Díli,
27 set (Lusa) -- O primeiro-ministro timorense, Mari Alkatiri, teve de aguardar
hoje pelo fim do dia e passar por vários rituais para voltar ao Palácio do
Governo onde há 11 anos, três meses e um dia jurou que não voltaria a entrar.
Os
onze 'lian naain', os 'contadores de histórias', os transportadores da voz
'lulik' (o sagrado timorense) vieram propositadamente de cinco regiões do país
(Rai Ulun, Bunak e Kemak, Mambai, Baikeno e Carketo) para a cerimónia de 'Dada
Ikas' (Retirar Juramento) e 'Loke Dalan' (Abrir Caminho).
Um
complexo ritual em várias línguas em que, um por um, os 'lian naain' foram
invocando os espíritos 'lulik', o sagrado timorense, para levantar a promessa
que Alkatiri fez a 26 de junho de 2006 quando se demitiu e garantiu que nunca
voltaria a entrar no Palácio do Governo.
A
cerimónia tinha que ser feita "naquele espaço entre o dia e a noite"
e por isso Alkatiri, que chegou ao Palácio antes, teve que esperar o cair do
dia.
Aos
pés do mastro gigante de onde já tinha sido retirada a bandeira de Timor-Leste,
os homens esticaram duas esteiras, montaram duas chapas de zinco e um grelhador
improvisado e iniciaram um longo ritual de mais de 90 minutos.
Alkatiri
recordou o momento em que fez a sua jura, explicou que muitos lhe pediram para
voltar a ser primeiro-ministro - a Frente Revolucionária do Timor-Leste
Independente (Fretilin), partido de que é secretário-geral venceu as eleições
de 22 de julho - e disse que aceitou o cargo com "honra e sentido de
responsabilidade".
Sentados
em círculo na esteira, os velhos líderes do animismo timorense recordaram a
jura e depois pediram autorização ao 'maromak', o criador no conceito divino
tradicional, para que Alkatiri pudesse regressar ao Palácio.
Folhas
de areca, conhecidas como malus - chegavam a ser usadas como proteção simbólica
contra balas - foram abençoadas e entregues por vários dos 'lian naain' a
Alkatiri.
Um
dos líderes tradicionais, da ponta leste do país, Rai Ulun, ia cortando uma
pequena cana de bambu que cada um dos seus companheiros assoprava.
Depois,
um por um, misturavam rezas com preces, discursos cantados com frases em
línguas locais.
Já
na reta final e antes de um brinde com tuasabu, a aguardente de cana, foram
sacrificados três galos, cujas entranhas - iluminadas por lanternas na já quase
escuridão do início da noite - foram lidas e comentadas pelos 'lian naain'.
"O
caminho será longo, mas direito", explicou um deles, com acenos de cabeça
dos companheiros a atestar a boa noticia que os fígados do animal traziam.
"Foram
unânimes a dizer que o caminho está aberto, mas também que tenho que andar com
cuidado porque há sempre obstáculos pela frente", acrescentou Alkatiri.
Minutos
depois, o primeiro-ministro dá o primeiro passo no edifício onde não entrava
desde 2006.
"Onze
anos e três meses depois desde que saí nunca mais voltei a entrar aqui, nem por
esta porta, nem pelas traseiras. Hoje voltei e penso que isso, só por si,
mostra que há mudanças no país", disse à Lusa.
No
andar de cima, depois de regressar ao gabinete que foi seu e volta a ser a
partir de hoje, Alkatiri entra na sala de Conselho de Ministros e fica em pé à
cabeceira da longa mesa oval onde ainda estão quatro placas com os nomes de
ministros do anterior executivo, entre eles Xanana Gusmão.
Alkatiri,
emocionado, bate determinado por duas vezes na mesa, acena afirmativamente com
a cabeça e sai, regressando ao seu gabinete.
"É
o cumprir de uma missão e de um dever. Vou tentar fazer o meu melhor. O
objetivo principal é unir todos e olhar para a frente", diz, explicando
esse momento.
Doze
dias depois de tomar posse - tem trabalhado desde aí no Palácio Nobre de Lahane
- Alkatiri e o seu VII Governo constitucional ainda não tinham, formalmente,
ocupado o Palácio do Governo, sede do executivo.
Daí
que a cerimónia de hoje tenha tido grande significado: marca o regresso de
Alkatiri à sede do Governo de onde a sua saída, no meio da crise de 2006, foi
particularmente marcante para o líder timorense.
"É
um sentimento contraditório: vim com sentido de missão, mas 11 anos são sempre
11 anos e o peso é maior, para quem deixou isto com 50 e tal anos e regresso
com 60 e tal", acrescenta.