Díli,
20 nov (Lusa) - O ex-primeiro-ministro timorense Xanana Gusmão "não é
corrupto" mas "tolera os corruptos", permitindo que uma grande
parte dos membros do Governo "se governem" em vez de trabalhar, a
sério, para o desenvolvimento de Timor-Leste, disse Mário Carrascalão.
"Tolera
os corruptos e posso dizer isso por experiencia própria", afirmou em
entrevista à Lusa.
"Eu
próprio cheguei a pedir-lhe para suspender a ex-ministra da Justiça, Lúcia
Lobato para poder ser investigada pela inspeção-geral (do Estado). E ele
vira-se para mim e diz: deixa lá, eles têm tantas dívidas, coitados",
afirmou.
Em
entrevista à Lusa, Mário Carrascalão, terceiro governador nomeado pela
Indonésia (de 18 de setembro de 1983 a 18 de setembro de 1992) para Timor,
analisou os últimos 40 anos da história de Timor-Leste, apontando o dedo às
falhas da governação.
"Ele
tolera. O que preciso definir é se o faz por bondade ou por ser conivente, eu
não sei. Não diria que todos os membros do governo são corruptos, mas uma
grande parte vê na posição que adquiriu como ministro, poder governar-se",
afirmou.
"Bem
estaríamos nós se esses senhores fossem para o Governo e quisessem utilizar os
seus conhecimentos para poderem programar o desenvolvimento de Timor como
resposta às aspirações e necessidades das pessoas. Não é isso que está a
acontecer", disse ainda.
Mário
Carrascalão diz que um sinal dos problemas está no "medo que os governantes
têm da liberdade de imprensa" porque "têm culpas no cartório",
não querem que "as suas faltas sejam expostas" e por isso
"cortam as vazas aos jornalistas".
"Os
nossos jornalistas em si já não são muito bem treinados, são pessoas com muitas
deficiências e ainda lhes cortam as vasas. Se nós não falarmos não escrevem.
Têm medo. Digo-lhes para fazer jornalismo investigativo, mas não podem. Eles
têm medo, basta tocar em determinados nomes", afirmou.
Frontal,
Mário Carrascalão - que abandonou o cargo de número dois do IV Governo
incompatibilizado com Xanana Gusmão - diz que este, que é o atual ministro do
Planeamento, "ignora a maioria" e pretende "fazer vingar o poder
individual".
"Acho
que Xanana trouxe para o Governo não tanto como PR mas como PM um autoritarismo
próprio de um comandante militar. Como comandante militar dou-lhe nota 100%,
mas como PM eu acho que faria um lugar melhor do que ele", disse.
"Ele
não está talhado, e não tem obrigações disso. Eu sim. E depois é uma pessoa que
lê pouco. É um estratega sem dúvida mas não é um estratega na administração é
um estratega militar, que foi, sem dúvida nenhuma", disse ainda.
Carrascalão
considera que a independência se deve a Xanana Gusmão mas que depois ele foi
"como Salazar" que "salvou Portugal nos anos da crise" mas
depois "quis continuar e levou ao poder único", pelo que "o
melhor que faria" era retirar-se.
Já
sobre o atual chefe do Governo, Rui Araújo, Carrascalão considera que é
"um bom administrador mas não é um líder político", sendo incapaz de
controlar o seu antecessor no cargo de primeiro-ministro.
"Não
é um homem com coragem para virar-se para o Xanana, que é ministro dele e
dizer-lhe: você não faça isso porque as minhas instruções são assim. Não é
capaz disso", disse.
Quanto
ao atual chefe de Estado, Taur Matan Ruak, Carrascalão considera que, como
Xanana Gusmão, "é mais talhado para ser Presidente do que para ser
primeiro-ministro" e que Xanana Gusmão deveria ter ficado com "um
símbolo, um embaixador itinerante".
Sobre
o outro poder em Timor-Leste, a Igreja, o antigo governador recorda o seu
"grande trabalho pela independência de Timor" mas insiste que há que
respeitar a Constituição que separa Estado e Igreja.
"Quando
era aqui governador, tinha relações com a Igreja mas nunca permiti que a igreja
se imiscuísse nas ações da administração. E a administração não tem coragem
para tomar medidas relativamente à igreja", disse.
Ainda
assim, considerou, a igreja já teve "oportunidade para abusar da
situação" e só "não foi tão longe" porque tem figuras, como o bispo
Basílio do Nascimento, a liderá-la.
Em
termos gerais, Mário Carrascalão considera que a má gestão leva a que
Timor-Leste hoje "tenha os mesmos pobres ou mais pobres do que
antigamente" com o desenvolvimento a limitar-se praticamente a Díli.
"Como
é que se pode desenvolver um país ao fim de 13 anos e não haver estradas para o
interior. Preocupamo-nos demais com subsídios dos veteranos. Nunca vi tanto
veterano de guerra. Quando eu era governador, se houvesse assim tantos
veteranos tinham ajudado o Xanana Gusmão a dar uma corrida aos
indonésios", disse.
Falta
planeamento, definição de prioridades, que deixou o país sem uma economia de
base, "se acabar o petróleo", com o café praticamente abandonado, sem
barragens para a irrigação e com a agricultura sem grande desenvolvimento.
ASP
// EL
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