Macau,
China, 16 mar (Lusa) -- O escritor Ernesto Dabó considera que a crise política
na Guiné-Bissau "tem como pano de fundo a crise cultural", falando em
"mediocridade" e práticas de "administradores coloniais"
por parte de "certos dirigentes".
"A
nossa crise tem como pano de fundo a crise cultural (...). A elite nacional
ainda padece de forte alineação cultural e isso revê-se em muitas práticas de
certos dirigentes, que são como que administradores coloniais. E isso
choca", disse o escritor, militante do Partido Africano da Independência
da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), no poder, em entrevista à agência Lusa em Macau,
onde participa no Festival Literário Rota das Letras.
Para
Ernesto Dabó, o setor político encontra-se "refém de uma certa
mediocridade que não deixa os quadros de valor ascenderem", "por
causa das mordomias, da corrupção institucionalizada e da impunidade que há e
que fazem enriquecer meia dúzia de gente à custa dos outros" e "toda
a sociedade paga por isso".
Quando
"se explora até ao tutano, o povo estoura e dão-se golpes", afirma.
Neste
sentido, constata que enquanto não houver estabilidade também não haverá margem
para progresso noutras áreas, apesar de hoje o país estar dotado de
"centenas de quadros", um cenário muito diferente do que se vivia
quando a Guiné-Bissau chegou à independência, "com mais de 90% de
analfabetos, sem indústria, sem sistema de saúde, sem sistema educativo".
Embora
recordando que a história "conturbada" da Guiné-Bissau "não é de
hoje", mostra-se "cético": "Não estou a ver os
protagonistas da crise a criarem soluções para a saída da crise. Quando assim
é, tudo pode acontecer. Nesse tudo, infelizmente, pode acontecer a desgraça de
se entrar novamente numa rutura e não se concluir mais um mandato",
afirma.
Ernesto
Dabó é autor do livro "PAIGC, da maioria qualificada à crise
qualificada", um ensaio que publicou em 2013 em que tenta demonstrar que a
crise da Guiné-Bissau é uma crise do próprio PAIGC.
"Quer
se queira quer não, o PAIGC é o elemento nuclear do sistema político. Sempre
que o PAIGC entra em crise acaba por extravasar e atingir a sociedade em
geral", sublinhou, falando das "implosões" no seio do partido.
Para
o escritor, é "incompreensível" que o PAIGC tenha "o maior
património intelectual político que qualquer partido africano pode ter" e
esteja a "falhar".
"Acontece
que, a meu ver, nos últimos 20 anos, a partir do momento em que surge, por exemplo,
o sistema democrático, transformou-se mais numa agência para conquista de
cargos políticos", afirma.
Para
o escritor "as pessoas batem-se nos congressos, batem-se nas eleições,
ganham no congresso, ganham nas eleições e acabou aí o PAIGC".
"Porquê?
Sobem para o poleiro e o partido torna-se secundário para eles e isso é um erro
fatal. Quem ganha as eleições é o partido, não é o dirigente", realça,
apontando que quando não se cuida do aparelho que venceu, este desmorona-se.
Citando
Amílcar Cabral, o fundador do partido, Ernesto Dabó aponta que "há que
fazer do PAIGC cada dia mais partido".
"A
dinâmica da vida interna de um partido é extremamente exigente e o partido não
pode estar nas mãos de pessoas sem qualificação, sem experiência, de pessoas
sem uma cultura partidária que, neste caso, seria uma cultura 'Cabralista' para
poder ter balizas ideológicas com as quais agir dentro da sociedade",
argumenta.
Militante
do PAIGC desde 1971, recorda que apenas chegou à comissão central do partido 20
anos depois.
"No
último congresso, por exemplo, há gente que pela primeira vez entra no PAIGC e
entra nas instâncias superiores", e até em detrimento de mais qualificados
e mais antigos, "integra as listas de deputados, são ministros" e
"até são candidatos a Presidente, imagine", ilustra Ernesto Dabó.
"Isso
tem que dar mal, porque as pessoas afinal nunca chegaram a assumir o partido e
estando lá dentro usaram-no para atingir um cargo e o partido cobra, sempre
cobrou", acrescenta.
DM
(LFO) // VM
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