Macau,
China, 13 mai (Lusa) -- Os incidentes em Macau provocados pela Revolução
Cultural chinesa tiveram "profundas consequências" nas relações entre
Portugal e a China, nomeadamente com a política externa portuguesa a ser
condicionada pelos interesses de Pequim, defende o investigador Moisés Silva
Fernandes.
Como
exemplos paradigmáticos, estão duas votações de Portugal favoráveis a Pequim na
Assembleia-Geral das Nações Unidas no início da década de 1970 e a adoção de
uma "política de silêncio" da diplomacia portuguesa em relação à
República Popular da China (RPC).
O
primeiro voto foi sobre o reconhecimento da República Popular em vez de Taiwan
(República da China) na ONU em outubro de 1971.
"Portugal
foi pressionado a apoiar a admissão da República Popular da China" por
líderes da comunidade chinesa de Macau alinhada com Pequim, sustenta o
professor universitário.
"Em
Portugal a questão não era falada, mas através do governador de Macau da
altura, Nobre de Carvalho, houve influências muito grandes, nomeadamente dos
líderes chineses de Macau Ho Yin e Roque Choi. Eles foram claros na posição de
que Portugal tinha que votar favoravelmente a questão chinesa", para
prevenir problemas no território, disse Moisés Silva Fernandes à Lusa a
propósito dos 50 anos sobre o início da Grande Revolução Cultural Proletária.
No
livro "Macau na Política Externa Chinesa (1949-1979)", Moisés Silva
Fernandes reproduz um telegrama enviado pelo governador de Macau para Lisboa em
que este comunica a mensagem que lhe fora transmitida por um dos líderes da
comunidade chinesa: "Teria mais valor para a República Popular da China e
certamente se refletiria [na] atitude futura quanto [à] posição [sobre a] nossa
política ultramarina e [ao] apoio [que] dá [aos] partidos
emancipalistas'".
O
voto a favor de Pequim causou "grande satisfação em Macau", informou
Nobre de Carvalho em nova comunicação para Lisboa, também citada na obra do
investigador da Universidade de Lisboa.
No
ano seguinte, em 1972, Pequim volta a marcar pontos na Assembleia-Geral da ONU,
ao conseguir a aprovação da resolução 2908 que retira Macau e Hong Kong da
lista de territórios a descolonizar -- datada de dezembro de 1960 --, na
tentativa de evitar que fosse levantada a questão de uma eventual
autodeterminação ou independência, refere Moisés Silva Fernandes.
Mais
uma vez, os líderes da comunidade chinesa de Macau transmitiram a mensagem de
Pequim de que Portugal "não devia dizer nada, ou o mínimo possível".
A
resolução foi aprovada, mas a postura do Reino Unido e de Portugal foi
"bem diferente": Londres rejeitou-a publicamente e Lisboa remeteu-se
a um "silêncio hermético".
Para
Moisés Silva Fernandes, essas duas posições têm como pano de fundo as
repercussões da Revolução Cultural em Macau, território que Portugal
administrava, que são conhecidas como os incidentes do 1,2,3 (em referência à
data 3/12, de 1966).
A
Revolução Cultural (1966-76) teve ainda outros efeitos como uma "política
de silêncio" relativamente a esses eventos -- tanto da parte da China como
de Portugal -- nomeadamente para não ferir suscetibilidades e prevenir atritos
políticos, observa o investigador, destacando também a redução do apoio
político e diplomático de Pequim aos movimentos de libertação da África
lusófona entre 1967 e 1970.
Moisés
Silva Fernandes refere ainda que no caso particular de Macau, "onde os
governadores (portugueses) não tinham poder nenhum desde 1949 (data da fundação
da RPC)", a repercussão mais evidente tem que ver com um "reforço do
poder e da influência da elite tradicional chinesa" e manutenção de um
'status quo' sempre precário.
Portugal
e a República Popular da China só estabeleceram relações diplomáticas em 1979.
A
Grande Revolução Cultural Proletária, que agitou a China de maio de 1966 até à
morte de Mao Zedong 10 anos depois, pretendeu purgar a República Popular da
"infiltração de elementos burgueses" nas estruturas do governo e da
sociedade.
Por
todo o país, os Guardas Vermelhos, na larga maioria grupos de adolescentes e
jovens sempre acompanhados pelo "livro vermelho" com os ensinamentos
de Mao, ocuparam todas as estruturas da sociedade para impor o novo modelo, enquanto
milhões de estudantes e intelectuais foram enviados para os campos para
"reeducação" pelo trabalho.
Milhões
de pessoas sofreram humilhação pública, prisão arbitrária, tortura, confiscação
de bens. A tradição cultural milenar foi renegada, museus, monumentos e livros
foram destruídos.
Estimativas
colocam em 750.000 mortos o resultado da violência da Revolução Cultural.
DM
// JMR
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