Díli,
11 nov (Lusa) - À primeira vista poderia parecer um pano vermelho que lhe cai
ao longo do peito até às mãos, mas rapidamente se percebe que o vermelho,
afinal, é sangue e que começa mais acima, na cara de Zeferina dos Santos.
Está
encostada à parede do interior da capela do Cemitério de Santa Cruz, camisa
branca com pintas pretas - ainda que grande parte manchada de vermelho -,
mangas até ao cotovelo e o cabelo a aparentar estar apanhado.
Na
imagem que registará para sempre essa manhã fatídica de 12 de novembro de 1991,
o elemento mais poderoso da fotografia nem é o sangue que cobre o rosto, a
roupa e os baços de Zeferina. São os olhos.
Não
chora e, se acaso chorou, o sangue lavou-lhe as lágrimas. A raiva que se
poderia esperar, agora que se interpreta a imagem 24 anos depois, não está
presente. É antes um olhar quase vazio, ausente, resignado.
Esse
olhar não mudou ainda que a jovem de 25 anos de então seja hoje uma mãe de sete
filhos que está "contente pela independência", como explica à Lusa
numa conversa no Arquivo e Museu da Resistência Timorense (AMRT) em Díli.
A
imagem é de Max Stahl e tornou-se um dos retratos mais poderosos do massacre de
Santa Cruz.
Não
o maior mas certamente o mais importante massacre da história da ocupação
indonésia de Timor-Leste. As imagens do jornalista inglês fizeram do mundo
testemunha para o que a resistência dizia há 16 anos, gritando praticamente sem
ser ouvida.
"Houve
missa na Igreja de Motael e depois fomos a Santa cruz. Quando chegámos ao
cemitério houve muita confusão e alguns cá fora começaram a dizer que tínhamos
que entrar. Ouvi tiros, caí e caíram muitas pessoas por cima de mim. Fiquei
cheia de sangue", recorda.
"Sim.
Pensei que ia morrer. Perdi os sentidos. Ouvi os tiros e pensei que ia morrer.
Quando caí perdi a consciência", relembra, falando em tétum, uma das duas
línguas oficiais de Timor-Leste. A outra é o português.
Zeferina,
sobrevivente de um massacre que ceifou mais de 250 timorenses (e o neozelandês
Kamal Bamadhaj), conversa encostada à cronologia que mostra a história da luta
pela independência de Timor-Leste nas paredes do AMRT.
A
sua imagem é um dos símbolos mais poderosos da mostra, por cima das imagens, em
vídeo, recolhidas também por Max Stahl e que passam, ininterruptamente, num
pequeno ecrã ao seu lado: o som da sirene, em 'loop', a acrescentar ainda mais
dramatismo ao momento que, dizem muitos, mudou a história de Timor-Leste.
"O
sangue é das outras pessoas que caíram por cima de mim. Quando acordei vi que
estava uma camioneta para atirar para lá os mortos. Levantei a cabeça e um dos
militares, apontou-me a arma e disse-me para me levantar", explica.
"Levantei-me
devagar e o militar deu-me pontapés com as botas".
E
de novo o olhar. Agora mais destemido, porque Zeferina não se arrepende de lá
ter estado. Nem de desafiar as irmãs.
"Quando
estava a sair de casa as minha irmãs proibiram-me de ir, mas estava decidida,
tinha que sair. Quer morresse quer não", diz.
É
difícil ver as imagens? "Sim, custa muito. Penso que poderia ter
morrido".
ASP
// EL
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