Díli,
20 nov (Lusa) - Mário Carrascalão considera que a sua pressão sobre a Indonésia
para abrir Timor-Leste e a postura neutra que manteve enquanto governador,
permitindo manter o cargo e ajudar muitos timorenses, contribuíram para a
independência do país.
"Enquanto
estive aqui como governador não se pode dizer que estive do lado dos
independentes ou dos integracionistas. Tive que me manter sempre neutro porque
se fosse nitidamente pró independência já sabia de antemão que os indonésios me
sacavam do lugar porque não permitiram que atuasse contra eles", afirmou
em entrevista à Lusa.
"Pensei
mais no futuro. O mundo não podia continuar a ignorar o que se passava em
Timor. Pedi ao [ex-presidente indonésio] Suharto para abrir Timor",
afirmou o ex-governador, que esteve no cargo entre 1983 e 1992.
O
jornalista britânico que filmou em 1991 o massacre no cemitério de Santa Cruz,
Max Stahl, "nunca teria entrado em Timor se eu não tivesse pedido ao
Suharto para abrir Timor", afirmou.
Esse
jogo de cintura foi possível porque conseguiu a confiança dos indonésios que,
por seu lado, precisavam do governador para limpar a imagem dos seus
antecessores, ferrenhos apoiantes da integração, apontou.
"Criei
uma imagem que favoreceu a Indonésia e o que eu pedia era aceite", afirmou.
"A
minha ação aqui em Timor é interpretada de uma forma. Lá fora fui sempre visto
como um traidor, um colaborador de Suharto. Para alguns convinha criar o
inimigo fictício. Mas aqui em Timor era um dos daqui e tudo fazia para poder
salvar este ou aquele e para ajudar", argumentou.
Numa
nota publicada na sua página na rede social Facebook em outubro, o
ex-presidente da República, José Ramos-Horta, recorda o facto de Mário
Carrascalão, ao contrário dos seus antecessores, não ter embolsado o
equivalente a 30 mil dólares mensais que o Governo indonésio lhe atribuía.
Em
vez disso, "despendia todo esse valor mensal realmente ajudando os mais
necessitados" e "nunca se deixou subornar por ninguém", com os
anos do seu mandato a serem os de "maior abertura do território ao
exterior" e "de oportunidades para jovens timorenses irem estudar
fora de Timor-Leste, em Jacarta e outras cidades indonésias".
"Salvou
centenas de vidas, forçou a abertura de Timor-Leste ao mundo, conseguiu que
milhares de jovens timorenses tivessem uma oportunidade única de se formarem.
Mas talvez mais importante, conseguiu convencer o comando militar indonésio em
Timor-Leste a dialogar com [o líder da resistência] Xanana", disse
Ramos-Horta.
Mário
Carrascalão diz que só mesmo na sua família sabia o que estava a fazer e que a
sua chegada ao poder marcou o fim de dois mandatos de timorenses "que
quando a Indonésia dizia 'esfola', eles diziam 'mata'".
"Daí
o facto de eu ter que aceitar o cargo. Sabia como lidar com os indonésios,
conhecia as leis indonésias, sabia que as leis não mandavam matar e torturar.
Sabia que para poder conseguir fazer algo em Timor tinha que ter boas relações com
a Indonésia, com o Suharto inclusive, com o general Benny Moerdani", chefe
das Forças Armadas e ministro da Defesa da Indonésia nos anos 80.
"Tinha
que ser apoiado por eles para poder aqui virar-me contra os militares e
levantar a minha voz contras eles e pode fazer qualquer coisa em defesa do povo
de Timor", afirmou.
Carrascalão
insiste que lutou diretamente contra Jakarta para defender a abertura e que
isso foi essencial a todo o processo.
"Foi
quanto a mim a abertura de Timor que possibilitou a independência de Timor.
Quer reconheçam quer não reconheçam. Eu dizia-lhes: mas vocês pensam que os
timorenses são como cabritos, que vocês metem num curral, dão-lhes palha e
nunca mais querem sair do curral? Estão muito enganados", lembrou.
"Acho
que valeu a pena. Se eu não tivesse tomado a atitude que tomei, por exemplo, na
formação de novos quadros para Timor, mesmo que as Nações Unidas dessem de
bandeja a independência a Timor-Leste o que é que os líderes da resistência iam
governar? Pedras e paus e bocados de calhau? Os sucessivos governos de Timor
utilizaram os quadros que eu criei", disse.
Hoje,
os timorenses que estavam em Timor na altura reconhecem esse papel, ainda que
nem todos "os lá de fora" pensem assim, considerou.
"Inclusive
na minha família, havia pessoas que estavam reticentes, que pensaram duas vezes
em utilizar o meu apelido para não serem confundidos com o Mário Carrascalão.
Também houve disso", reconheceu.
ASP
// APN
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