Díli, 11 jul (Lusa) - O
constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos considerou que os argumentos
apresentados pelo Presidente timorense para travar a nomeação de alguns membros
do Governo são frágeis, sublinhando que o atual impasse exige um diálogo político.
Em entrevista à Lusa, o redator
da Constituição de Timor-Leste analisou o atual impasse entre o Presidente
timorense, Francisco Guterres Lu-Olo, e o primeiro-ministro, Taur Matan Ruak,
em relação à nomeação de alguns membros do executivo.
A formação do novo Governo tem
estado num impasse, com Lu-Olo a recusar dar posse a 11 dos membros nomeados
por Taur Matan Ruak, nove por alegadamente terem "o seu nome identificado
nas instâncias judiciais competentes" e dois por possuírem "um perfil
ético controverso".
Para Bacelar de Vasconcelos,
"esses fundamentos referidos são frágeis".
No caso das questões com a
Justiça, a Constituição tem mecanismos previstos, com o Governo a responder
perante o Parlamento Nacional que, em casos de crimes com uma moldura penal
inferior a dois anos, "tem de autorizar a suspensão de mandato".
"O facto de se confiar ao
Parlamento a competência para determinar a suspensão indica que o seu
comportamento é fiscalizado pela instância parlamentar e não pelo
Presidente", disse.
Bacelar de Vasconcelos considerou
"extremamente frágil" basear essa decisão na mera indicação de
suspeitas, ou em casos em inquirição ou investigação.
"Não me parece que a
existência de mera suspeita, inquirição ou investigação sejam motivo suficiente
para o Presidente fundamentar uma recusa de nomeação", sublinhou.
Também o argumento da ética é
"ainda mais indeterminado", já que meras "objeções de natureza
ética" alterariam a questão da confiança, disse.
"Não oferece confiança ao
Presidente, mas isso não chega. Isso equivaleria a que o Presidente é que forma
o Governo. Não é competência que lhe caiba. Se o poder negativo de obstrução
aos nomes propostos é usado desta forma, efetivamente, de facto o Presidente
está a assumir ele próprio a responsabilidade do Governo que é competência do
Primeiro-ministro e não dele próprio", sublinhou.
Os membros do executivo
"respondem perante o primeiro-ministro", numa quase
"presidencialização do órgão Governo" o que limita a capacidade de
influência do Presidente na sua composição, disse.
Bacelar de Vasconcelos lembrou
que a Constituição timorense assenta num sistema parlamentar "com uma
moderação presidencial", tendo o Presidente "poderes particularmente
importantes para a solução de situações de crise".
No entanto, o poder de intervenção
"atinge o seu momento mais importante no instante em que nomeia o
primeiro-ministro".
O constitucionalista acrescentou
que o facto de estarem, entre os nomes propostos e ainda por nomear, deputados
eleitos em maio "vem limitar ainda mais a possibilidade de objeções a que
possam integrar o Governo".
O Presidente timorense tem um
papel "reforçado e intervenção legítima amplificada" em situação de
crise, como a de ausência de maioria parlamentar.
Mas "com a indigitação e
nomeação e tomada de posse do primeiro-ministro, esse papel reforçado do
Presidente deixa de se justificar, porque o Governo é da responsabilidade do
primeiro-ministro, mas depende também do parlamento", frisou.
Bacelar de Vasconcelos reiterou
que a Constituição "não prevê uma solução para casos de conflito" ou
para a indisposição do Presidente em "nomear algum membro do Governo"
já que a lei-base entende que "é politicamente que a situação tem que ser
resolvida".
"Seria inadequado e abusivo
que estes problemas tivessem solução em sede de fiscalização da
constitucionalidade das leis", afirmou.
"Estes problemas têm que se
resolver no âmbito na relação entre Presidente e primeiro-ministro. Não há
saída jurídico-constitucional e é entre eles que tem de se ultrapassar",
considerou.
O constitucionalista indicou que
a referência ao processo de destituição, referido numa carta enviada hoje por
Xanana Gusmão ao Presidente timorense, como "sobretudo simbólico", já
que "o resultado nas eleições não torna plausível que dois terços a
aprovem".
"O que a Constituição prevê
é que o primeiro-ministro se entenda com o Presidente e que algum deles
abandone o palco se não conseguirem chegar a uma solução", disse.
"A Constituição remete para
o diálogo entre primeiro-ministro e Presidente a superação de quaisquer problemas
que possam ocorrer neste processo. Se o Presidente não tem constitucionalmente
o poder de livremente vetar quaisquer nomes que entenda dos que lhe são
propostos pelo primeiro-ministro, mantém, e a Constituição não o proíbe, um
poder de diálogo para manifestar e indicar ao primeiro- ministro objeções que
têm eventualmente sobre esses pontos", explicou.
Deixa de ser constitucional se o
Presidente, de "forma sistemática e não fundamentada recusar propostas de
nomes de membros do Governo para serem nomeados e não haja razoes atendíveis
para o fazer".
ASP // EJ
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