudada como um
instrumento para aperfeiçoar o uso da língua, e não como o objetivo em si. De que adianta, por
exemplo, saber classificar o sujeito da oração se a pessoa não consegue se
expressar com clareza? Não faz sentido estudar mecânica para montar um carro,
peça por peça, e deixá-lo parado num canto, sem nunca andar nele. Assim também,
a língua não nos serve para nada se não tivermos nada para ouvir ou dizer, ler
ou escrever nela. Precisamos, portanto, voltar nossa atenção para o texto (seja
ele falado ou escrito), pois ele representa a língua em pleno funcionamento. O
texto é a base de toda comunicação, e se desejamos aprender ou ensinar uma
língua é porque queremos nos comunicar por meio dela.
Matadalan
- Vivian Paixão, profa. Mestre em Letras Vernáculas (PQLP/CAPES)
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