Combatentes
da Brigada Negra vão pressionar o Governo da Austrália para aceitar a
delimitação das fronteiras marítimas permanentes à luz do Direito Internacional
e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
M. Azancot de Menezes, Díli
O
Jornal «A Voz Socialista» entrevistou o Presidente Interino da Associação dos
Combatentes da Brigada Negra (ACBN), Nuno Corvelo / Laloran. A Brigada Negra
(BN) era uma força especial das FALINTIL (Forças Armadas de Libertação Nacional
de Timor-Leste) que actuava sob orientação directa do Comandante-Em-Chefe das
Falintil, Kay Rala Xanana Gusmão. Toda a estratégia da BN teve como grande
mentor Kay Rala Xanana Gusmão e foi concretizada por Avelino Coelho da Silva
(Shalar Kosi, FF), Presidente do Partido Socialista de Timor (PST), na altura
Secretário-Geral da Associação Socialista de Timor (AST), com o apoio de um
grupo restrito de combatentes, e sob orientação de Xanana Gusmão. Na edição de
Março de 2016, Laloran aborda o histórico da Brigada Negra e refere-se também à
questão da delimitação das fronteiras marítimas, como se segue:
Jornal
«A Voz Socialista»: Senhor Presidente Interino da Associação dos
Combatentes da Brigada Negra (ACBN), Nuno Corvelo / Laloran, em primeiro lugar
gostaríamos de agradecer-lhe pelo facto de conceder esta entrevista ao Jornal
«A Voz Socialista».
Nuno
Corvelo / Laloran: Eu é que agradeço pelo facto do Jornal «A Voz Socialista»
desejar entrevistar-me sobre a história da Brigada Negra, sua importância
histórica e objectivos da ACBN.
AVS:
É precisamente por essa razão, conhecer mais sobre a Brigada Negra, que estamos
a falar consigo. Muitos timorenses e pessoas de outras nacionalidades em todo o
mundo não sabem o que foi a Brigada Negra (BN), nem quais foram as razões que
motivaram a sua criação, assim como, quem esteve envolvido em todo este processo
da luta, como estava organizada e administrada e quais eram os objectivos da
BN. O Senhor quer falar-nos um pouco sobre a história da Brigada Negra?
Laloran:
A Brigada Negra (BN) era uma força especial das FALINTIL (Forças Armadas de
Libertação Nacional de Timor-Leste) que actuava sob orientação directa do
Comandante-Em-Chefe das Falintil, Kay Rala Xanana Gusmão. Toda a estratégia da
BN foi concebida por Xanana Gusmão e implementada pelo Camarada Avelino Coelho
da Silva (Shalar Kosi, FF), Presidente do Partido Socialista de Timor (PST), na
altura Secretário-Geral da Associação Socialista de Timor (AST), e pelos seus
colaboradores directos, um pequeno grupo de dirigentes da AST, muito restrito,
e que desenvolviam trabalhos na Indonésia, em Timor-Leste, na Austrália e nos
restantes países através da Representação Externa da AST representada pelo
nosso Camarada Azancot de Menezes, actual Secretário-Geral do PST, e que
recebia orientações directas de Avelino Coelho / Shalar Kosi FF. No campo
operacional, a BN era organizada por um corpo directivo subordinado às ordens
do Comandante-Em-Chefe das FALINTIL.
AVS: Em
concreto, quais eram os objectivos da BN? Fale-nos um pouco sobre a composição
orgânica da BN e das suas atribuições/competências.
Laloran:
Como já tive ocasião de referir, o grande mentor da Brigada Negra foi Kay Rala
Xanana Gusmão que orientou o nosso Camarada Shalar Kosi, FF, Presidente do PST,
com o apoio de um núcleo muito restrito, e que produziu um documento designado
por «Job Description da Brigada Negra». De acordo com este documento
orientador, a Brigada Negra era dirigida por um Chefe Principal e coadjuvado
por vários assistentes operacionais que chefiavam várias secções. Havia quatro
secções. A Secção A tratava do estudo, organização e planeamento da aquisição
de material de guerra para a BN e para a Resistência Armada (RA). O
planeamento, execução e envio do material à RA era definido segundo mecanismos
próprios e em resposta às necessidades que fossem surgindo.
AVS: E
as restantes Secções?
Laloran:
A Secção B tinha como grande missão o recrutamento de elementos e a sua
preparação técnica na fabricação de explosivos para uso da BN e das FALINTIL, e
a mobilização desses explosivos para a Resistência Armada. E havia as Secções C
e D que tinham como grande missão provocar o caos total na Indonésia.
AVS: Não
percebi muito bem… quer dizer-nos melhor como é que isso era possível de
concretizar-se?
Laloran:
A Secção C estava planeada para desencadear a guerrilha urbana em todo o país e
na Indonésia. Através de sabotagens armadas, principalmente na Indonésia,
visando pontos estratégicos, económicos, pontos sensíveis que pudessem provocar
reacções nas massas populares contra o regime. Toda esta estratégia está
definida no Job Description da BN.
AVS: E
a Secção D?
Laloran:
A Secção D, basicamente fazia trabalhos de inteligência e contra-inteligência,
claro, há aspectos que ainda continuam no “segredo dos Deuses”, como se costuma
dizer.
AVS: O
plano da BN era do conhecimento do Comandante das FALINTIL, Kay Rala Xanana
Gusmão? Há provas de que de facto a BN actuava sob o comando de Xanana Gusmão?
