terça-feira, 5 de janeiro de 2016

DESAPARECIMENTOS EM HONG KONG GERAM PREOCUPAÇÃO EM MACAU


O episódio, obscuro, remete para um qualquer enredo extraído da Guerra Fria. Aconteceu aqui ao lado, numa livraria apostada em comercializar títulos acentuadamente críticos da política de Xi Jinping. Depois do desaparecimento de cinco funcionários, activistas de Macau falam ao PONTO FINAL em sinais claros de um Estado totalitário, com indícios “muito KGB”. Como num romance de espionagem.

São já cinco, os funcionários da The Causeway Bay Bookstore e da editora que lhe está ligada – a Mighty Current – que desapareceram sem deixar rasto. Os primeiros quatro foram avistados pela última vez em Outubro. Na passada quarta-feira, Lee, o funcionário que na altura fez soar o alarme, também não regressou a casa depois de um dia de trabalho. Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau, falou ao PONTO FINAL em semelhanças com um crime de Estado totalitário e confessou que dificilmente ficará surpreendido se a situação verificada na vizinha RAEHK acontecer em Macau. Agnes Lam, activista e docente da Universidade de Macau, definiu o episódio como digno das intrigas traçadas pelo KGB e defendeu que os responsáveis deveriam ser sujeitos a um “procedimento legal”.

Especializada na venda de títulos críticos das políticas do actual Governo Central, a pequena livraria é muito popular entre os turistas que não têm acesso a tais obras no continente. Os funcionários que permanecem no estabelecimento acreditam que os desaparecidos foram “detidos” devido ao trabalho desenvolvido pela editora, escreveu a BBC.

Sobre a história de contornos nebulosos, que se desenrola do outro lado do delta do Rio das Pérolas, Scott Chiang é incisivo: “A Associação Novo Macau acredita na liberdade de expressão, tal como em outros direitos humanos básicos, enquanto pedras basilares de uma sociedade democrática. As tiranias do passado e do presente tentaram tirar-nos isso através da força, da intimidação e decepção. O seu esforço só nos convence ainda mais da importância da liberdade”.

O activista vai mais longe e cola aos desaparecimentos em série, sinais de um Estado totalitário: “O caso da livraria carrega uma semelhança impressionante com um crime de Estado totalitário. O facto alarmante é que isto acontecendo em Hong Kong torna mais importante para a RAEHK defender a lei e o princípio ‘um país, dois sistemas’. As agências nacionais não devem conduzir os seus ‘assuntos’ na RAEHK fora dos limites da Lei Básica”.

Referindo-se ao quadro concreto de Macau, Chiang diz notar “a tendência para se esbater a linha entre as duas jurisdições”, e exemplifica: “Tomemos como exemplo o proposto controlo conjunto da fronteira. A habilidade e vontade do Governo na aplicação da lei para defender a nossa autonomia é duvidosa na melhor das hipóteses. Macau tem sido conhecida como um centro internacional de espionagem desde a Segunda Grande Guerra. Dificilmente ficaremos surpreendidos se isto acontecer em Macau”.

Agnes Lam refere-se ao ocorrido na livraria de Hong Kong como “totalmente inaceitável em qualquer país nos dias de hoje”, e atira o episódio para um contexto de Guerra Fria: “Isto é demasiado ‘KGB’, e penso que não deveria acontecer. Quem fez isto tem que parar, e se se tratar de um instituto público, deveria ser sujeito a um procedimento legal. Eu espero que o Governo de Hong Kong e o Governo Central dêem uma resposta e uma explicação ao público o mais rapidamente possível”.

Entre os primeiros quatro desaparecidos está Gui Minhai, o proprietário da Mighty Current, a editora que detém a livraria, e que comunicou pela última vez a 15 de Outubro, a partir de Pattaya, na Tailândia, onde possui uma casa de férias. Lee, que preferiu não revelar o seu nome completo, contou na altura à BBC que o patrão tinha escrito a avisar que um novo livro seria publicado e que enviaria o material em breve. No mesmo mês, desapareceram ainda Lui Bo, director-geral da editora, e Cheung Jiping, gerente de negócios da Mighty Current, que foram avistados pela última vez em Shenzhen, onde vivem as respectivas mulheres. Na mesma altura, Lam Wingkei, gerente da loja, foi visto pela última vez em Hong Kong. E, finalmente, Lee, cujo desaparecimento foi detectado pela sua mulher na passada quarta-feira, que afirmou entretanto à BBC estar profundamente assustada. 

SG – Ponto Final

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