“FOMOS TODOS ENGANADOS”
Tiago
e a esposa, Fong Fong Guerra, foram condenados a oito anos de prisão pelo
tribunal de Timor-Leste pela co-autoria do crime de peculato. Em entrevista,
Tiago Guerra diz que há incongruências na sentença e muitas dúvidas sobre o
paradeiro do dinheiro que o tribunal afirma estar nas contas do casal. O
português, que aguarda a decisão do recurso, fala de entraves na sua defesa
Perdeu
14 quilos enquanto esteve preso preventivamente em Díli. Tanto ele como a
esposa necessitam de ser operados e de tratamento médico que não conseguem ter
em Timor-Leste.
Do
país não podem sair por terem os passaportes confiscados e estarem sujeitos ao
termo de identidade e residência. Os pedidos para que possam procurar ajuda
médica no estrangeiro, foram entretanto recusados.
Eles
são o casal português Tiago e Fong Fong Guerra, que desde 2014 se vêem a braços
com um caso na justiça timorense. No passado dia 24 de Agosto foram ambos
condenados pelo tribunal a oito anos de prisão pelo crime de co-autoria num
caso de peculato, tendo sido absolvidos dos crimes de branqueamento de capitais
e falsificação de documentos. O tribunal condenou-os ainda ao pagamento de 859
mil dólares.
Foram
acusados de “prejudicar as finanças e a economia do Estado” de Timor-Leste, por
alegadamente se terem apropriado de fundos oriundos da indústria petrolífera,
que pertencerão ao país.
Tiago
Guerra está na fase de recolha de mais provas para sustentar o seu caso. “Estes
dias têm sido muito complicados. Somos condenados por um crime que não
cometemos e estamos a ver as nossas vidas destruídas”, contou ao HM.
Tiago
Guerra não faz a mínima ideia de quando será proferida a última de todas as
decisões. “Aqui em Díli o tribunal de recurso pode demorar um ano ou dois a
apreciar um caso. Aqui há dias houve uma decisão que tinha sido interposta em
2014, ainda estava preso. Pode demorar muito tempo.”
O
português diz não aceitar a sentença e fala de entraves na apresentação de
provas durante a preparação da sua defesa.
“A
questão mais importante aqui é o direito à defesa. Os juízes tinham dúvidas, e
isso está escrito no acórdão, sobre o paradeiro dos fundos. Queríamos chamar as
testemunhas que fizeram a transferência, mas foram todas negadas, os juízes
indeferiram esses pedidos. Depois tentamos ainda trazer uma testemunha do banco
que fez a transferência, mas o pedido também foi indeferido”, contou.
O
português adiantou que “sem direito à defesa, e sem cumprir os princípios
básicos de justiça, tem sido muito complicado pensar em como podemos fazer
isto”. “Estamos focados na apresentação do recurso e em garantir que está lá
tudo”, acrescentou.
ONDE
ESTÁ O DINHEIRO?
Em
2011, Tiago Guerra detinha a Olive Unipessoal, uma empresa sediada em
Timor-Leste, a partir da qual efectuava negócios e recebia pagamentos por
trabalhos de contabilidade, consultoria e auditoria. Desde 2010 que Fong Fong
Guerra, a sua esposa, detinha em Macau uma outra empresa, a Olive Consultancy.
Segundo
Tiago Guerra, foi esta empresa que serviu como intermediária no pagamento de 860
mil dólares norte-americanos entre uma sociedade de advogados norueguesa, em
representação de uma empresa, a uma outra empresa norte-americana. O pagamento,
feito através de um contrato de agente depositário (contrato escrow), foi feito
a convite de Bobby Boye, nigeriano com nacionalidade americana.
Esse
contrato valeu à Olive Consultancy o pagamento de dez mil dólares americanos,
sendo que, a partir da transferência do dinheiro para os Estados Unidos, Tiago
Guerra assume nunca mais ter tido contacto com Bobby Boye.
Boye,
que chegou a desempenhar funções como assessor do Estado timorense no sector do
petróleo, cumpre hoje pena nos Estados Unidos pela prática de vários crimes
financeiros.
Tiago
Guerra fala das diversas incongruências que encontrou na leitura da sentença
que o condenou a si e à sua esposa, relativas ao paradeiro do dinheiro.
“Os
juízes dizem que o dinheiro (860 mil dólares) foi enviado e saiu da conta, como
ficou provado graças aos peritos do Banco Central, mas depois dizem que está em
parte incerta. Há uma terceira afirmação de que o dinheiro está nas nossas
contas em Macau. Quando têm estas dúvidas, penso que o principio da defesa não
está a ser respeitado.”