Laloran:
Concerteza! A BN actuava sob a orientação directa do Comandante-Em-Chefe das
FALINTIL. Todo o plano foi aprovado, com a sua assinatura, imagine, em Cipinang
(!), no dia 12 de Outubro de 1996.
AVS: Qual
era o calendário programático de organização e actuação?
Laloran:
A Secção A começou a funcionar em 1995 e integrava-se nos planos da F. Operação
Asuwain. Entre 1995 e 1996 fez-se a organização e tratou-se de toda a
preparação interna, e no início de 1997, sob instruções e decisões do
Comandante-Em-Chefe das FALINTIL a actuação.
AVS: A
permanência de Shalar Kosi, FF, da família e mais dois irmãos nossos na
Embaixada da Áustria em Jacarta durante quase dois anos teve alguma relação com
a Brigada Negra? Fazemos esta pergunta porque a frente diplomática da luta raramente
falou no assunto. No exterior, à excepção do Representante oficial da AST no
Exterior, o nosso Camarada Azancot de Menezes, ninguém falava neste assunto. Há
aspectos da luta que até hoje não foram explicados. José Ramos-Horta,
Representante Especial do CNRM, nunca mencionou o caso no sentido de denunciar
a situação relacionada com o refúgio de Avelino Coelho / Shalar Kosi, FF
durante quase dois anos na Embaixada da Áustria em Jacarta. Nem a Delegação
Externa da FRETILIN denunciou a situação junto das Nações Unidas e da
Comunidade Internacional para a protecção de Shalar Kosi. Sabe dizer-nos porquê?
Laloran: O
que eu lhe posso garantir é que a Representação Externa da AST teve um papel
chave na denúncia da violação dos direitos humanos em Timor-Leste e na luta
pela independência de Timor-Leste. Aliás, O Job Description da Brigada
Negra foi enviado no dia 29 de Abril de 1997 para Azancot de Menezes que
representava no exterior a AST (a partir de 1997, transformado em PST). Por
orientação de Avelino Coelho / Shalar Kosi, FFE vários outros documentos
secretos foram levados para a nossa Representação Externa, por Tama Laka
Aquita, um dos Comandantes da BN, precisamente para fazermos contactos
internacionais e procurar apoios para a causa, em particular, junto dos Países
Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). O apoio dos PALOP foi
determinante para a libertação de Timor-Leste. Quanto aos “silêncios” de José
Ramos-Horta, Representante Especial do CNRM, e da Delegação Externa da
FRETILIN, pelo facto de nunca se terem pronunciado sobre o caso da Embaixada da
Áustria em Jacarta e da situação de Shalar Kosi, FF, com todo o respeito, essa
pergunta deverá ser feita aos próprios. O que eu sei é que os nossos irmãos
estiveram refugiados na Embaixada da Áustria em Jacarta durante quase dois
anos, foram acusados de serem terroristas, mas mesmo assim uma Delegação da
União Europeia e das Nações Unidas tiveram que ceder, visitar a Embaixada e
ouvirem as reivindicações da AST e portanto, da Brigada Negra. Aliás, em torno
de todo este processo, muitos combatentes da BN foram presos e torturados na
tentativa de se desmantelar a Brigada Negra porque representava um grande
perigo para o regime indonésio.
AVS: Muito
obrigado por responder com honestidade às nossas perguntas. Pensamos que as
suas respostas vão ajudar os timorenses a perceber melhor a importância da BN,
bem como, o papel fundamental que a AST e o PST tiveram no processo da luta de
libertação nacional de Timor-Leste. Gostaria de fazer-lhe uma última pergunta.
Depois das suas respostas fica-se com a ideia de que foi cumprida uma missão e
que já não faz sentido a existência da Brigada Negra. É isso? Os timorenses
têm-se questionado sobre o reaparecimento público da ACBN, nomeadamente na
organização desta Conferência Internacional sobre Fronteiras Marítimas. Quer
explicar-nos, por exemplo, a razão de ser da Associação dos Combatentes da
Brigada Negra e porque é que decidiram organizar este importante evento
internacional?
Laloran: A Associação
dos Combatentes da Brigada Negra vai assumir a liderança de uma nova fase
da luta em várias frentes, científica, económica, cultural e em outras
vertentes, para garantir a soberania total de Timor-Leste. Envolve várias
organizações e será uma instituição caracterizada pela determinação e por
valores de solidariedade para com os mais pobres e excluídos. Por isso vamos
dizer à Austrália que chegou o momento de se definirem as delimitações das
fronteiras marítimas. Por cada barril de petróleo explorado no nosso mar nasce uma
família mais pobre em Timor-Leste. Para a BN a exploração ilegal dos nossos
recursos vai ter que acabar. Por esta razão, como primeiro passo, decidimos
organizar esta Conferência Internacional com a presença de figuras importantes
da luta, os combatentes da Brigada Negra e a solidariedade internacional, onde
se inclui Kay Rala Xanana Gusmão, o nosso Comandante-Em-Chefe.
AVS: Bem,
irmão Laloran, a conversa já vai longa, o Jornal «A Voz Socialista» agradece
muito esta entrevista, outras se seguirão para esclarecer e corrigir alguns
aspectos nebulosos da luta de libertação nacional. Muito obrigado.
Laloran: Eu
é que agradeço e aproveito a oportunidade para desejar muitos sucessos ao
Jornal «A Voz Socialista».
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