Carlos
Morais José*, opinião
O
exército sírio libertou Palmyra das mãos dos bárbaros e, para surpresa geral, a
destruição não foi tão maciça como se temia. É certo que alguns dos principais
monumentos foram dinamitados, o grau de vandalismo e os seus efeitos estão
ainda por calcular. Contudo, dizem as notícias, poderia ser bem pior.
A
pergunta que me assalta é: Porquê? Qual a razão (ou acaso) que terá poupado o
grosso das ruínas de Palmyra? Que fenómeno terá detido a barbárie, que os
homens do Daesh trazem acantonada no coração? Estando ali, entre ruínas pagãs,
deveriam ter arrasado tudo, destruído radicalmente os vestígios de outras
crenças, incendiado os restos e espalhado as cinzas aos ventos do deserto. Isso
não aconteceu. A destruição foi significativa mas não foi total. A mão bárbara
suspendeu o acto, não o levou até ao fim. Porquê?
Numa
visita a um templo de Angkor Wat, junto a uma enorme estátua de um buda, um
guia contava que, durante o regime despótico, um destacamento de Khmers
Vermelhos se preparava para a destruir mas que uma voz, vinda do artefacto,
fôra por todos ouvida, pondo em fuga os soldados de Pol Pot.
Não
sei se em Palmyra sucedeu a mesma coisa. Se uma voz ressoou do interior das
pedras, das colunas, dos arcos, evitando a sua destruição. No entanto, a ter
existido, prefiro acreditar que essa voz veio do fundo da consciência daqueles
homens: é o rumor da História à qual todos pertencemos e sem a qual faríamos
muito menos sentido. Eles saberiam, no fundo, que se estavam a destruir a si
mesmos, a uma parte da sua identidade e isso soa tão indiscutivelmente ao Mal
como um crime cometido contra o próprio sangue.
Não
terá sido nada disto. Talvez falta de explosivos. Talvez demasiadas mulheres
para violar, talvez demasiados sábios para cortar a cabeça. Talvez outra razão
qualquer. Seja ela qual for, a História resiste, não somente como memória de
factos, de reinos ou de actos heróicos. Resiste, sobretudo, a Beleza e é ela
que nos permite aceder às partes mais interessante dos humanos que nos
antecederam. Era esta beleza intemporal, inesgotável enquanto fonte de
informação e incomparável enquanto fonte de deleite, que dormia prisioneira em
Palmyra, depois de ter sido violada pelo Daesh. Agora terá de ser gentilmente
acordada.
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