sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Educação Cívica em Macau incompatível com "cidadania democrática" -- estudo


Macau, China, 13 jan (Lusa) -- Um estudo da Universidade de Macau conclui que a educação cívica e moral promovida no território tem-se revelado incompatível com o conceito de "cidadania democrática ativa", cenário agravado após o movimento Occupy Central, em Hong Kong, em 2014.

"O aspeto controverso [da Educação Cívica] prende-se com a coesão social, por um lado, e, por outro, a promoção de um cidadão ativo, com pensamento crítico e [que tome parte no] debate público, em busca da democracia. Até agora, parece que o discurso de uma cidadania democrática ativa e o de construção de uma nação são incompatíveis no contexto de Macau", conclui o estudo "Harmonizar a melodia?! Um estudo crítico da política de educação cívica e moral do sistema de educação não-superior", da investigadora Teresa Vong, a que a Lusa teve hoje acesso.

A investigadora argumenta que o conceito de cidadania está a ser interpretado de forma "muito estrita, maioritariamente ligado ao patriotismo, ao cumprimento da lei, e incluindo algumas virtudes tradicionais chinesas", um entendimento que "não é suficiente para preparar os cidadãos para viverem num mundo mais vasto".

Em Macau, uma cidade que deseja posicionar-se como um Centro Internacional de Turismo e Lazer, manifesta-se uma "tensão entre o discurso da cidadania ativa e a consolidação nacional desejada pelo Governo de Macau, ou talvez do Governo Central", lê-se no estudo.

O conceito de educação Cívica e Moral -- materializado numa disciplina que em 2015 começou a ser implementada nas escolas -- começou a ser promovido no período de transição de administração do território de Portugal para a China e ganhou novo fôlego com o movimento pró-democracia de desobediência civil de Hong Kong, em 2014.

Vong recorda que a educação cívica e moral esteve sempre "politicamente carregada": a administração portuguesa (até 1999) foi pouco intervencionista, levando as instituições privadas a comporem o mosaico escolar com elevada liberdade, de tal modo que a primeira Lei da Educação surge apenas em 1991, em consequência da assinatura da Declaração Conjunta, em 1987, que preparou a transição para a China.

Esta lei reconhece a importância do cultivo da cidadania, definindo que se deseja "desenvolver uma consciência cívica, através da transmissão da cultura de Macau, que é indispensável ao reforço e consolidação da sua identidade".

A mesma lei refere o "desenvolvimento da democracia e do pluralismo", a importância do "respeito pelos outros e pelas suas ideias", com "abertura ao diálogo e à livre troca de pontos de vista de modo a cultivar os cidadãos a julgarem com espírito crítico e a participarem criativamente nos assuntos sociais".

Esta lei foi substituída em 2006, passando a afirmar que as escolas e governos têm a responsabilidade de "promover o caráter patriótico dos estudantes e o amor a Macau, as boas virtudes e o cumprimento da lei e disciplina", entre outras características.

"A identidade cultural chinesa torna-se o foco, enquanto as características de Macau se tornam periféricas", aponta Vong.

Em 2014 e 2015 foi aprovada nova legislação que inclui a educação Cívica no currículo escolar, com conteúdo específico e objetivos curriculares, tornando o conceito "mais estrito".

"As ações são altamente focadas no fortalecimento do patriotismo e da coesão do Estado através da construção de uma identidade cultural chinesa. (...) O aspeto central desta governamentalização [da educação] é a ênfase extraordinária no patriotismo, na unidade e conformidade, que pode ensombrar a importância da democracia e da autonomia individual numa sociedade liberal", lê-se no documento.

O estudo afirma que o movimento Occupy Central, em Hong Kong, "gerou grande pressão para o reforço da educação nacional e patriótica em relação à juventude de Macau", motivando mais de cinco centenas de artigos em 17 dias, grande parte alertando para os impactos negativos do movimento em Macau.

Em outubro de 2014, a Associação de Educadores Chineses de Macau "enviou uma lista de orientações a professores para encaminharem os estudantes e refletirem sobre o Movimento Occupy de Hong Kong de modo a evitarem influências negativas".

Em março de 2015, Li Gang, diretor do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, sugeriu que, devido ao Occupy, era necessário reforçar a educação nacional em Macau, lembra Vong.

A investigadora conclui ser necessário "reescrever" o conceito de cidadania de modo a integrar Macau "na comunidade local, regional, internacional e global" mas admite: "Neste momento em que assistimos à harmonização de uma melodia, tudo o que ouvimos é uma peça coletiva, e as vozes dos indivíduos são silenciadas".

ISG // MP

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