Macau,
China, 13 jan (Lusa) -- Um estudo da Universidade de Macau conclui que a
educação cívica e moral promovida no território tem-se revelado incompatível
com o conceito de "cidadania democrática ativa", cenário agravado
após o movimento Occupy Central, em Hong Kong, em 2014.
"O
aspeto controverso [da Educação Cívica] prende-se com a coesão social, por um
lado, e, por outro, a promoção de um cidadão ativo, com pensamento crítico e
[que tome parte no] debate público, em busca da democracia. Até agora, parece
que o discurso de uma cidadania democrática ativa e o de construção de uma
nação são incompatíveis no contexto de Macau", conclui o estudo
"Harmonizar a melodia?! Um estudo crítico da política de educação cívica e
moral do sistema de educação não-superior", da investigadora Teresa Vong,
a que a Lusa teve hoje acesso.
A
investigadora argumenta que o conceito de cidadania está a ser interpretado de
forma "muito estrita, maioritariamente ligado ao patriotismo, ao
cumprimento da lei, e incluindo algumas virtudes tradicionais chinesas",
um entendimento que "não é suficiente para preparar os cidadãos para
viverem num mundo mais vasto".
Em
Macau, uma cidade que deseja posicionar-se como um Centro Internacional de
Turismo e Lazer, manifesta-se uma "tensão entre o discurso da cidadania
ativa e a consolidação nacional desejada pelo Governo de Macau, ou talvez do
Governo Central", lê-se no estudo.
O
conceito de educação Cívica e Moral -- materializado numa disciplina que em
2015 começou a ser implementada nas escolas -- começou a ser promovido no
período de transição de administração do território de Portugal para a China e
ganhou novo fôlego com o movimento pró-democracia de desobediência civil de
Hong Kong, em 2014.
Vong
recorda que a educação cívica e moral esteve sempre "politicamente
carregada": a administração portuguesa (até 1999) foi pouco
intervencionista, levando as instituições privadas a comporem o mosaico escolar
com elevada liberdade, de tal modo que a primeira Lei da Educação surge apenas
em 1991, em consequência da assinatura da Declaração Conjunta, em 1987, que
preparou a transição para a China.
Esta
lei reconhece a importância do cultivo da cidadania, definindo que se deseja
"desenvolver uma consciência cívica, através da transmissão da cultura de
Macau, que é indispensável ao reforço e consolidação da sua identidade".
A
mesma lei refere o "desenvolvimento da democracia e do pluralismo", a
importância do "respeito pelos outros e pelas suas ideias", com
"abertura ao diálogo e à livre troca de pontos de vista de modo a cultivar
os cidadãos a julgarem com espírito crítico e a participarem criativamente nos
assuntos sociais".
Esta
lei foi substituída em 2006, passando a afirmar que as escolas e governos têm a
responsabilidade de "promover o caráter patriótico dos estudantes e o amor
a Macau, as boas virtudes e o cumprimento da lei e disciplina", entre
outras características.
"A
identidade cultural chinesa torna-se o foco, enquanto as características de
Macau se tornam periféricas", aponta Vong.
Em
2014 e 2015 foi aprovada nova legislação que inclui a educação Cívica no
currículo escolar, com conteúdo específico e objetivos curriculares, tornando o
conceito "mais estrito".
"As
ações são altamente focadas no fortalecimento do patriotismo e da coesão do
Estado através da construção de uma identidade cultural chinesa. (...) O aspeto
central desta governamentalização [da educação] é a ênfase extraordinária no
patriotismo, na unidade e conformidade, que pode ensombrar a importância da
democracia e da autonomia individual numa sociedade liberal", lê-se no
documento.
O
estudo afirma que o movimento Occupy Central, em Hong Kong, "gerou grande
pressão para o reforço da educação nacional e patriótica em relação à juventude
de Macau", motivando mais de cinco centenas de artigos em 17 dias, grande
parte alertando para os impactos negativos do movimento em Macau.
Em
outubro de 2014, a Associação de Educadores Chineses de Macau "enviou uma
lista de orientações a professores para encaminharem os estudantes e refletirem
sobre o Movimento Occupy de Hong Kong de modo a evitarem influências
negativas".
Em
março de 2015, Li Gang, diretor do Gabinete de Ligação do Governo Central em
Macau, sugeriu que, devido ao Occupy, era necessário reforçar a educação
nacional em Macau, lembra Vong.
A
investigadora conclui ser necessário "reescrever" o conceito de
cidadania de modo a integrar Macau "na comunidade local, regional,
internacional e global" mas admite: "Neste momento em que assistimos
à harmonização de uma melodia, tudo o que ouvimos é uma peça coletiva, e as
vozes dos indivíduos são silenciadas".
ISG
// MP
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