Díli,
16 fev (Lusa) - Um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português considera
que o processo contra a ex-ministra timorense Lúcia Lobato "está repleto
de vícios, ilegalidades e violações dos mais elementares princípios do direito
processual penal e das garantias do arguido".
Em
causa está um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a que a Lusa teve
hoje acesso, que anula uma pena de 40 dias de suspensão que o Conselho Superior
da Magistratura (CSM) aplicou à juíza Margarida Veloso, antiga inspetora
judicial em Timor-Leste que denunciou e acusou dois colegas portugueses de
manipular e influenciar o processo judicial que levou à condenação de Lúcia
Lobato a uma pena de prisão.
Na
análise do recurso de Margarida Veloso, o STJ aponta seis erros no processo
contra Lúcia Lobato.
Os
erros referidos no acórdão são sublinhados numa carta que Lúcia Lobato remeteu
ao Presidente da República timorense, a que a Lusa teve acesso hoje, e para a
ex-ministra confirmam que o seu processo "enfermava de diversas irregularidades
e ilegalidades".
O
acórdão nota, por exemplo, que o Tribunal de Recurso timorense omitiu pronúncia
sobre 278 pontos levantados num primeiro recurso de Lúcia Lobato, respondendo
apenas aos "últimos sete pontos das conclusões, ignorando os 271 pontos
que os antecediam".
Questiona
ainda que um pedido de fiscalização concreta das interpretações normativas
aplicadas, tanto pelo Tribunal Distrital de Díli como pelo Recurso, seja
julgado pelo "mesmo coletivo que havia proferido a decisão
recorrida", o que é "bastante discutível".
Considera
também que o Tribunal de Recurso omitiu o recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade, "ignorando de forma ostensiva o quadro constitucional
em que se move".
O
acórdão analisa ainda "a leitura proibida de declarações prestadas em sede
de inquérito" em que a "arguida assinalou que o confronto com essas
declarações havia sido feito com preterição das formalidades exigidas" no
Código de Processo Penal timorense, o que "consubstanciava uma nulidade
insanável extensível a todo o processo subsequente".
Segundo
o STJ, o Tribunal de Recurso apenas apreciou a "constitucionalidade das
disposições em causa, não se preocupando em verificar se as mesmas haviam sido
respeitadas".
O
STJ refere-se ainda à "valoração do depoimento da testemunha
Nazário", que era, à época dos factos, advogado de uma empresa detida
conjuntamente por Lúcia Lobato e pelo seu marido, consideranqo que um
depoimento seu violava o "sigilo profissional, pelo que a sua valoração
implicava a nulidade do acórdão".
"De
uma penada só, e com uma sinceridade mas uma ignorância jurídica desarmante, o
Tribunal de Recurso admite que: 1) não se preocupou em verificar se as
informações estavam ou não cobertas por sigilo; 2) mesmo que estivessem, tal
facto não implicaria qualquer consequência porque o advogado não pediu escusa.
Não há assim, por decreto judicial, sigilo profissional! De uma penada
revoga-se a lei por decisão judicial contra legem [de forma contrária à
lei]", refere o acórdão.
O
acórdão questiona ainda o uso de mensagens de texto, que o STJ confirma ser
"proibido" segundo o Código do Processo Penal timorense.
A
audição de três pessoas como testemunhas e não como arguidos é outro dos erros
apontados pelo STJ, que sublinha que é algo com "implicações enormes,
desde logo pelo facto de as testemunhas, ao contrário dos arguidos, estarem
obrigados a responder com verdade a todas as perguntas que lhes são
feitas".
Lúcia
Lobato recorda na carta que enviou ao chefe de Estado de Timor-Leste que grande
parte destas decisões "foram tomadas por Juízes portugueses, não se
podendo assacar argumentos de fragilidade institucional, falta de experiência
ou ignorância da lei" o que torna as considerações do STJ "ainda mais
chocantes".
O
STJ questiona ainda a "desproporcionalidade (...) por demais
evidente" entre o prejuízo causado ao Estado no valor de 4.325 dólares americanos
e a pena de 05 anos de prisão.
Finalmente,
o STJ aponta vários problemas na análise dos incidentes de suspeição levantados
por Lúcia Lobato contra os juízes que se pronunciaram no seu processo,
nomeadamente os seis juízes que em dois coletivos se pronunciaram sobre o
recurso principal e sobre o recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade do segundo acórdão por eles proferido.
"O
incidente de suspeição foi cindido em tantos incidentes autónomos quantos os
magistrados em causa, os quais decidiram, reunidos em plenário, de que apenas
foi excluído o concreto juiz visado em cada incidente", refere.
"Uma
espécie de justiça de gamela... Ou seja: um único incidente, deduzido contra
seis juízes, pelos mesmos factos, acabou artificialmente dividido em seis
incidentes individuais, de cuja decisão foi somente afastado o juiz em causa -
mas não os restantes cinco, sobre os quais recaíam as mesmíssimas suspeitas",
sublinha o acórdão.
Algo
que o STJ considera "é pura e simplesmente inadmissível num Estado que se
quer de Direito e de Direito democrático."
ASP
// MP
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