Para
descobrir o rasto do dinheiro, as autoridades timorenses enviaram cartas
rogatórias, a pedir diligências e informações, às autoridades de Macau.
“Pediram
cartas com informações sobre nós, e foi enviado um resumo, assinado pela
Polícia Judiciária e Interpol, de todas as contas bancárias em nosso nome. O
saldo de todas essas contas dá pouco mais de seis mil dólares. Dizem que estão
congelados 860 mil dólares? Nessa altura estava preso, não tive nada a ver com
esse pedido. [As autoridades timorenses] ignoraram todas essas informações”,
clarificou Tiago Guerra.
O
português, que foi condenado por alegadamente ter transferido dinheiro que
pertence aos cofres públicos de Timor-Leste, afirma ainda que a sentença que
ouviu não dá certezas sobre se os 860 mil dólares pertencem, de facto, ao país.
“As
autoridades dizem que o dinheiro que foi transferido para a nossa conta lhes
pertencia, mas essa é outra questão. Isso não ficou provado em tribunal. A lei
diz que os pagamentos de quaisquer receitas do petróleo devem ser feitos directamente
ao fundo soberano, que pertence ao Estado timorense e cuja conta está na
Reserva Federal em Nova Iorque. Estamos a falar de um banco dessa dimensão”,
referiu.
Tiago
Guerra questiona: “a partir do momento em que o dinheiro não foi transferido
para lá, alguém pensa que pertence ao Estado timorense?”
O
português assegura que, quando fez a transferência do montante, em 2011, jamais
poderia imaginar que esse dinheiro pertencia a Timor-Leste.
“Só
em Dezembro de 2016, quando tivemos acesso aos autos, vimos que o dinheiro está
em disputa entre a empresa norueguesa e o Estado timorense. Até então não
tínhamos a mínima ideia de que o dinheiro poderia pertencer a Timor e muito
menos que viesse dos impostos [da indústria petrolífera].”
ALGUMA
INGENUIDADE
Tiago
Guerra, licenciado em engenharia e com carreira feita na área das
telecomunicações, chegou a Timor-Leste em 2010, depois de ter passado pelo
Brasil e pela China. Trazia na bagagem uma proposta para abrir a Digicel,
empresa irlandesa, em Timor-Leste, projecto que falhou.
“A
empresa contratou-me para começar uma empresa de operações de telecomunicações,
e quando cheguei não havia uma licença nem a legislação que permitisse ter a
licença. Não havia nada.”
Na
cabeça do casal Guerra começou a pensar-se a ida para Macau, e foi nessa altura
que foi criada a Olive Consultancy. A ideia era colocarem os filhos na Escola
Portuguesa de Macau, onde tinham uma reunião agendada que nunca chegou a
acontecer, devido ao facto de terem sido detidos no aeroporto de Díli dois dias
antes.
A
ligação do casal Guerra com Bobby Boye surgiu pelo facto de serem vizinhos.
“Houve
a necessidade de um agente depositário e na altura Boye era uma pessoa bem
vista aqui. Sei que entretanto fomos todos enganados e ludibriados por ele. Na
altura tinha uma óptima reputação aqui, eu diria que era o assessor mais
visível em Timor-Leste. Era recebido por todos os ministros. Quando recebemos
esta proposta decidimos avançar”, lembrou Tiago Guerra.
Hoje
o português não tem duvidas de que foi algo ingénuo na hora de aceitar este
contrato.
“Nunca
pensei que alguém pudesse ser assim. Éramos vizinhos, quando cheguei a Díli a
casa dele era mesmo ao lado da minha. Agora sabemos que é criminoso, está a
cumprir a pena, e que já tinha estado antes na prisão. Mesmo assim conseguiu
ser escolhido no processo de contratação de um assessor internacional.”
Tiago
Guerra frisa ainda não compreender como é que o tribunal timorense nunca
notificou Bobby Boye como co-arguido no crime de peculato.
“Não
sei como é que estou a ser condenado de ser co-autor de um crime de peculato,
quando o autor do crime nem sequer foi notificado pelas autoridades. Está a
cumprir pena nos Estados Unidos e são conhecidas todas as informações sobre
ele. Dizem que não o conseguem encontrar? Essa informação é difícil de
aceitar”, remata.
Na foto: Tiago
e Fong Fong Guerra. Foto: Agência Lusa
Sem comentários:
Enviar um comentário