Macau,
China, 04 jun (Lusa) - O Largo do Senado, em Macau, acolheu hoje centenas de
pessoas que se juntaram para a habitual vigília pelas vítimas do massacre de
Tiananmen, incluindo estudantes da China que desconheciam este episódio da
história do seu país.
O
número de participantes, cerca de 500, foi inferior ao de 2014, quando a
efeméride dos 25 anos e o momento de contestação política que a Região
Administrativa Especial chinesa atravessava levaram cerca de 3.000 pessoas à
principal praça da cidade, segundo estimativas da organização.
Ainda
assim, as centenas de jovens ocuparam grande parte da praça. Sentados na
calçada portuguesa, cada um com uma vela, escutaram em silêncio os vários
discursos proferidos, entre eles os dos deputados pró-democracia Au Kam San e
Ng Kuok Cheong, rodeados por fotografias da época, que evidenciam a violência
do exército chinês contra manifestantes que ocupavam a praça do centro de
Pequim.
Apesar
de as imagens da intervenção militar contra os manifestantes pró-democracia
terem corrido mundo, foi só em Macau que Kan Kan, estudante da China, soube o
que passou em 1989, quando o Exército de Libertação Popular avançou com tanques
para dispersar os protestos pacíficos liderados por estudantes - não há números
oficiais de mortos, mas estimativas apontam para milhares.
"Antes
de vir para Macau não sabia de nada, aprendi tudo cá. Primeiro não acreditei
[no que diziam na vigília], mas depois fiz pesquisas e vi que era verdade.
Fiquei chocado, não pensei que o Governo pudesse matar aquelas pessoas",
disse à agência Lusa o jovem de 21 anos, que, juntamente com um colega também
da China, participou na vigília de Macau pela segunda vez.
Mesmo
assim, acredita que o que se passou "não foi um massacre, mas antes um
conflito" e que "todos os Governos têm um lado negro, até o dos
Estados Unidos, que é o melhor do mundo".
O
estudante lamenta que a data não possa ser assinalada de forma semelhante na
China, até porque "se não houver este tipo de cerimónia, toda a gente se
vai esquecer".
"Eu
quero vir, não me quero esquecer", sublinhou, ressalvando que preferiu não
contar aos pais que ia participar na vigília para evitar que ficassem
"muito zangados".
Macau
e Hong Kong são os únicos locais na China onde o massacre de Tiananmen pode ser
publicamente assinalado e Kan Kan lembrou que "até quem faz cerimónias em
casa, na China, é preso".
Esta
é apenas a segunda vez desde a transferência de administração de Macau de
Portugal para a China em 1999 que a vigília é organizada no Largo do Senado -
antes, o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais cedia o espaço para as
comemorações do Dia da Criança, remetendo a vigília para junto da igreja de São
Domingos.
Na
primeira fila da vigília, mesmo em frente ao imponente edifício da Santa Casa
da Misericórdia, dois chapéus-de-chuva amarelos lembraram o movimento
democrático de Hong Kong, que muitas vezes foi comparado àquele dos estudantes
de Tiananmen, chegando mesmo a recear-se, no ano passado, um desfecho
semelhante.
Inês
Ip, natural de Macau, acredita que a luta de 1989 se mantém atual, tanto na
China como na sua cidade: "O Governo chinês põe o desenvolvimento
económico à frente de tudo, do ambiente, das pessoas. Quem queira lutar pelos
seus direitos é preso. Macau foi devolvido há mais de dez anos e mais cedo ou
mais tarde isso vai chegar até nós".
Como
funcionária pública, a jovem de 28 anos sente que a liberdade de expressão está
cada vez mais condicionada, com as críticas ao Governo a serem mal aceites.
"Trabalho
para o Governo mas também posso dizer que o Governo está errado. Contudo, o que
nos dizem é 'vocês pertencem-nos e têm de dizer bem de nós'", lamentou.
Apesar
de a vigília ser autorizada, ainda é mal vista entre grande parte da comunidade
de Macau: "Socialmente há alguma pressão para não virmos, há pessoas que
não querem que os vizinhos saibam. Os meus pais, por exemplo, sabem que venho
mas dizem-me sempre 'Porque vais? Já foi há tanto tempo, porque vais mexer
nisso?'".
A
jovem lamenta que o aumento de imigrantes da China esteja a "mudar o
ambiente", fazendo com que temas como o massacre de Tiananmen sejam menos
discutidos.
"Há
mais pessoas a dizer que o Governo chinês é bom e faz muita coisa. Dizem 'Não
tens uma vida boa? Porque te queixas tanto?'. Fico furiosa quando oiço
isto", comentou.
Wendy
Wong, de 26 anos, também de Macau, sublinhou a importância de "saber a
história" e "não esquecer".
"Já
foi há 26 anos e algumas pessoas acham que não vale a pena falar disso. Mas
Tiananmen aconteceu porque os estudantes lutaram por democracia e agora que a
censura está mais forte devemos dizer às pessoas que é importante
fazê-lo", defendeu.
ISG
// JMR
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